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Anotações De Even Ruud - Caminhos Da Musicoterapia

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Anotações de Ruud, Even. Caminhos da musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990. Trabalho original publicado em 1990. Cap. 1 Musicoterapia – Profissão de Saúde ou movimento cultural - Música como instrumento diagnóstico: análise das improvisações e avaliação do nível de desenvolvimento da criança/sintomas - “a opção terminológica reflete com frequência sistemas subjacentes de avaliação ou uma escola de pensamento à qual pertence o terapeuta que está definindo. (p. ex. “crescimento” e “mudança” – psicologia humanista; “adaptação social” – comportamentalistas?; “aumentar as possibilidades de ação do paciente” – sociologistas) - doença: “conflito ou contradição entre o estado biológico/psicológico do paciente e o meio econômico e material em que vive” (p. 15). Doença ou incapacidade podem ser  reduzidas “não por intervenção terapêutica mas por mudança de contexto material ou cultural da pessoa” (p. 15). - A cultura pode ser então “curada” ou “doente”, ou fazer parte do tratamento. História das Teorias da Musicoterapia: “a história da musicoterapia relata que sempre houve alguém capaz de transformar as novas descobertas do pensamento filosófico ou  político predominante em uma nova base racional voltada ao uso da música para cuidar da saúde ou da doença” (p. 17) - Pré-científicas : “Música como reforçador usual da mente”: Doença é causada por  um verme/animal (quimera) no corpo e o trabalho da música é reforçar a mente para que esse animal não entre (Centro médico de Epidauros – Grécia) - Ciência moderna: “Música pode expandir ou contrair o spiritus animale do corpo e, portanto, influenciar de maneira direta o estado da mente” (Descartes e a teoria do afeto), capacidade em atingir as esferas “pré-intelectuais” da mente. - Ciência romântica: “(...) quando todo o universo consiste em um organismo vibrante, dançante, música e som realmente devem ter sua oportunidade histórica de mudar a humanidade” (p. 17) “Música como espécie universal de terapia ou  pacificadora”, em função de uma abordagem ab ordagem holista da vida, influência de outras culturas musicais, colapso da lógica linear e da razão instrumental. Para Ruud, essa mudança levaria o foco às qualidades inerentes da música em efetuar mudanças, independentemente da intervenção do terapeuta. “Uma característica desse panorama parece ser que a música possa se constituir numa ilustração de algumas das características básicas do ‘universo’, ‘realidade’, ou como designarmos o mundo ‘lá fora’” (p. 18) Abordagem holista: duas visões do mundo - Atitude religiosa: compreensão de outra realidade transcendente a esta, acessada e compartilhada por todos por meio da música (p. ex. “a música é um salto básico” ou “nós todos participamos de uma vibração universal” “Torna-se difícil, no entanto, perceber como a  participação universal através da música nessa outra realidade pode ou deve garantir ‘paz, saúde e harmonia’” [grifo nosso] (p. 18) Direção clínica importante: vincular a participação no comum (p.ex. aquele criado com a música) com algum efeito terapêutico. O que vem depois disso, depois da integração, depois de participar de algo comum que faz com que algo mude, e faça sentir bem ou em direção a algo melhor? Em suma, o que faz laço? É aqui que o discurso lacaniano se instalou, pois o processo de ligação ao Outro é claro e por duas etapas: alienação (integração) e separação. Daí o discurso da falta ser a pedra angular, se não houver falta, o sistema todo falha. O laço está naquilo que se experimentou e que nunca mais voltará, e o desejo que será a consciência culpada e o objeto a, a arma do crime. - Teoria Racional: a realidade é mais do que o “dado”, mas não há meio de acessar essa realidade senão pela linguagem. Afirmar algo sobre o mundo é criar ou recriar esse mundo pela representação das sensações em um sistema de linguagem culturalmente obtido. Da mesma forma, o ato terapêutico deve ter uma eficácia simbólica, deve transitar por meio de alguma representação. -“Uma crítica importante contra boa parte da musicoterapia e especialmente algumas recentes abordagens esotéricas (“música é uma força vibrante, curativa” (...)) é que estão usando explicações psicológicas, isto é, reduzindo todos os  processos da doença a processos e energias psíquicas” (p. 19), desconsiderando o contexto orgânico ou material. - Ruud crê que, nesse caso, a música pode apenas trazer  efeitos temporários Cap. 2 Teorias do modelo médico - Doenças/distúrbios mentais são alterações bioquímicas no organismo “a influência da música poderia ser melhor explicada, tomando-se como ponto de partida a natureza  biológica do ser humano” (p. 21). P. ex: Princípio ISSO; explicações das reações fisiológicas à música - Modelos de pesquisa fisiológica da música 1)Pesquisa pura – efeitos fisiológicos como fatos empíricos para aplicação em outras pesquisas 2) Pesquisa conduzida com o intuito demonstrar que a música apresenta efeitos mensuráveis e previsíveis sobre o ser humano. (A dificuldade em comprovar um efeito terapêutico a longo prazo torna a segunda posição menos aceita) 3) Uma vez conhecendo que a música influencia determinados sistemas fisiológicos, aplicar esse conhecimento em terapia (dificuldade é o musicoterapeuta aceitar as seguintes proposições: - a “doença mental se assemelha a qualquer outra doença”, i.e. possui fundamentos orgânicos, fisiológicos e bioquímicos - a música pode influenciar os processos básicos [grifo nosso] que causam os sintomas. Altschuler – “teoria do tálamo” ou “teoria Cannon-Bard de emoção”: o tálamo tem a capacidade de ser atingido pela música antes de outros centros cerebrais. É a estimulação do tálamo que incita o córtex e as vísceras e musculatura.. Isso explica porque a música está ligada aos afetos, emoções, e ao pensamento e raciocínio. “Uma vez tendo atingido o tálamo, o hemisfério dominante é automaticamente invadido e, persistindo a situação, um contato mais próximo entre o hemisfério dominante e o mundo da realidade por ver a se estabelecer” (Altschuler, 1954, p. 30) “Os conceitos aos quais a música se refere atingem o plano interior da pessoa através da ‘porta dos fundos’ e esta vida interior de distorções é resolvida e trazida à tona pelo conteúdo conceptual da música” (p. 30) Cap. 3 Teorias psicanalíticas Sachs, 1921: “este assunto difícil que se situa o mais distante da exploração psicanalítica” Escritos psicanalíticos sobre a música: 1) Linguagem da música (3 aspectos discutidos) a) propriedades específicas da música que a distinguem da linguagem falada  b) semelhança auditiva entre a música e outras formas de expressão significativas c) música como um padrão de símbolos que expressam conteúdo inconsciente (Noy, 1967) “Para a maioria das pessoas a essência verdadeira da música está no fato de que ela proporciona a cada pessoas a oportunidade de projetar suas experiências particulares através de suas próprias imagens pessoais ou mesmo de ouvir sem tentar evocar imagens de qualquer espécie” (Farnsworth, 1969, p. 96) 2)Desenvolvimento da linguagem musical Bachelard (1968) sobre a origem do canto no homem primitivo (“Pôr fogo num graveto atritando-o no sulco de um pedaço de madeira seca leva tempo e paciência. Esta tarefa, no entanto deve ter sido bastante agradável ao indivíduo cuja fantasia era inteiramente sexual. Enquanto emprenhado nessa tarefa delicada, o homem  provavelmente aprendeu a cantar” (p. 28) Theodor Reik: origem da música pe o culto ao totem, em seus sentimentos, desejos e proibições conflitantes. Origem ritualística e ligada à dança  Noy: origem da atividade musical se dá no início da vida, “antes que a libido narcísica tenha se desenvolvido em sexualidade objetal” – narcisismo primário e ego que não delineia nitidamente os limites do eu e da realidade.  Nenhum psicanalista tentou integrar a visão “histórica” com a “desenvolvimentista”, usando a ideia de que a ontogênese repete a filogênese  Nettle tentou fazer uma analogia entre as músicas infantis e as primitivas, p. ex. canto é construído em terça menor ou segunda maior e é ritmicamente estruturado numa sequência de duração igual à que precede um som mais extenso (tema inicial da quinta sinfonia de beethoven). 3) Origens intraspsíquicas da Música Arte, para a psicanálise, é a transformação de impulsos no inconsciente, sublimação, energia sexual primitiva em transformação. Pfeifer: música é satisfação autentica da libido, sem necessidade de um processo intelectual. Ponto de vista econômico: harmonia pode gratificar mais pela quantidade de expressão simultânea libidinal; a combinação da tensão nascida em cada item pode aumentar a energia individual a ponto de derrubar uma inibição. 4) Música e Emoção Tendência absolutista: Música se refere a si Tendência referencialista: foco no extramusical Psicanalistas?; tendência expressionista (música expressa emoções e é atraente ao mundo dos sentimentos 5) Estrutura da música Estrutura musical análoga ao sonho, fantasia e chiste: transformação de desejos latentes (pode então ser analisada e interpretada) Masonyi: criação musical é a mesma que ocorre no sonho, relação da música com o conteúdo é a mesma que no sonho “Supõe-se facilmente que em música, mais do que em outraos campos de criação artística, a pessoa esteja apta a projetar os seus desejos mais profundos de maneira simbólica e torná-los, então, aceitáveis ao ego. Na criação musical, utilizam-se técnicas semelhantes às do sonho e do chiste: condensação, deslocamento, inversão, lapso e assim por diante. Racker: repetição – Tanatos e variações em uma unidade “The Unity of  Multiplicity”, Eros) 6) A personalidade do músico Patografias (estudo da vida do artista criador em vez do significado da música como tal) 7) Funções da Música a) música é um estímulo externo, despertando diversas reações no organismo que, de forma passiva, tende a uma regressão primária.  b) música como defesa de determinado perigo. Aqui ela é ativa enfrentando a parte do ego na consecução de certos objetivos 8) Música como estímulo Taylor e Paperte (1958): “a música, por causa de sua natureza abstrata, desvia o ego e controles instintuais e, contatanto diretamente os centros mais profundos, resolve conflitos latentes e emoções, trazendo-os à tona, e que podem então ser expreso e reativados por meio dela. A música provoca em nós um estado que atua, de algum modo, como um sonho no sentido psicanalítico” (p. 252) - indicação para tratamento do autismo, pela não-verbalidade. - se a música lembra a estrutura da experiência e conflitos inconscientes, ela deve ativá-los, fazendo a sua expressão possível Sentimento oceânico: Momento em que a música dissolve o mundo externo e interno (Noy, p. 82-94) 9) Música como Função-do-Ego Com o objetivo de atingir o domínio, unidade ou defesa contra diferentes forças. A música é mais que uma expressão indireta da energia básica e desejos inconscientes, mas uma atividade do ego com o objetivo de: gratificar-se, defesa contra forças diversas e domínio. Kohut e Levarie: ruído como ameaça primária, que em um nível mais profundo,  provoca reações de defesa e organização, para dominá-los. Wang (1968): música-ego, música-id e música-superego, que podem ser usadas para equilibrar a estrutura do paciente. Terapia Psicanalítica e Prática da Musicoterapia Wrigth e Priestley – “Analytical Music Therapy”: sessão de improvisação livre com o analisando toca vários instrumentos de percussão e o analista toca piano – pode usar a música para a expressão de conflitos e emoções e descarregar sensações angustiantes e dolorosas. Ruppenthal (1965): rabisco musical Alfred Schmölz Edith Lecourt Mary Priestley Johannes Eschen Wolfgang e Beate Mahns: musicoterapia psicanalítica infantil Isabel Frohne Cristoph Schwabe Cap. 5 - Tendência Humanista/Existencial Brentano: "consciência não é puramente formal no sentido kantiano nem inútil e passiva no sentido lockeano. Ao contrário, conceber a consciência como inútil ou desconexa é interpretá-la. A experiência nos demonstra que a consciência é sempre consciência de alguma coisa. O conteúdo subjetivo da consciência não pode estar separado de seu conteúdo objetivo. A intencionalidade denota a estrutura dinâmica da cosnciência, inseparável dos objetos que a informam. Carolyn Kenny: abordagem fenomenológica na improvisação em musicoterapia - Diálogo musical entre duas pessoas inteiras em um contexto chamado de "estética": "A estética é uma circunstância na qual as condições incluem as tendências humanas do indivíduo, valores, atitudes, experiências de vida e todos os fatores que se unificam para criar a forma integral e concreta da beleza, a [estética], que é a pessoa" (Kenny, 1987, p. 173) - Musical Space: "espaço sagrado, confiável, que passa a ser identificado como um alicerce familiar, um território que é bem conhecido e seguro " "espaço para experimentação, modelação, imitação em formas sonoras que expressam, representam e comunicam sentimentos significativos, pensamentos, atitudes, valores, orientações comportamentais, questões de crescimento e modificação" - The Field of Play: território da improvisação - Aspecto ritual; "arena de formas e gestos repetitivos, constâncias, que propriciam um fundamento para a inovação - poder: "O poder é vivenciado através de um diálogo entre motivação interna, força e movimento e significativos recursos externos no campo existente". Ruud (1987): modelo de quatro etapas para descrição de aspectos musicais na improvisação em msucioterapia a) ouvir a improvisação abertamente para dar início à abordagem auditiva com todad as  possibilidades de expressão mantidas (redução fenomenológica)  b) nível estrutural: identificar aspectos estruturais/códigos como andamento, modos, tessitura, ritmo, c) nível semântico: significado d) nível pragmático: expressão - Dois últimos níveis devem partir da experiência intersubjetiva (minha interpretação). Tanto da música como do "conhecimento do paciente, o que está contido na expressão da música" (talvez esteja contido muito mais, todo o terreno intersubjetivo) "Parece-me que essa descrição de uma área de um código musical observado, onde  podemos alegar ou alcançar intersubjetividade, é um ponto de partida necessário caso nossa descrição ganhe credibilidade científica (...) Desta maneira, poderíamos proporcionar uma descrição do elemento da música que pode ter conduzido a modificações significativas no comportamento do paciente" OBS 1: trevarthen: intersubjetividade inata indica que o tratamento do autismo deve ser  mais voltado à sócio-comunicação que à modificação do comportamento. OBS 2: A compreensão disso é todavia de mais importância quando se estão limando as demais correntes não-behavioristas Cap. 6 – Conceito de Música em Musicoterapia “O que é música” não está dissociado de valores culturais implícitos na linguagem, pois toda afirmação sobre a realidade deve estar fundado em um sistema de linguagem construído socialmente. “música é emoção”, “a música é triste”, “ música são ondas sonoras” Panorama Contemporâneo: “O musicoterapeuta contemporâneo entregou a questão da natureza da música ao psicólogo musical quem de acordo com prevalecentes regras científicas, está tentando lidar com a antiga questão do ‘significado, os efeitos ou a natureza da música’” (p. 86)  Música como estímulo discriminativo: descrição dos parâmetros acústicos, sem destaque à natureza expressiva ou comunicativa  Música como meio de comunicação: Psicologia da “terceira força” – música contém ou representa emoções que são comunicadas ao ouvinte. Conceito que encontrou forte apoio na cultura e provou a eficiência na musicoterapia humanista. Há, no entanto, que argumentar contra uma crença dogmática na linguagem natural da música como atividade “psico-mecânica”, ou afirmações mais metafísicas como “a linguagem das esferas” ou a música como energia afetando centros do corpo humano. “Em vez de salientar o ‘modelo de transmissão’, de comunicação musical, onde a música é vista abrangendo numerosas emoções ou conceito a seres transmitidos ao ouvinte, parece mais razoável considerá-la como um meio de criar uma situação comunicativa onde se encontra um número infinito de possíveis representações da música” (p. 89). A representação depende, nesse sentido, dos indícios dados pelo contexto e o nível de  percepção e consciência envolvido.  Música como linguagem não-verbal : Linguagem emocional capaz de atingir áreas da  psique que processam informação mas que não nos comunicamos a nós mesmos. Friedrich Klausmeier (1984): semelhanças entre música e processos primários do pensamento (anterior à lógica e à linguagem verbal), ligados ao inconsciente. É a entonação que determina o significado, i.e., a simbolização pode ser apresentada, dependendo de como se apresenta o conteúdo e expressão. A música não é capaz de passado ou futuro, apenas  presente, nem negação ou conjunção. A estrutura polifônica da música é como a estrutura do sonho, onde imagens se sobrepõem, fazendo com que as contradições sejam apresentadas em conjunto, tendo um caráter diferente na melodia e na harmonia. Última analogia é a condensação, i.e., um único motivo rítmico, harmônico e melódico pode expressar imagens e sentimentos complexos.  Experiência, Aprendizagem e Contexto: Valor fundamental da música em nossa cultura –  meio de criar e representar novas categorias de experiências não referenciais. Uma das funções primordiais é o impacto. “Devido à sua natureza ‘estética’ indefinida ou, às vezes, simplesmente à sua presença sonora, a experiência musical pode transcender o código cultural e verbalmente organizado, transformado em música. A natureza polissêmica da música nos força, algumas vezes, a nos abrirmos na direção de áreas não pesquisadas do corpo e da consciência. Esse conhecimento ampliado, combinado com pensamento e reflexão, pode nos ajudar a construir novas categorias, novos espelhos através dos quais iremos de encontro ao mundo. E se esse conhecimento ampliado inclui, não apenas aspectos da mente e do corpo, mas um novo conhecimento de nossa relação com a natureza assim como nosso lugar na comunidade social, cultural e universal, há uma esperança de que a experiência da música possa conduzir a mudanças pessoais” (p. 91)