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Bernardo Soares E O Livro Do Desassossego

Descrição: características de Bernardo Soares

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Bernardo Soares e o Livro do desassossego 2 Filme do desassossego, de João Botelho (2010, Ar de Filmes) — Bernardo Soares (Cláudio da Silva). 3 «Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida.» Bernardo Soares, Livro do desassossego. 4 BERNARDO SOARES «[…] não é um heterónimo, mas uma personalidade literária». Fernando Pessoa, «Carta a João Gaspar Simões», 28/07/1932. «[…] em muitas coisas parece[-se] com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, […]. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade. António Seco, Bernardo Soares (2005). A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual […].» Fernando Pessoa, «Carta a Adolfo Casais Monteiro», 13/01/1935. 5 BERNARDO SOARES Um semi-heterónimo Tem características semelhantes às do seu criador: — Trata os mesmos temas, mas sem o pendor racional e a carga afetiva; — O português da sua prosa é igual ao do Pessoa ortónimo. Vida Vive e trabalha em Lisboa, na Rua dos Douradores. Conhece bem a cidade, devido ao gosto pela deambulação. Tem a profissão de ajudante de guarda-livros. Relação com outros heterónimos É muito parecido com Álvaro de Campos. Temas presentes na sua obra — Cansaço; — Sonolência; — Devaneio; — Tédio. LIVRO DO DESASSOSSEGO Necessidade de equilíbrio e revisão «Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa que equilibrar e rever, […]». Fernando Pessoa, «Carta a João Gaspar Simões», 28/07/1932 Livro fragmentário «O meu estado de espírito obriga-me agora a trabalhar bastante, sem querer, no Livro do desassossego. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos.» Fernando Pessoa, «Carta a Armando-Côrtes Rodrigues», 19/11/1914. Juan Gris, O pequeno-almoço, colagem (1914). LIVRO DO DESASSOSSEGO Fragmento Livro formado por um conjunto de fragmentos, semelhantes a entradas de um diário 1. Pedaço de coisa quebrada. 2. Resto de coisa gasta, derretida ou queimada em  parte, etc. 3. Trecho, excerto. 4. Resto. O objeto — «livro» — que existe resulta do estudo dos críticos pessoanos, pois Pessoa não conferiu uma forma final à obra  As várias edições do Livro do desassossego resultam de interpretações diferentes sobre a forma como os fragmentos devem ser organizados 1982 — ano da 1.ª publicação da obra, organizada por Jacinto do Prado Coelho LIVRO DO DESASSOSSEGO — Composição • O Livro do desassossego (LD) não apresenta a unidade associada Livro fragmentário à ideia de «livro», pois consiste num conjunto de fragmentos. Os investigadores localizaram cerca de 500 trechos. • Pessoa projetou o LD desde os 25 anos. Em agosto de 1913, Composição foi publicado, na revista Águia, um texto que pertenceria ao LD, intitulado «Na floresta do alheamento». • A autoria dos fragmentos que constituem o LD é atribuída Autoria a Bernardo Soares, semi-heterónimo de Pessoa, cujo estilo e temas lembram a escrita do ortónimo e de Álvaro de Campos. Juan Gris, Fantômas (1915). LIVRO DO DESASSOSSEGO — Características temáticas (I) • Bernardo Soares vive e trabalha em Lisboa, que vai Deambulação descrevendo nos seus percursos deambulantes. • A deambulação, como acontece em Cesário, permite o registo de impressões, a partir do contacto sensorial com o real, e traduz um desejo de libertação interior. • O devaneio — a divagação, o sonho — é uma espécie Devaneio de deambulação mental e constitui um dos temas centrais do LD. • É também uma forma de evasão, permitindo uma fuga da existência quotidiana. LIVRO DO DESASSOSSEGO — Características temáticas (II) • No LD, o quotidiano surge associado à vida real, e esta é Quotidiano e vida real sempre perspetivada de forma negativa, devido aos projetos falhados, ao desaparecimento de qualquer esperança e à incapacidade de agir. • O quotidiano é sufocante e vazio. • A consciência de que não existem razões para ter esperança Tédio, inércia e melancolia e a certeza do abismo que separa a idealização e a realidade  justificam a postura inerte de Bernardo Soares. Segundo ele, não há razões para realizar esforços. • A única perspetiva que tem da vida é profundamente melancólica. • A falta de um sentido para a existência, a inação e a sensação de vazio provocam o tédio e o desassossego. LIVRO DO DESASSOSSEGO — Características temáticas (III) • Refugiado numa solidão que escolheu, Bernardo Soares vê O eu e os outros a ausência de sentido e não consegue ignorá-la, pois a sua consciência não lhe permite existir apenas. Porque é um ser pensante, julga-se numa posição superior relativamente aos que o rodeiam. A inconsciência dos outros seres é sinal de inferioridade. • O sonho surge como forma de sobreviver ao vazio da existência O sonho real. No entanto, Bernardo Soares não deixa de sucumbir à visão melancólica. No fundo, sofre devido à sua consciência, à sua tendência para a autoanálise. LIVRO DO DESASSOSSEGO — Características da prosa • Os trechos do LD são exemplos de prosa poética, pois a personagem Prosa poética responsável pelo discurso, Bernardo Soares, representa o seu mundo interior (sentimentos, sensações e emoções), fazendo-o num estilo em que o cuidado com a linguagem, com a palavra exata, se torna evidente. • A descrição do mundo físico é um pretexto para a representação das Transfigurar o real vivências interiores. O narrador-observador parte do registo das sensações mas transforma a realidade exterior numa descrição de estados de alma. Existe, portanto, uma transfiguração poética do real. • Os trechos do LD descrevem as vivências de um eu e as suas reflexões e Carácter diarístico devaneios, assemelhando-se a entradas de um diário, sem a dimensão factual: «Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida.»