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Bonhoeffer - Pastor, Mártir, Profeta, Espião - Eric Metaxas

historia

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  PRÓLOGO Londres, 27 de julho de 1945  De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas nãodestruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesustambém seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempreentregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nossocorpo mortal. De modo que em nós atua a morte; mas em vocês, a vida . 2Coríntios 4:8-12 A paz enfim retornara à Europa. Aquela face familiar — outrora contorcida eassustada — agora descansava mais uma vez, nobre e serena. Anos se passariamaté que se compreendesse tudo o que acontecera. Era como se, submetida a umterrível e prolongado exorcismo, lhe tivessem tirado até as últimas moedas. Masno derradeiro instante, expulsas sob gritos de protesto, as legiões de demôniosfinalmente se retiraram.A guerra acabara havia dois meses. O tirano dera cabo da própria vida em seutriste esconderijo sob uma destruída Berlim, e os Aliados proclamaram a vitória.Lentamente, os britânicos iniciavam os esforços para reconstruir sua vida. E,sinal de esperança, o verão chegou. Era o primeiro verão de paz em seis anos.Mas, como que para comprovar que aquilo tudo não tinha sido somente umsonho ou um pesadelo, existiam lembretes constantes do que havia acontecido. Eeram lembretes tão terríveis quanto qualquer outra coisa já ocorrida. Por vezes,ainda piores. Já no início do verão, veio à tona a medonha notícia: a realexistência dos campos de extermínio, onde os nazistas impuseram atrocidadesinsondáveis a suas vítimas, verdadeiros pedaços do inferno de um império de vidacurta.Tais rumores circularam durante toda a guerra, mas agora a realidade eraconfirmada por fotografias e filmagens, além do relato de soldados que libertaramos presos dos campos nos últimos dias do confronto, em abril. A dimensão doshorrores não era sequer imaginada, e para os britânicos, tão fatigados pela guerra,  era quase impossível absorvê-la. O ódio aos alemães se confirmava e sereconfirmava a cada novo e nauseante detalhe. As pessoas cambaleavam diantede tanta maldade.No começo da guerra, era possível separar os nazistas dos alemães, e sereconhecia que nem todos os alemães eram nazistas. À medida que o confrontoentre as duas nações avançava, e milhares de pais, filhos e irmãos ingleses erammortos, tornou-se mais difícil distinguir a diferença. E, afinal, a diferençadesapareceu por completo. Percebendo a necessidade de incentivar os esforços deguerra do exército britânico, o primeiro-ministro Winston Churchill “fundiu” osalemães e os nazistas num único e odiado inimigo, o melhor a se fazer paraderrotá-los de maneira rápida e acabar logo com o pesadelo incessante.Quando alguns alemães que planejavam derrubar Hitler entraram em contatocom Churchill e com o governo britânico, solicitando ajuda no combate aoinimigo em comum — esperando dizer a todos que eles, aprisionados dentro doReich, lamentavam tanto quanto o resto do mundo —, foram repelidos. Ninguémse interessou por suas propostas. Era tarde demais. Eles não poderiam terparticipado de tantos males e, quando se tornou conveniente, decidir lutarisoladamente pela paz. Em nome dos propósitos da guerra, Churchill manteve aficção de que não existiam alemães bons. Seria dito ainda que um alemão bomera um alemão morto. A falta de sutileza também fazia parte do que havia dedemoníaco na guerra.Mas agora a guerra havia terminado. E ainda que as indizíveis e absurdasmaldades do Terceiro Reich viessem à tona, era preciso analisar também o outrolado. Parte da restauração do pensamento de tempos de paz veio da habilidadeem ver novamente além do preto e branco da guerra, e voltar a discernir asnuances e os tons, as sombras e as cores.E então hoje, na Igreja da Santíssima Trindade, em Brompton Road, Londres,a realização daquele funeral parecia incompreensível para alguns. Para muitosoutros, especialmente aqueles que perderam seus entes queridos durante a guerra,era algo desagradável e até perturbador. A cerimônia fúnebre em solo britânico etransmitida pela BBC era uma homenagem a um alemão que morrera três mesesantes. A informação de seu falecimento reverberou tão lentamente para fora dosentulhos e da névoa da guerra que apenas há pouco tempo alguns de seus amigose familiares tomaram conhecimento do fato. A maioria deles ainda nada sabia arespeito. Mas ali, em Londres, reuniram-se os poucos que o conheciam.Nos bancos da igreja estavam a irmã gêmea do falecido, de 39 anos,acompanhada do marido meio judeu, e as duas filhas do casal. Eles tinham  abandonado a Alemanha antes da guerra, atravessando durante a noite a fronteiracom a Suíça em um avião. O falecido colaborou na organização do voo ilegal —uma de suas mais insignificantes renúncias à ortodoxia nacional-socialista — eajudou-os a se estabelecer em Londres, onde permaneceram.Entre seus amigos havia um número de pessoas proeminentes, incluindoGeorge Bell, o bispo de Chichester. Bell organizara o funeral, pois tinhaconhecido e amado aquele homem. O bispo o conhecera antes da guerra, quandoos dois se engajavam em esforços ecumênicos. Tentavam alertar a Europa contraos desígnios nazistas, resgatar judeus algum tempo depois e, finalmente,conseguir a atenção do governo britânico para as informações da resistênciaalemã.Do outro lado do canal da Mancha, além da França, atravessando a Alemanha,no distrito berlinense de Charlottenburg, numa casa de três andares naMarienburgerallee no 43, um casal idoso sentou-se próximo ao rádio. A esposadera à luz oito filhos, quatro meninos e quatro meninas. O segundo filho morrerana Primeira Guerra, e por um ano todo a jovem mãe permaneceria praticamenteimóvel. Vinte sete anos depois, uma segunda guerra lhe tomaria outros doisfilhos. O marido era o mais célebre psiquiatra da Alemanha. Ambos se opuserama Hitler desde o início e se orgulhavam dos filhos e genros que se envolveram naconspiração contra o líder nazista. Quando a guerra enfim terminou, porém,informações a respeito de seus dois filhos demoravam a chegar a Berlim. Um mêsatrás, eles finalmente souberam da morte do terceiro filho, Klaus. Mas sobre omais novo, Dietrich, nada se sabia. Alguém afirmava tê-lo visto vivo. Um vizinhodisse a eles que a BBC transmitiria no dia seguinte um funeral em memória de umalemão em Londres. Era dedicado a Dietrich.Na hora marcada, o velho casal ligou o rádio. Logo, anunciaram o funeral paraseu filho. Foi assim que ficaram sabendo de sua morte.Do mesmo modo que os dois velhinhos souberam pelo noticiário que o bomhomem que tiveram como filho estava agora morto, assim também muitosingleses souberam pelo noticiário que aquele homem morto era um alemão — eum alemão bom. Desse modo, o mundo começava novamente a se reconciliarconsigo.O homem que morreu estava comprometido e iria se casar. Ele era um pastore um teólogo. E foi executado por seu papel na conspiração para assassinarHitler.Esta é a sua história.