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  1 “ A CASA NOBRE NA REGIÃO DEMARCADA DO DOURO: PRIMEIRAS REFLEXÕES» Comunicação apresentada no VIII Encontro Nacional de Estudantes de História (7-10 março 2013) O trabalho que se apresenta, corresponde num primeiro momento, ao projeto elaborado e apresentado ao Concurso de Bolsas Individuais de Doutoramento 2012 da FCT. Para o qual me foi concedida uma Bolsa de Investigação, que permitirá desenvolver nas melhores condições o estudo em causa. Ele deriva em grande medida da revisão do Trabalho Final de Doutoramento em História da Arte  –   especialização História da Arte Moderna, que intitulámos «A Casa Nobre na Região Demarcada do Douro», e apresentámos publicamente no dia 8 de Novembro de 2012, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sob orientação do Prof. Doutor Carlos Moura. » Este trabalho é um Trabalho Final de Curso que consiste num projeto de investigação para a tese de doutoramento e a sua discussão em prova  pública, realizado sob orientação de um tutor, deverá ser entregue no fim do  semestre curricular (1.º ano). De facto, a presente comunicação sobre “ A Casa Nobre na Região Demarcada do Douro: primeiras reflexões», como o título indica, incide de facto sobre as primeiras reflexões e abordagens ao tema, decorrentes da construção do projeto. Assim, trataremos do modo que como nasceu o interesse por ele; o estado da arte, no que concerne à ausência e /ou existência de estudos bibliográficos que sustentam a necessidade desta investigação; a delineação de objetivos e metodologia; e, por último a consideração de alguns aspetos individualizantes que o tema parece revelar. ANTECEDENTES  O tema    proposto tem como ponto de partida a investigação académica anteriormente desenvolvida, nomeadamente durante a Licenciatura e no Mestrado. De facto, durante a conclusão do Mestrado pudemos verificar a existência de um conjunto de estudos, monografias e trabalhos académicos sobre a arquitetura civil doméstica que abrangiam grande parte do território nacional. Dessas publicações salientam-se as relativas ao Algarve, Lisboa, Porto, Viseu, Vila Real e Minho, confirmando o interesse dos  2 historiadores, historiadores de arte e arquitetos pela “Casa Nobre”. Persistia, porém, uma lacuna resultante da ausência de estudos sobre a Região Demarcada do Douro, espaço geográfico que conhecemos de há muito e onde sabíamos que existirem inúmeras casas nobres de grande interesse artístico e arquitetónico, construídas no  período moderno. Dada a inexistência de estudos e motivados pelo gosto e interesse  pelo tema, propomo-nos desenvolver uma exaustiva e aprofundada investigação sobre este património histórico e artístico. ESTADO DA ARTE Para a determinação do objeto e dos seus limites ou critérios geográficos e cronológicos, foi essencial a ponderação do “ Estado da Arte ”. Ou seja, uma primeira análise  bibliográfica que demonstra a inexistência de estudos sobre o tema, justificando a investigação agora proposta. O que se verificou foi que a arquitetura civil doméstica, em termos gerais, tem merecido ao longo dos tempos alguma atenção por parte dos historiadores, arquitetos e outros, srcinando leituras de carácter geral como de caracter específico, quando se centram em estudos de caso. Por um lado, salientam-se as  publicações com abordagens de carácter artístico e arquitetónico, havendo, por outro, as direcionadas para leituras históricas de carácter sociológico, destacando a genealogia dos proprietários. Em termos específicos, as publicações sobre este tema são escassas ou até mesmo ausentes, uma vez que este tema não foi objeto de qualquer tentativa de abordagem quanto aos seus aspetos mais significativos e que cruzasse todos os seus dados históricos, culturais e sociais. Em termos práticos, encontrou-se somente uma única publicação que parece ter tido o objetivo de inventariar todas as casas nobres da região, tal como agora nos propomos fazer, ainda que numa esfera mais alargada. Trata-se de Brasões e Casas Brasonadas do Douro   (1974), da autoria de José Correia de Azevedo, e na qual se encontra um amplo, ainda que incompleto, levantamento de brasões e casas brasonadas dos concelhos e freguesias do Douro, mas limitado às linhagens e genealogias dos respetivos proprietários, relegando para segundo plano a sua dimensão artística, por vezes inexistente na sua análise.  3 Recentemente surgiram diversos artigos, monografias e teses relacionadas com parte da região, orientadas para alguns dos concelhos e distritos do Douro, sem que se tenha ainda procedido ao cruzamento de todos os dados nos termos em que o tencionamos fazer. Por esse motivo, importa salientar que alguns dos estudos se revelam parciais e outros incompletos, sendo disso exemplo as: Casas Solarengas de Viseu    (1997)   de Anabela Ramos e Ivone Pedro; as   Casas Solarengas do distrito de Viseu: algumas palavras de apresentação (1998)   de Nelson Correia Borges e as   Casas e brasões de Resende ( 2007) de Joaquim Correia Duarte  –   limitadas ao mero inventário, salientando a importância da história social da casa.  Numa outra esfera, já virada para os aspetos arquitetónicos e decorativos refira-se os trabalhos de Augusto Moutinho Borges , entre eles, a dissertação de mestrado sobre As Casas Nobres históricas do Vale do Côa (…) (2003) e o artigo «Estudo da Casa Nobre no Vale do Côa» (2008) fruto daquele trabalho académico. Outro contributo é o de Filinto José Osório ,  Arquitectura doméstica erudita: solares de Entre-o-Côa e Távora (2006), focado no estudo das casas e solares de alguns dos concelhos da Região Demarcada do Douro. Ainda a referir, a tese de Mestrado em História da Arte de Inês da Conceição do Carmo Borges , dedicado ao   “ O Solar de Santana, Museu Municipal de Tondela e a  Arquitectura Senhorial da Região ”(2009), e que a abriu caminho ao projeto de doutoramento sobre “  A Arquitectura Senhorial: matriz da sociabilidade, do poder e da Cultura em Lamego ” que se encontra a desenvolver na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Apesar do contributo que estas publicações vieram trazer, com parte do inventário já elaborado em alguns dos concelhos da Região, muito ainda se encontra por fazer. Tornou-se notório que as algumas delas se ocupam sobretudo do mero inventário ou descrição das linhagens dos proprietários. Mas a casa nobre não pode ser equacionada como um mero objeto isolado, para esta ou aquela disciplina, pois obriga a uma   leitura interdisciplinar adequada à sua época, atendendo à sua geografia, urbanismo, arquitetura, arte e sociedade. TERMINOLOGIA    4 Antes de prosseguir, convirá, em primeiro lugar, aclarar o significado da expressão que designa o objeto de estudo - «Casa Nobre», atendendo ao período cronológico a que se reporta, isto é, a época moderna  –   séculos XVII a XVIII. Como é evidente, pretende-se estudar a habitação doméstica nobre, frequentemente designada também por, Casa ,  Solar, Paço(s) e  Palácio . Tomando como referência uma publicação da época, o dicionário de língua portuguesa, Vocabulário Portuguez e Latino , publicado por Raphael Bluteau entre 1712-1728, CASA tanto pode designar a habitação propriamente dita, como uma linhagem ou estirpe familiar, ou ainda o conjunto de bens que constituem o património dessa mesma família. Já o termo « SOLAR  », em Bluteau não aparece isolado, mas unido à condição de fidalgo. Esta definição, assente na raiz etimológica da palavra, «  solum »/solo, se por um lado, remete para o aspeto genealógico, aponta dum modo mais direto para o lugar que determinada família ocupa, sua sede e a sua área de influência. O termo Paço ou   Paaço  , derivado da palavra latina  palatiu , surge em Portugal a partir do século XIII como sinónimo da habitação, não apenas exclusiva do rei, mas também extensível à residência dos nobres. Na Idade Moderna, Paços   reveste-se de sentido  jurídico-politico, remetendo-nos para o local onde se realizam atos jurídicos e administrativos emanados do poder politico, local, ou central.  –     Paços do Concelho ou   Paços da Universidade  Já Palácio   é um termo raro na linguagem corrente da época moderna. Geralmente aplicado às residências régias, só muito raramente as grandes construções mereciam tal designação, vindo a substituir as formas antigas de paço. Tendo tomado a casa nobre como objeto de estudo, e atendendo à terminologia a ela envolvente, associamos ao conceito todas as residências dos morgados, no papel de representantes locais de uma nobreza de linhagem. Já quanto ao espaço geográfico relativo ao nosso objeto de estudo, a Região Demarcada do Douro, primeira região demarcada e regulamentada do mundo, localiza-se a norte de Portugal, na bacia hidrográfica do Rio Douro, entre Barqueiros e Bar  ca d’Alva.  5 Ccriada em 1756 por Alvará régio de Sebastião José de Carvalho e Melo, a Região abrange os concelhos dos distritos de Vila Real, Bragança, Guarda e Viseu, e encontra-se organizada nas seguintes áreas geográficas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. A «demarcação» foi criada por Alvará Régio de Sebastião José de Carvalho e Melo, na sua qualidade de primeiro-ministro de D. José I (1714-1777), fundador da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas e do Alto Douro, detentora do exclusivo da produção e distribuição dos vinhos da Região demarcada do Porto, limitando a preponderância dos ingleses no comércio dos vinhos. A «demarcação pombalina», nome pelo qual ficou conhecida, tinha à data uma área estimada de 40 000 hectares, passando em 1921, por Decreto n.º 7934, de 10 de Dezembro a ter cerca de 250 000 hectares, área que a Região mantém e cuja delimitação foi regulamentada recentemente pelo Decreto-Lei n.º173/2009 de 3 de Agosto.  Nesta região assistiu-se, ao longo do século XVII e sobretudo no século XVIII, a um incremento de edificações, bem como de reconstruções e melhorias em casas nobres, solares e palácios  já existentes, relacionadas com uma pequena nobreza que ali se instalara ou permanecia há décadas, beneficiando da produção vinícola e agrícola, bem como de riquezas vindas do exterior, particularmente do Brasil.  Numa primeira análise ao conjunto de casas nobres e solares que se reconstruíram ou edificaram, constata-se a existência de características comuns entre as edificações, que são fruto de um gosto da época, mas também, fruto da própria região.   Carlos de Azevedo, o autor do ainda indispensável, Solares portugueses , vê neste tipo de arquitetura o «verdadeiro espírito do barroco» edificado no nosso país, fazendo menção de algumas das suas características: desenvolvimento da casa num único pano, de que a casa comprida é o tipo mais recorrente, ainda que nem sempre caracterizada  pela regularidade da sua planta; presença de uma capela ou oratório para uso privado e familiar;   esforço arquitetónico e decorativo concentrado na fachada, pela decoração exuberante e às vezes até excessiva com o brasão da família ao centro, conchas, almofadas, volutas, cornucópias e panóplias nas varandas alpendradas, geralmente ao centro, e também nas janelas; em contraste com o exterior, o interior  é quase sempre de grande simplicidade.