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Equidade Só No Papel? Formas De Preconceito No Sistema único De Saúde E O Princípio De Equidade

Equidade só no papel? Formas de preconceito no Sistema Único de Saúde e o princípio de equidade

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  Revista Psicología para América Latina (2012), 23, 47-64 47 Equidade só no papel?Formas de preconceito no Sistema Único de Saúde e oprincípio de equidade Roberta Andrea de Oliveira 1   Alzira Sueli Gellacic Aline Santana ZerbinattiFátima Edmundo de SouzaJuliana Alves AragãoInstituto de SaúdeSão Paulo, BrasilResumoPráticas de preconceito ocorridas nos serviços de saúde geramgrande impacto na concretização da equidade dentro doSistema Único de Saúde (SUS). Neste sentido, o presenteestudo discute o princípio de equidade do SUS em relação aopreconceito, a partir de exemplos de situações de preconceitode profissionais da saúde para com usuários do sistema. Aexistência/persistência do preconceito no SUS, por parte dediferentes profissionais, principalmente na atenção à saúde demulheres negras, portadores de HIV/Aids, usuários de álcool edrogas e população idosa, representa a falha nos serviços e aconsequente dificuldade de concretização da equidade.Políticas públicas equitativas articuladas ao compromisso decidadania pautada no combate à desigualdade social e àconquista de direitos de justiça social, ética e moral,promotoras da dignidade humana só se tornam possíveis coma identificação e superação dos preconceitos e discriminações. Palavras-chave: preconceito, equidade em saúde, SistemaÚnico de Saúde.ResumenEl prejuicio que envuelve algunas prácticas ocurridas en losservicios de salud genera un gran impacto en el logro de laequidad en el Sistema único de Salud (SUS). El presenteestudio discute el principio de equidad del SUS en relación al 1   [email protected]    R. A. Oliveira, A. S. Gellacic, A. S. Zerbinatti, F. E. Souza & J. A. Aragão   48prejuicio, considerando ejemplos de situaciones que implicanprejuicios de profesionales de la salud hacia usuarios delsistema. La existencia/persistencia del prejuicio en el SUS por parte de diferentes profesionales, principalmente en la atencióna la salud de mujeres negras, de portadores de VIH/Sida, deusuarios de alcohol y drogas, y de la población de la terceraedad, representa un fracaso en los servicios y en elconsecuente logro de la equidad. Las políticas públicasequitativas que estén articuladas con el compromiso de laciudadanía, basadas a su vez en el combate a la desigualdadsocial y a la conquista de derechos de justicia social, ética ymoral, y promotoras de la dignidad humana, sólo son posiblescon la identificación y superación de los prejuicios y lasdiscriminaciones.Palabras clave: prejuicio, equidad en salud, Sistema Único deSalud. AbstractPractices of prejudice in the health services have a big impacton the achievement of equity in the Unified Health System(UHS). In this sense, this study discusses the principle of equityof the UHS in relation to discrimination, using examples of situations of prejudice from health professionals towards theusers of the system. The existence / persistence of prejudice inthe UHS, from several professionals, especially in health carefor black women, HIV/Aids patients, users of alcohol and drugsand the elderly represents a failure in the services and theconsequent difficulty in achieving the equity. Equitable publicpolicies articulated with the compromise with citizenship basedon the fight against social inequality and the achievement of rights of social justice, ethics and moral, promoting humandignity only become possible with the identification andovercoming of prejudice and discrimination.Key words:   prejudice, equity in Health, Unified Health System. Introdução   A equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde traduz o debateatual relativo á igualdade, prevista no texto legal, justificando a prioridade naoferta de ações e serviços às populações mais vulneráveis aos riscos deadoecer e morrer em decorrência da desigualdade na distribuição de renda,  Revista Psicología para América Latina (2012), 23, 47-64 49bens e serviços (Campos et al., 2006).Dessa forma, é incluído na lógica do Sistema Único de Saúde (SUS) oprincípio da discriminação positiva, buscando assegurar prioridade no acessoàs ações e serviços de saúde aos grupos excluídos, considerando asdesigualdades de condições decorrentes da organização social (Campos et al.,2006).Estas, por sua vez, se dão pela própria sociedade que na busca decritérios para atribuir papéis sociais, se vale de diferenças naturais como as desexo, raça, força, estatura, inteligência, fecundidade, entre outras,transformando-as em desigualdades sociais, que se transpõe para o âmbito dasaúde (Silva & Barros, 2002).Junto ao cenário da desigualdade social vem à tona a manifestação dopreconceito, que implica em inúmeras complicações, não somente ao alvo,mas também ao preconceituoso, opondo-se aos princípios do SUS, quedetermina o acesso à saúde como direito de todos, uma vez que impelem osindivíduos que sofrem preconceito a se privarem desse direito pelo própriomedo/receio de serem submetidos a situações que os exponham como inaceitáveis dentro dos moldes da sociedade padronizada como “ideal”.   Acaba-se por ferir, assim, principalmente, a equidade, uma vez que nãose reconhece a diferença do outro, mas sim a condena e exclui. Isto, na áreada saúde, além de transgredir questões éticas, fomenta constantes discussõespara abordar estratégias para a diminuição dessas práticas.Neste trabalho, abordaremos formas e práticas de preconceito ocorridasno acesso aos serviços de saúde e seu impacto na concretização da equidade.  R. A. Oliveira, A. S. Gellacic, A. S. Zerbinatti, F. E. Souza & J. A. Aragão   50 Objetivo Discutir o princípio de equidade do SUS em relação ao preconceito, apartir de exemplos de situações de preconceito de profissionais da saúde paracom usuários do sistema. Metodologia Trata-se de uma revisão retrospectiva de artigos científicos e outrosmateriais publicados a partir de 1996, cuja busca foi realizada em estudosindexados nas bases de dados na coleção Scientific Eletronic Library OnLine(SCIELO), Centro de Informação e Referência em Saúde Pública da Faculdadede Saúde Pública da USP (CIR), Biblioteca Padre Inocente Radrizzani e Núcleode Documentação e Informação do Instituto de Saúde. Para a localização dasobras foram utilizados os seguintes descritores: preconceito, equidade emsaúde, sistema único de saúde. Para refinar a busca a essas combinaçõesforam acrescidos outros termos pertinentes: preconceito, discriminação eacesso aos serviços de saúde. A partir da identificação dos títulos e resumos dos periódicos on-line, foirealizada a seleção dos materiais que preencheram os critérios para suainclusão, logo esses foram obtidos integralmente para leitura. Os critérios deinclusão foram: publicações disponíveis on-line, redigidas em português, noperíodo de 1996 a 2009 que tratavam do preconceito vivenciado por usuáriosdo SUS. Equidade, preconceito e alienação  O SUS, criado pela Constituição de 1988, dispõe sobre as condições paraa promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e ofuncionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências, atravésda lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Cujo atendimento aos cidadãos éassegurado pelos princípios de universalidade, integralidade e equidade.  Revista Psicología para América Latina (2012), 23, 47-64 51O princípio de equidade diz respeito à adaptação da regra para situaçõesespeciais, para que se torne mais justa e igualitária. É moldar a norma, paraque seja sensível às peculiaridades de cada situação, ou seja, populaçõesvulneráveis pelo processo de exclusão social e cultural a que foramsubmetidas, devem ter garantido o atendimento adequado à situação, a fim dese reduzir essa vulnerabilidade.O preconceito diz mais do preconceituoso do que do alvo do preconceito(Crochik, 1997), é um tipo de acontecer que pode desequilibrar a equidade. Deacordo com o autor, os estereótipos culturais são roupagens que revestem osobjetos, e como o indivíduo é produto da cultura, este se apropria destesestereótipos e os modifica de acordo com suas necessidades. A prática humana de julgar que nossa consciência sabe e pode tudo, faze pensa o que quer é determinada pelo inconsciente, e ignoramos estadeterminação (Chauí, 2001). Da mesma forma que na existência social, osseres humanos julgam saber o que é sociedade, atribuem a Deus ou aNatureza a sua criação, se colocando como instrumento dela, temos aalienação intelectual tripla em que:Primeiro, esquecem ou ignoram que suas ideias estão ligadas às opiniõese pontos de vista da classe a que pertencem... segundo esquecem ouignoram que as ideias são produzidas por eles para explicar a realidade epassam a crer que elas se encontram gravadas na própria realidade eque eles apenas as descobrem e descrevem sob forma de teoriasgerais... Terceiro, esquecendo ou ignorando a srcem social das ideias eseu próprio trabalho para criá-las, acreditam que as ideias existem em si epor si mesmas, criam a realidade e a controlam, dirigem e dominam... Asideias se tornam separadas de seus autores, externas a eles,transcendentes a eles: tornam-se um outro (Chauí, 2001, p. 173).