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“histoire Du Portugal Par Coeur – O Imaginário Segundo Almada Negreiros»

Essay on Almada Negreiros writings concerning the cultural and simbolical identity of Portugal in the beginning of the 20th century, namely in his metaphotic story "Histoire du Portugal par Coeur" (1919)

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  1  L’Histoire et le Portugal par cœur – l’imaginaire selon Almada Negreiros Maria de Fátima Lambert1. "Histoire du Portugal par Coeur" Os modernistas portugueses, no exílio cultural de Paris, tinham sofrido grossos revezescom a eclosão da 1ª guerra, fenómeno que se traduziu na neutralização quase completa das suaspresenças fora de Portugal. Almada permanecera em Lisboa e, curiosamente, só depois do finalda guerra procurou a Europa. A sua primeira estadia mais prolongada no estrangeiro ocorreu em1919: partiu para Paris, onde se viu obrigado a experimentar diferentes actividades paraprolongar a sua permanência por mais tempo. Foi então que Almada retomou, em termos algoingénuos e didácticos, a narração "para estrangeiro" da história de Portugal — como se acontasse a crianças; trazendo-a da sua memória oral, visual, como quem diz de cor (e coração)os contos da sua infância sobre a Pátria.A História de Portugal feita por Almada Negreiros buscou conteúdos, simultaneamentena História efectiva de Portugal e na rememorialização da sua história mítica, combinando-oscom as resoluções modernas, necessárias para a anulação das discrepâncias cronológicas dePortugal: A "Histoire" patenteia uma atitude reflexiva face ao país natal e ànação propriamente dita, atitude que combina, de modo bem srcinal,por um lado, personalismo e unanimismo no tocante à relação artista-colectividade, por outro, a articulação dos mitos e valores afectivos emcontraponto a uma razão recusada pelo seu cariz manifestamenteredutor. 1   Almada reelaborou a Nação, à luz da sua criatividade, trazendo-a para si — por via dasua imaginação — e sua descoberta para a humanidade, procurando a proximidade efabulada dopaís: "A Arte não vive sem a Pátria do artista, aprendi eu isto para sempre no estrangeiro. Asnossas pátrias eram diferentes. E escrevi nesses dias a minha muito querida "Histoire duPortugal par Coeur". 2  A História tinha de ser remitologizada porque ao longo dos séculos o povo já se tinhaencarregue de lhe acrescentar todos aqueles episódios que faltavam; já lhe tinha alterado averdade absoluta das realizações e os motivos vinham perdendo-se na lengalenga de medos easpirações desmedidas. Almada, então, uniu através da sua capacidade de reelaboração eparábola os factos, ligou-os às figuras que os haviam cumprido e enalteceu-lhes defeitos equalidades, pois pretendia, sobretudo, usar o passado para acordar no presente os portugueses.Restabeleceu "as figurações de um país e a trajectória de um povo subsumíveis na mesma 1 Celina Silva, "Mnémon: (Re)efabulando uma patria querida — leitura-relance sobre "Histoire duPortugal par coeur", Colóquio (Letras) , nº120, Março 1991, p.65 2 Almada Negreiros, "Modernismo", Textos de Intervenção , p.61.  2 entidade." 3 Retomou a ideia da fundação da nacionalidade, nesses tempos valorosos, em que osportugueses não fugiam do mundo, antes o tornavam possível. Instituiu a Pátria como umproduto dialéctico, processado segundo a factualidade evidencial e o dinamismo imaginário —pessoal e colectivo —, produto imagético carregado de vontade pessoal do artista. Nos temposmitificados da história, celebrada em configurações sucessivas, dinamizadas pelo misticismoinerente à sua prática poetizante, Almada situou o seu paradigma de pátria como paradigmairrecuperado: “Na História de Portugal, a primeira e a segunda dinastias são em todoo mundo um modelo exemplar da formação e funcionamento dacolectividade.” 4   Da revisitação dos mitos da nacionalidade se trata, pois, no texto de Almada "Histoiredu Portugal par Coeur" de 1919, temática desenvolvida, em termos plásticos, na década de 40,nomeadamente, nos murais a fresco das Gares Marítimas de Alcântara e da  Rocha Conde deÓbidos . Em ambos os casos privilegiou a consciencialização histórica da Pátria, através darecorrência de seus mitos e expressando, também, a colectividade em tipos esclarecedores davida quotidiana em Portugal. O tom épico que se aguardaria num desenvolvimento com taisobjectivos nacionalistas, foi subsumado num tom de tragicidade mítica, mas de mitificaçãopessoal, edificada na axiologia promotora do humano pessoal — quase lirismo, dominante nosseus paradigmas sobre o sentido impessoalizador de uma colectividade, urgindo a reinvenção.Do "Domingo Lisboeta" vinha a leveza da Maria que aparecia citada como modelo damulher portuguesa — em epígrafe de Apollinaire — com que qualquer se deveria casar,provando que certos protagonistas em Almada transcendem o tempo de duração da sua obra,desde os trabalhos de juventude até aos de maturidade — com paridade manifesta até àsvisualizações plásticas dos Painéis da Gare de Alcântara .A "Histoire du Portugal par Coeur" foi escrita com intenção directa de "ser espalhadapor todas as partes, sempre depois de julgada por todos os portugueses." 5 Almada não estipulavaexcepção, referiu-se "a todos os portugueses sejam eles quem forem" como agentes capacitadospara empreender o ajuizamento, o "julgamento" da sua versão própria da história — tarefaimputada pelo facto de serem portugueses; salvaguardou, ainda, a preferência, de que um tal julgamento fosse realizado por quem não usufruísse de uma "iniciação literária" formal, pois seencontraria em “maior privilégio” para o fazer: em estado de maior autenticidade.Almada, não só realizou o seu juízo e julgamento da história da nacionalidade, seusprotagonistas e agentes, como incentivou um juízo colectivo sobre esse julgamento. Escreveupara ser lido, atingindo a própria colectividade, cuja herança se discutia. Almada promoveu este 3 Celina Silva, "Mnémon: (Re)efabulando uma pátria querida — leitura-relance sobre "Histoire duPortugal par coeur", Colóquio (Letras) , nº120, Março 1991, p.65 4 Almada Negreiros, "Direcção Única", Ensaios , p.53 5 Almada Negreiros, “Histoire du Portugal par Coeur”, Poesia , p.109  3 trabalho, motivado pela urgência de "nova" assunção valorosa de portugueses no século XX,trabalho a confirmar a entrada no século da modernidade — é significativa a dedicatóriaposterior (para a publicação na Contemporânea em 1922) a Gago Coutinho e Sacadura Cabral,pela travessia do Oceano Atlântico em aeroplano, de costa a costa, em 1921.Almada recuperou o magnetismo — na descontinuidade da modernidade possível — doprotagonismo histórico, cuja condição levou à ascendência configuradora dos factos e figurasmíticos, motivada pelas grandes realizações que tinham condicionado o destino de Portugal.Analisando a História da nacionalidade, desde a Fundação, verificava-se que a grande maioriados feitos históricos respondeu, primeiro ao desejo de conquistar, depois à necessidade demanter, expandir ou salvar a posse do território — trabalhos necessários para legitimar perante omundo o espaço próprio de nação independente. No território, delimitado pelas conquistas,agitavam-se figuras irrevogáveis que, positiva ou negativamente, tinham realizado Portugal;trazendo até à modernidade o estigma ou a razão da sua independência; promovendo uma visãoalgo desmitificadora – recorrendo a uma abordagem ingénua que dinamiza as condições declarificação despersonalizadora e crítica dessas mesmas figuras. Todavia, não efectua esse"esvaziamento das figuras históricas" 6 com intuitos de desrealização centrada nos mitos, antesincorporando-lhes a mitificação necessária, adequada à sua vontade superadora da crise: dafragmentaridade dos seus episódios elaborou a totalidade unanimista da pátria escrita nacronologia das gerações heroicizantes: "Todos heróis na medida em que como humanos seafirmam: assim se indicia uma teoria do heroísmo de teor optimista visto a tónica incidir sobre aimaginação e a naturalidade." 7  1.1. Figuras históricas da Pátria:Almada ratificou figuras históricas positivas como: Viriato — O herói local que foi um dos vértices da futura nacionalidade, antecipou-se aJesus Cristo (morreu 140 anos antes), a Vercingetorix (morreu 46 anos antes) eArminius (que derrotou os romanos 9 anos depois de Cristo): "É interessante para osportugueses comparar estas datas e ver a idade do nosso herói srcinalincomparavelmente anterior ás dos outros heróis srcinais dos outros povos daEuropa." 8 Viriato foi uma espécie de Prometeu para a Europa, assim como o mito o foipara o mundo.  D. Afonso Henriques — "A colectividade portuguesa está feita de Afonso Henriquesaté hoje, agora faltam os portugueses, as pessoas portuguesas, as pessoas humanasportuguesas." 9   "Notre premier roi fut un géant. On dit que, de ce fait il fut Roi". 10   6 Celina Silva, "Como Mnemósina vence Cronos: as metamorfoses de Odysseus, o Herói",  Braccara Augusta , (separata), Braga, 1987, p.10 7 Idem, ibidem, p.11 8 Almada Negreiros, "Mística Colectiva", Ensaios , p.115 9 Almada Negreiros, "Portugal oferece-nos o aspecto de...", Ensaios, p.78 10 Almada Negreiros, "Histoire du Portugal par Coeur”, Op.cit. , p.116  4 D. Dinis — "expressão máxima do indivíduo da colectividade,(...), primeiro portuguêsque já pode começar a cuidar em conjunto das nossas coisas colectivas."("DirecçãoÚnica") D.João I — que se casou com uma bela inglesa — dado o consentimento do seu povo ,e deu srcem a uma geração de quatro grandes de Portugal: um santo, um rei, um heróie um sábio. D. Henrique — "Il choisit un endroit dans le midi du Portugal, tout contre la Mer —pour déchiffrer la Mer! C'est là l'endroit du Portugal le plus éloigné de Paris!" 11   A partirem que, sob seu desígnio e ordem, partiram para o mar os primeiros barcos, a Europacomeçou a ficar maior no mapa. Fernão de Magalhães — "Un autre portugais fait, le premier, le tour du monde, toutcomme l'oeil fait le rond de l'orange." 12 ; "...exemplo da iniciativa individual dado naHistória(...) apesar da sua não lealdade serve melhor na sua tradição os portugueses doque outros povos porque o seu feito foi "com verdade português"." 13   Vasco da Gama — "Cada indivíduo da nossa terra tem o seu lugar determinado nanossa colectividade. E um deles chamar-se-á Vasco da Gama." 14 ; "...ainda antes mesmode ter realmente chegado a este mundo, já estava destinado pelos interesses comuns dacolectividade portuguesa para vir a ser o maior marinheiro do mundo." 15   D. Pedro de Alfaroubeira – é convocado mediante a citação de Apollinaire, “LeDromadaire”, poema integrante de “Bestiaire ou Cortège d’Orphée”. 16  Almada trouxe da 1ª Dinastia a fundação da colectividade portuguesa, matriz dosprimeiros passos do indivíduo para se radicar na terra, para a possuir, tornando fixa naterra a sua própria colectividade. Foi a assunção da colectividade pela posse e ocupaçãonum território específico que lhe reconheceu a pertença e comunhão. A ideia doindivíduo que necessitava de estar ligado a um espaço geográfico concreto, comofornecedor da sua autonomia e identidade, repercutiu nas reflexões que atenderam aodimensionamento do mapa de Portugal, nomeadamente quando Almada se referiu àcolocação situacional de Portugal no mapa (político) da Europa.As implicações da relação necessária entre o indivíduo e a respectiva terra não eramabsolutamente nítidas quanto à sua delimitação: não era apenas uma questão física — desimples topografia, mas de uma concepção de territorialidade ideal, mas vivida ( vécue ) econsequentemente perdida, dependente das circunstâncias realizadoras do próprio indivíduo (esua unidade) e das efabulações mítico-históricas da nacionalidade: 11 Idem, ibidem, p.118 12 Idem, ibidem, p.119 13 Almada Negreiros, "Portugal oferece-nos o aspecto...", Op.cit. , p.78 14 Almada Negreiros, "Direcção Única", Ensaios , p.47 15 Idem, ibidem, p.53 16 “Avec ses quatre dromadaires/ Don Pedro d’Alfaroubeira/Courut le monde et l’admira./ Il fit ce que jevoudrais faire/ Si j’avais quatre dromadaires. » In  Alcools, Paris, Gallimard, 1978, p.154. “La célèbrerelation de voyage intitulée: “Historia del Infante D. Pedro de Portugal, en la que se refiere lo que lesucedio en el viaje que hizo cuando anduvo las siete partes del mundo, compuesto por Gomez deSantistevan, uno de los doce que llevo en su compania el infante”, rapporte que l’Infant de Portugal, donPedro d’Alfaroubeira, se mit en route avec douze compagnons pour visiter les sept parts du monde. Cesvoyageurs étaient montés en dromadaires, et après avoir passé en Espagne, ils allèrent en Norvège et, delá, à Babylone et en Terre-Sainte. Le prince Portugais visita encore les états de prêtre Jean et revint dansson pays au bout de trios ans et quatre mois.” Cf. p.176.  5 “A terra de cada indivíduo não está limitada pelas legítimas fronteirasfísicas e políticas do seu próprio território, é além disso um pedaçodeterminado de 1/5 parte do mundo inteiro.” 17   Nesse território se passara a cumprir a topografia de Portugal, albergando durante ostempos (mitificados) todas essas figuras que sintetizavam a grandiosidade possível (e perdida),preservada pelos antepassados, para as gerações vindouras virem a esquecer!1.2. Os mitos históricos fantasmáticos:O esquecimento, promotor da condescendência passiva da nacionalidade, era portadorde ambiguidade ajuizadora. As figuras do pessimismo redentor comportavam ausência, ironia,conhecimento e derrocada: D. Sebastião — o mais belo rei, o mais jovem rei que reuniu toda a juventude dePortugal, partindo para a grande vitória, perdeu-se e a Portugal: "Mais Dieu garda cette victoire, en attendant...en attendantdemain...Nous attendant, nous autres, les Portugais d'aujourd'hui!" 18  "O que El-rei nos disse a todos nós e para que nós o ouvíssemos deuma só vez para sempre foi:Rapazes! Façam como eu! Eu sou o Rei, eu dou o exemplo:dou a vida pela nossa Pátria!" 19   Uma outra variante desta mesma ideia quanto à projecção da vontade de D. Sebastião,como herança para as gerações do século XX fecha o artigo sobre o Modernismo: "— Portugueses, façam como eu! Eu sou o Rei! Eu dou o exemplo:dou a vida pela nossa ideia!" 20   "Vencidos da Vida" — "Antero de Quental, filósofo e poeta. Mouzinho deAlbuquerque, militar. Soares dos Reis, escultor. Três ofícios diferentes. Três caminhosinconfundíveis. Três indivíduos diversos e pertencentes a uma mesma colectividade.(...)Antero de Quental, filósofo e poeta, suicidou-se. Mouzinho de Albuquerque, militar,suicidou-se. Soares dos Reis, escultor, suicidou-se. Três suicídios? Não! Um único.Apenas o mesmo três vezes." 21 Todos os três se mataram porque lhes falhou acolectividade. A colectividade não soube procurá-los, não soube que os devia encontrar:falência da autoridade colectiva, incompetência dos indivíduos.1.3. A topografia mítica da História:Almada situa a topografia mítica de situação histórica, tornando os espaços quaseatópicos: Alcácer Quibir : facto inelutável, mesmo se não tivesse existido, tinha de ter sido, foianunciado logo em 1915, por via de efabulações da engomadeira perdida na sua pátriade dentro também: 17 Idem, ibidem, p.47 18 Almada Negreiros, "Histoire du Portugal par Coeur", Op.cit. , p.119 19 Almada Negreiros, "Modernismo", Op.cit. , p.54 20 Idem, ibidem, p.63 21 Almada Negreiros, "Arte e Artistas", Textos de Intervenção , p.86