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Spurgeon, Charles. Lições Aos Meus Alunos (vol. 1)

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LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS (Vol. 1) HOMILÉTICA E TEOLOGIA PASTORAL C. H. SPURGEON PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS Título original: Lectures To My Students Tradução do original por: Odayr Olivetti Primeira Edição em Português 1980 Contracapa: Quem já ouviu falar de Charles Haddon Spurgeon – conhecido como "o príncipe dos pregadores" – certamente ficou sabendo da sua graça, inteligência e sabedoria espirituais, e da grande influência que exerceu, não somente no seu próprio ministério, como também na vida e ministério de muitos outros pastores e obreiros cristãos. Como experiente servo de Deus ele foi uma luz que brilhou entre os seus contemporâneos. Neste livro nos o encontramos na melhor expressão do seu ensino pastoral. As lições constantes nos dez capítulos foram originalmente dirigidas aos seus alunos na Escola Bíblica que fundou para preparar pastores. Ninguém que se sente chamado para pregar a Palavra de Deus pode dar-se ao luxo de negligenciar a leitura de uma obra tão reconhecida e marcante que trata do assunto da pregação. Se quisermos um indício do sucesso deste grande servo de Deus então nada melhor poderemos fazer que estudar esta obra! Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 2 ÍNDICE 1. O Espírito Santo em Relação com o Nosso Ministério.......3 2. Necessidade de Progresso Ministerial.............................32 3. Necessidade de Decisão pela Verdade............................53 4. Pregação ao Ar Livre: Esboço de Sua História................72 5. Pregação ao Ar Livre: Notas Adicionais...........................98 6. Postura, Atitude, Gestos Etc...........................................123 7. Postura, Atitude, Gestos Etc. (Segunda Preleção).........146 8. Fervor: Sua Deformação e Sua Preservação.................169 9. Cego de um Olho e Surdo de um Ouvido.......................193 10. Conversão como o Nosso Objetivo................................214 Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 3 O ESPÍRITO SANTO EM RELAÇÃO COM O NOSSO MINISTÉRIO Escolhi um tópico sobre o qual seria difícil dizer algo que já não tenha sido dito antes muitas vezes. Mas, como o tema é da mais alta importância, é bom deter-nos nele com freqüência, e ainda que só exponhamos velhas coisas e nada mais, talvez seja sábio fazer-vos lembrar-se delas. Nosso é: O Espírito Santo em Relação com o Nosso Ministério, ou – a obra do Espírito Santo concernente a nós como ministros do evangelho de Jesus Cristo. "CREIO NO ESPÍRITO SANTO." Tendo pronunciado esta frase como conteúdo do credo, espero que possamos repeti-la também como um solilóquio devoto impulsionado por nossa experiência pessoal aos nossos lábios. Para nós, a presença e a obra do Espírito Santo constituem a base da nossa confiança quanto à sabedoria e ao elemento de esperança da obra da nossa vida. Se não crêssemos no Espírito Santo, teríamos renunciado ao nosso ministério muito antes, pois, "quem é suficiente para estas coisas?" Nossa esperança de sucesso e nossa força para a continuidade do serviço jazem em nossa crença em que o Espírito do Senhor repousa sobre nós. Por ora dou por certo que todos nós estamos cônscios da existência do Espírito Santo. Dissemos que cremos nEle. Na verdade avançamos além da fé, nesta questão, e penetramos na região da consciência. Houve tempo em que a maioria de nos cria na existência dos nossos amigos presentes, pois tínhamos ouvido falar deles com os nossos ouvidos, mas agora nós vemos uns aos outros, trocamos apertos de mão fraternais e experimentamos a influência do companheirismo agradável, e portanto agora não é tanto que cremos, como conhecemos. Igualmente experimentamos o Espírito de Deus operando em nossos corações, temos conhecido e percebido o poder que Ele exerce sobre os espíritos humanos, e O conhecemos por contato pessoal, freqüente e consciente. Pela sensibilidade do nosso espírito tomamos consciência da presença do Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 4 Espírito de Deus, do mesmo modo como tomamos consciência da existência das almas dos nossos semelhantes por sua ação sobre as nossas almas, assim como estamos certos da existência da matéria pela sua ação sobre os nossos sentidos. Fomos elevados da obscura esfera daquilo que é apenas mente e matéria às fulgurâncias celestiais do mundo espiritual. Agora, como homens espirituais, discernimos as coisas espirituais, sentimos as forças superiores dos domínios do espírito, e sabemos que há um Espírito Santo, pois O sentimos operar em nossos espíritos. Não fosse assim, certamente não teríamos direito de estar no ministério da igreja de Cristo. Deveríamos permanecer até como membros da igreja? Mas, irmãos, fomos vivificados espiritualmente. Temos definida consciência de uma vida nova, com tudo o que dela resulta; somos novas criaturas em Cristo Jesus e vivemos num mundo novo. Fomos iluminados e capacitados a contemplar coisas que os olhos não vêem. Fomos guiados para a verdade de tal natureza que a carne e o sangue jamais poderiam ter revelado. Temos sido consolados pelo Espírito. Muitíssimas vezes o Santo Parácleto nos tem levantado dos abismos da tristeza às alturas da alegria. Em certa medida, também fomos santificados por Ele; e estamos cônscios de que a santificação vai sendo operada em nós por diferentes formas e meios. Portanto, dadas estas experiências pessoais todas, sabemos que o Espírito Santo existe, com a mesma certeza de que nos mesmos existimos. Sinto-me tentado a demorar-me aqui, pois este ponto merece maior consideração. Os descrentes pedem fatos. A velha doutrina comercial de Gradgrind entrou na religião, e o cético brada: "O que quero são fatos!" Estes são os nossos fatos: Não nos esqueçamos de usá-los. Um cético me desafia com esta observação: "Não posso fixar minha fé num livro ou numa história. Quero ver fatos reais." Minha resposta é: "Você não os pode ver porque os seus olhos estão vendados. Mas os fatos estão aí, nem mais nem menos. Aqueles dentre nos que têm olhos vêem coisas maravilhosas, embora você não as veja." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 5 Se ele ridiculariza a minha afirmação, não fico espantado nem um pouco. Já o esperava. Ficaria espantado, e muito, se não o fizesse. Mas exijo respeito por minha posição como testemunha de fatos, e dirijo ao meu oponente a pergunta: "Que direito tem você de recusar a minha prova? Se eu fosse cego, e você me dissesse que possui uma faculdade chamada visão, eu seria irracional se o ofendesse chamando-lhe otimista convencido. Tudo que você tem direito de dizer é que nada sabe sobre isto mas não está autorizado a chamar-nos de mentirosos ou bobos. Você pode juntar-se aos ofensores do passado e declarar que o homem espiritual é louco, mas isso não desfaz as afirmações deste." Irmãos, para mim, os fatos produzidos pelo Espírito de Deus demonstram a veracidade da religião cristã com a mesma clareza com que a destruição de Faraó no Mar Vermelho, ou o maná caído no deserto, ou a água saltando da rocha ferida, podiam provar a Israel a presença de Deus no meio das suas tribos. Chegamos agora ao cerne do nosso assunto. Para nós, ministros, o Espírito Santo é absolutamente essencial. Sem Ele o nosso oficio não passa de um nome. Não nos arrogamos sacerdócio além e acima daquele que pertence a todos os filhos de Deus. Mas somos sucessores daqueles que, nos velhos tempos, foram movidos por Deus a proclamar a Sua Palavra, a dar testemunho contra as transgressões e a dirigir a Sua causa. A menos que o espírito dos profetas esteja repousando sobre nós, o manto que usamos não passa de um traje tosco e enganoso. Como objetos dignos de aversão, devíamos ser expulsos da sociedade dos sinceros por ousarmos falar em nome do Senhor – se é que o Espírito de Deus não repousa sobre nós. Cremos que somos arautos de Jesus Cristo, designados para continuar o Seu testemunho na terra. Mas, sobre Ele e sobre o Seu testemunho sempre repousou o Espírito de Deus, e se Este não repousa sobre nós, é evidente que não somos enviados ao mundo como Cristo foi. No dia de Pentecoste, o início da grande obra de converter o mundo foi com línguas flamejantes e com um forte e impetuoso vento, símbolos da presença do Espírito. Portanto, se Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 6 pretendemos ter bom êxito sem o Espírito, não estamos seguindo a norma pentecostal. Se não temos o Espírito que Jesus prometeu, não podemos cumprir a comissão que Jesus deu. Não seria preciso advertir algum irmão aqui sobre a ilusão de que podemos ter o Espírito de Deus no sentido de sermos inspirados. Contudo, os membros de certa seita litigiosa moderna precisam ser advertidos sobre essa loucura. Defendem a idéia de que as suas reuniões são realizadas sob "a presidência do Espírito Santo" – noção sobre a qual só posso dizer que fui incapaz de descobrir na Escritura Sagrada tanto a expressão como a idéia. Encontro, sim, no Novo Testamento, um grupo de coríntios notavelmente dotados, que gostavam de falar e dados a lutas partidárias – verdadeiros representantes daqueles a quem me referi. Mas, como Paulo disse deles, "Dou graças porque a nenhum de vós batizei", também dou graças ao Senhor que poucos daquela escola alguma vez se acharam em nosso meio. Poderia parecer que as suas assembléias possuem um dom peculiar de inspiração, não chegando inteiramente à infalibilidade, mas aproximando-se bem dela. Se vocês se meteram nessas reuniões, pergunto enfaticamente se foram mais edificados pelas preleções produzidas sob a presidência celestial, do que pelas preleções de comuns pregadores da Palavra. Estes se consideram sob a influência do Espírito Santo somente como um espírito está sob a influência de outro espírito, ou como uma mente sob a influência de outra. Não somos passivos transmissores de infalibilidade. Somos sinceros instruidores de coisas que aprendemos, na medida em que as pudemos captar. Como as nossas mentes são ativas e têm existência pessoal enquanto o Espírito age sobre elas, transparecem as nossas fraquezas bem como a Sua sabedoria. E enquanto revelamos aquilo que Ele nos fez saber, somos grandemente humilhados pelo temor de que a nossa ignorância e os nossos erros se manifestem em certo grau ao mesmo tempo, porque não nos sujeitamos mais perfeitamente ao poder divino. Não desconfio que vocês se extraviem na direção a que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 7 aludi. Certamente não é provável que os resultados de experiências anteriores induzam sábios a essa loucura. Eis nossa primeira pergunta: Onde havemos de buscar o auxilio do Espírito Santo? Quando tivermos falado sobre este ponto, consideraremos mui solenemente um segundo: Como podemos perder essa assistência? Oremos no sentido de que, pela bênção de Deus, a consideração deste ponto nos ajude a retê-la. Onde havemos de buscar o auxílio do Espírito Santo? Devo responder: por sete ou oito meios, 1. Primeiro, Ele é o Espírito de conhecimento. "Ele vos guiará a toda a verdade." Nisto, precisamos do Seu ensino. Temos urgente necessidade de estudar, pois o mestre de outros precisa instruir-se. Subir ao púlpito normalmente despreparado é presunção imperdoável. Nada poderá rebaixar-nos mais efetivamente, e ao nosso oficio. Depois de um discurso que o bispo de Lichfield fez em visita oficial, discurso sobre a necessidade de zeloso estudo da Palavra, certo clérigo disse à sua reverendíssima que não podia crer em sua doutrina, "pois", disse ele, "muitas vezes, quando estou no gabinete pastoral, pronto para pregar, não sei sobre o que vou falar, mas vou para o púlpito, prego, e não penso em nada disso." O bispo respondeu : "E você está certo em não pensar nada disso, pois os oficiais da igreja me disseram que partilham da sua opinião." Se não somos instruídos, como podemos instruir outros? Se não nos dedicamos a pensar, como podemos levar outros a pensar? É em nosso labor de estudar, nesse bendito trabalho em que estamos a sós com o Livro diante de nós, que precisamos da ajuda do Espírito Santo. Com Ele está a chave do tesouro celeste, e pode enriquecer-nos além da nossa imaginação. Com Ele está o guia da doutrina mais labiríntica, e pode conduzir-nos no caminho da verdade. Pode romper os portais de bronze e picar em pedaços as barras de ferro, e dar-nos os tesouros das trevas e as riquezas ocultas dos lugares secretos. Se vocês estudarem os originais, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 8 consultarem comentários e meditarem profundamente, mas deixarem de clamar vigorosamente ao Espírito de Deus, o seu estudo não lhes trará proveito. Entretanto, ainda que lhes seja vedado o emprego daqueles recursos (o que confio não lhes suceda), se esperarem do Espírito Santo em simples dependência do Seu ensino, aprenderão muito da intenção divina. O Espírito de Deus nos é peculiarmente precioso, porque de modo muito especial Ele nos instrui sobre a pessoa e a obra de nosso Senhor Jesus Cristo; e este é o ponto principal da nossa pregação. Ele toma coisas de Cristo e no-las mostra. Se tomasse coisas de doutrina ou preceito, ficaríamos contentes por essa bondosa assistência. Mas, visto que se deleita especialmente nas coisas de Cristo, e focaliza a Sua sagrada luz na cruz, regozijamo-nos ao ver o centro do nosso testemunho iluminado tão divinamente, e nos asseguramos de que a luz se difundirá sobre todo o restante do nosso ministério. Busquemos ao Espírito de Deus com este brado: "Ó Espírito Santo, revela-nos o Filho de Deus, e assim mostra-nos o Pai." Como Espírito de conhecimento, não só nos instrui quanto ao evangelho, mas também nos leva a ver o Senhor em todas as outras coisas. Não devemos fechar os nossos olhos para Deus na natureza, ou na história geral, ou nas ocorrências providenciais diárias, ou em nossa experiência pessoal. E em todas estas coisas, o nosso Intérprete da mente de Deus é o bendito Espírito. Se clamamos: "Ensina-me o que queres que faça"; ou, "mostra-me o motivo pelo qual contendes comigo"; ou, "dizeme qual é a Tua intenção nesta rica previdência de misericórdia"; ou, "revela-me o Teu propósito naquela outra dispensarão mista de juízo e graça" – seremos bem instruídos em cada caso. Pois o Espírito é o candeeiro de sete braços do santuário, e pela Sua luz todas as coisas podem ser vistas corretamente. Como Goodwin observa bem : "É preciso haver luz acompanhando a verdade, se temos de conhecê-la. Prova-nos isto a experiência de todos os homens envoltos na graça de Deus. Qual a razão por que vocês vêem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 9 algumas coisas num capítulo numa ocasião, e não em outra; alguma porção da graça em seus corações numa ocasião, e não em outra; têm um vislumbre das realidades espirituais numa ocasião, e não em outra? Os olhos são os mesmos, mas é o Espírito Santo que abre e fecha esta lanterna de furta-fogo, como eu poderia chamar-lhe. Conforme Ele a abre mais, ou a aperta, ou a fecha, estreitando-a, temos maior ou menor visão. E às vezes Ele a fecha totalmente, e então a alma fica na escuridão, embora seus olhos nunca tenham estado tão bons." Amados irmãos, Não deixem de ira Ele em busca desta luz, ou ficarão nas trevas e serão guias cegos de cegos. 2. Em segundo lugar, o Espírito é chamado Espírito de sabedoria, e precisamos enormemente dEle nesta capacidade. Sim, pois o conhecimento pode ser perigoso, se não for acompanhado pela sabedoria, que é a arte de usar acertadamente o que conhecemos. Manejar bem a Palavra de Deus é tão importante como compreendê-la plenamente. Alguns que evidentemente compreenderam uma parte do evangelho, deram indevida proeminência a essa porção isolada e, portanto, exibiram um cristianismo deformado, para prejuízo daqueles que o receberam, visto que, em conseqüência disso, exibiram por sua vez um caráter deformado. O nariz é um trapo proeminente do rosto do homem. É possível, porém, fazê-lo tão grande que os olhos, a boca e tudo mais sejam lançados à insignificância. Um desenho assim é caricatura, não retrato. Do mesmo modo, certas doutrinas importantes do evangelho podem ser proclamadas com tal excesso que se lança o restante da verdade à sombra, e a pregação já não é o evangelho em sua beleza natural, mas uma caricatura do evangelho. Contudo, deixem-me dizê-lo, algumas pessoas parecem fortemente apegadas a essa caricatura. O Espírito de Deus lhes ensinará o emprego da faca sacrificial para dividir as ofertas. E lhes mostrará como usar as balanças do santuário, para pesarem e misturarem as preciosas especiarias em quantidades certas. Todo pregador experimentado sente que esse é o momento Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 10 supremo, e bom será que seja capaz de resistir à tentação de negligenciálo. Que lástima, alguns dos nossos ouvintes não desejam ouvir todo o conselho de Deus! Têm as suas doutrinas favoritas e gostariam de fazernos calar em tudo mais. Muitos são como a escocesa que, depois de ouvir um sermão, disse: "Estaria muito bem, se não fosse aquela droga de deveres no fim." Há irmãos dessa espécie. Desfrutam da parte consoladora – as promessas e as doutrinas – mas só de leve se deve tocar na santidade prática. A fidelidade requer que entreguemos o evangelho sob todos os ângulos, sem omitir nada e sem exagerar em nada. Para isto requer-se muita sabedoria. Com seriedade indago se algum de nós tem o tanto desta sabedoria que necessitamos. Provavelmente somos afligidos por algumas parcialidades inescusáveis e inclinações injustificáveis. Ponhamo-las para fora e acabemos com elas. Talvez tenhamos consciência de que passamos por alto certos textos, não porque não o compreendemos (o que poderia justificar-se), mas porque os compreendemos e raramente gostamos de dizer o que eles nos ensinaram, ou porque talvez haja alguma imperfeição em nós, ou algum preconceito entre os nossos ouvintes que aqueles textos revelariam de modo demasiado claro para que nos sentíssemos bem. Esse silêncio pecaminoso tem que ser eliminado imediatamente. Para sermos sábios mordomos e repartirmos as porções certas de alimento para os membros da casa do divino Senhor, precisamos do Teu ensino, ó Espírito de Deus! Tampouco isso é tudo, pois mesmo que saibamos manejar bem a Palavra de Deus, carecemos de sabedoria para a seleção da porção particular da verdade que é mais aplicável à ocasião e às pessoas reunidas. Como também de igual descrição no tom e na maneira de apresentar a doutrina. Creio de muitos irmãos que pregam sobre a responsabilidade humana, lançam-se de modo tão legalista que causam desgosto a todos os que amam as doutrinas da graça. Por outro lado, receio que muitos pregam a soberania de Deus de modo tal que afastam inteiramente da ala calvinista todas as pessoas que crêem na livre ação Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 11 do homem. Não devemos ocultar a verdade por um momento sequer, mas devemos ter sabedoria para pregá-la sem que haja choque ou ofensa, e, sim, um esclarecimento gradativo daqueles que não conseguem vê-la de todo, e um processo pelo qual se conduzam os irmãos mais fracos ao pleno círculo da doutrina do evangelho. Irmãos, precisamos de sabedoria também no modo de colocar as coisas para diferentes pessoas. Pode-se demolir um ser humano com a mesma verdade destinada a edificá-lo. Pode-se causar enjôo a alguém com o mel com que se pretendia adoçar-lhe a boca. Tem-se pregado a grande misericórdia de Deus sem cuidado, o que tem levado centenas á licenciosidade. Por outro lado, tem-se ocasionalmente apregoado a terribilidade do Senhor com violência tão fulminante que tem levado muitos ao desespero, e daí a um decidido desafio ao Altíssimo. A sabedoria é proveitosa para dirigir, e aquele que a tem expõe a verdade na ocasião certa e trajada com as suas vestes mais apropriadas. Quem pode dar-nos esta sabedoria, senão o bendito Espírito de Deus? Irmãos, vejam que, com a mais humilde reverência, esperem a Sua direção. 3. Terceiro, precisamos do Espírito de outra maneira, a saber, como a brasa viva tirada do altar, tocando os nossos lábios. Assim, quando temos conhecimento e sabedoria para escolher a porção certa da verdade, podemos desfrutar liberdade de expressão quando vamos entregá-la. "Eis que ela tocou os teus lábios." Quão gloriosamente fala o homem quando os seus lábios estão empolados pela brasa viva do altar – sentindo o poder de fogo da verdade, não apenas no recôndito da alma, mas nos próprios lábios com os quais está falando! Reparem nessas ocasiões como estremece a sua fala. Não notaram agora mesmo, na reunião de oração, em dois dos irmãos que elevaram súplicas, como era trêmulo o tom da sua voz, e como tremiam as estruturas dos seus corpos? Porque não somente os seus corações foram tocados, como espero tenham sido todos os nossos corações, mas os seus lábios foram tocados, e esse toque influiu em seu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 12 falar, irmãos, precisamos do Espírito de Deus para abrir as nossas bocas, para podermos proclamar os louvores do Senhor, ou então não falaremos com poder. Necessitamos da influência divina para impedir que digamos muitas coisas que, caso saíssem de fato das nossas 1ínguas, estragariam a nossa mensagem. Aqueles dentre nós que têm o perigoso talento para o humorismo, às vezes precisam parar, pegar a palavra ao sair da boca, olhar bem para ela, e ver se presta bem para a edificação. E aqueles cujo viver anterior os conduziu entre os grosseiros e rudes, precisam vigiar com olhos de lince a falta de delicadeza. Longe de nós, irmãos, dizer uma sílaba que sugira um pensamento impuro ou que desperte uma lembrança duvidosa. Precisamos do Espírito de Deus para pôr freio e cabresto em nós para impedir que falemos coisas que levem a mente dos ouvintes para longe de Cristo e das realidades eternas, fazendo-os pensar em coisas vis da terra. Irmãos, também precisamos do Espírito Santo para nos impulsionar, em nossa tarefa de comunicar a Palavra. Não duvido que vocês estejam todos conscientes dos diferentes estados mentais que ocorrem na pregação. Alguns desses estados decorrem das diferentes condições físicas. Um resfriado não só tira a clareza da voz, mas também congela o fluxo dos pensamentos. Da minha parte, se eu não posso falar com clareza, também fico incapaz de pensar com clareza, e o conteúdo a transmitir fica rouco também, como a voz. Igualmente o estômago e todos os órgãos do corpo afetam a mente. Mas não me refiro a essas coisas. Terão vocês consciência das alterações completamente independentes do corpo? Quando estão robustos, não se sentem um dia pesados como os carros de Faraó com as rodas retiradas, e noutra ocasião com tanta liberdade como "uma corça deixada solta"? Hoje o ramo brilha com o orvalho, ontem foi crestado pela seca. Quem não sabe que o Espírito de Deus está nisso tudo? Às vezes o Espírito divino age em nós de molde a livrar-nos completamente de nós mesmos. Em tais ocasiões, do começo ao fim do Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 13 sermão podíamos dizer: "Se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe". Tudo foi esquecido, menos certo absorvente assunto em mãos. Se me fosse proibido entrar no Céu, mas me fosse dado escolher a condição em que passarei a eternidade, escolheria aquela em que às vezes me sinto quando prego o evangelho. Nesse estado prefigura-se o Céu: a mente cerrada para todas as influências perturbadoras, adorando o majestoso Deus, com plena consciência de Sua presença, todas as faculdades elevadas e jubilosamente cheias de vigor no máximo de sua capacidade, todos os pensamentos e poderes da alma alegremente ocupados em contemplar a glória do Senhor e exaltando com as multidões atentas o Bem-amado da nossa alma; e durante todo esse intervalo, a mais pura benevolência concebível para com as demais criaturas a incentivar o coração a pleitear com elas em prol do nome de Deus – que estado mental pode rivalizar-se com este? Pena é que alcançamos este ideal, porém, sem o podermos manter sempre, pois também sabemos o que é pregar em cadeias ou dar murros no ar. Não podemos atribuir santas e felizes mudanças ocorridas em nosso ministério a nada menos que a ação do Espírito Santo em nossas almas. Estou certo de que o Espírito Santo realiza esta obra. Vezes sem conta, quando me assaltam dúvidas sugeridas pelo infiel, posso arremessá-las aos ares com total desdém, porque tenho definida consciência de um poder que opera em mim quando falo em nome do Senhor, poder que transcende infinitamente a qualquer capacidade ou eloqüência pessoal, e que sobrepuja em muito qualquer energia derivada do entusiasmo que sinto quando faço uma preleção secular ou um discurso. Aquele poder é tão diferente deste, que tenho toda a certeza de que não é da mesma ordem ou classe do entusiasmo dos políticos ou do ardor da oratória pura e simples. Oxalá experimentemos com muita freqüência a energia divina, e falemos com poder. 4. Mas então, em quarto lugar, o Espírito de Deus age também como óleo que unge e isto se relaciona com todo o trabalho da pregação Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 14 – não simplesmente com a alocução oral, mas com toda a transmissão do discurso. Ele pode fazê-los sensíveis ao assunto, até ao ponto de ficarem dominados por ele, quer achatados na terra, quer elevados às alturas como em asas de águias. Acresce que, além do assunto, Ele os faz sensíveis ao seu objeto, até anelarem pela conversão dos homens e pelo despertamento dos cristãos, para que se elevem a algo mais nobre do que tudo que já conhecem. Ao mesmo tempo, outro sentimento estará com vocês, a saber, um intenso desejo de que Deus seja glorificado mediante a verdade que estão proclamando. Vocês ficam conscientes de um profundo e compassivo interesse pelas pessoas a que estão falando, lamentando que alguns saibam pouco, e que outros saibam muito e, contudo, o recusam. Vocês fitam alguns semblantes e, em silêncio, o seu coração lhes diz: "Ali caí orvalho", e, voltando-se para outros, com tristeza percebem que são como as partes áridas da montanha de Gilboa. Tudo isto se dá durante o sermão. Não podemos contar quantos pensamentos passam pela mente de uma vez. Uma vez contei oito grupos de pensamentos que ocupavam o meu cérebro simuitaneamente, ou ao menos dentro do espaço do mesmo segundo. Estava pregando o evangelho com todas as minhas forças, mas não pude deixar de sensibilizar-me por uma senhora que estava evidentemente prestes a desmaiar, e também fiquei procurando o irmão encarregado das janelas, para que nos desse mais ar. Estava pensando na ilustração que omitira na primeira divisão, procurando dar forma à segunda divisão, perguntandome se este sentira o peso da minha reputação, se aquele se fortalecera com a observação consoladora, e ao mesmo tempo estava louvando a Deus por desfrutar eu pessoalmente da verdade que estava proclamando. Alguns intérpretes consideram os querubins de quatro rostos como emblemas dos ministros. Eu certamente não vejo dificuldade na forma quádrupla, pois o Espírito Santo pode multiplicar os nossos estados mentais, e fazer de nós homens muito superiores além do que somos por natureza. O quanto pode Ele fazer de nós, e quão grandiosamente pode Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 15 elevar-nos, não ouso conjeturar. Certamente Ele pode fazer muitíssimo acima do que pedimos ou pensamos. Especialmente faz parte da obra do Espírito Santo manter em nós uma disposição devocional enquanto estamos entregando a mensagem. Esta é uma condição que se deve ambicionar grandemente – continuar a orar enquanto estamos ocupados com a prédica; cumprir os mandamentos do Senhor, dando ouvidos à voz da Sua Palavra; manter os olhos postos no trono, e as asas em constante movimento. Espero que saibamos o que isto significa. Estou certo de que sabemos o seu oposto, ou de que logo o experimentaremos, isto é, o mal de pregar sem espírito de devoção. Que pode ser pior do que falar sob a influência de um espírito arrogante ou irritado? Que é mais debilitante do que pregar num espírito incrédulo? Por outro lado, que bênção arder fervorosamente enquanto brilhamos diante dos olhos de outros! Esta é a obra do Espírito de Deus. Adorável Consolador, opera em nós! Em nossos púlpitos precisamos unir o espírito de dependência com o de devoção, de modo que, durante a pregação toda, desde a primeira palavra até a última sílaba, olhemos ao alto para o Forte em busca de força. É bom lembrar que, embora tivessem chegado até o presente ponto, se o Espírito Santo os deixasse, fariam papel de tolos antes de acabar o sermão. Elevando os olhos para os montes de onde vem o socorro durante o sermão inteiro, com absoluta dependência de Deus, vocês pregarão com espírito de bravia confiança o tempo todo. Talvez eu esteja errado ao dizer "bravia", pois não é coisa bravia confiar em Deus; para os verdadeiros crentes é simples questão de doce necessidade – como podem deixar de confiar nEle? Por que haveriam de duvidar do seu Amigo sempre fiel? Outro dia de manhã, pregando à minha igreja sobre o texto, "A minha graça te basta", disse aos irmãos que pela primeira vez em minha vida tinha experimentado o que Abraão sentiu quando se inclinou sobre o seu rosto e riu. Voltava para casa depois de uma semana de trabalho intenso, quando vejo à minha mente o texto: "A minha graça te basta." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 16 Veio, porém, com a ênfase posta em duas palavras: "A Minha graça te basta." Minha alma disse: "Sem dúvida é assim. Seguramente, a graça do Deus infinito é mais que suficiente para um simples inseto como eu." E ri, e tornei a rir, ao pensar em quanto o suprimento excedia a todas as minhas necessidades. Parecia que eu era um pequeno peixe no mar, e na minha sede dizia: "Viva, vou beber o oceano inteiro." Então o Pai das águas ergueu sublime a cabeça e disse a sorrir: "Pequenino peixe, a ilimitada vastidão marinha te basta." Este pensamento fez com que a descrença parecesse supinamente ridícula, como de fato é. Irmãos, devemos pregar cientes de que Deus pretende abençoar a Palavra proclamada, pois temos Sua promessa neste sentido. E ao termos pregado, devemos procurar as pessoas atingidas pela bênção. Dirão vocês: "Fico dominado pelo espanto ao ver que Deus converte almas por meio do meu pobre ministério"? Falsa humildade! O seu ministério é pobre de verdade. Toda gente sabe disso, e vocês devem sabê-lo mais que ninguém. Mas, ao mesmo tempo, é coisa para espantar que, o Deus que disse: "A minha palavra não voltará para mim vazia", cumpra o que prometeu? A refeição irá perder o seu valor nutritivo porque o prato é barato? A graça divina haverá de ser sobrepujada por nossa fraqueza? Não. Mas temos este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não nossa. Precisamos ainda do Espírito Santo durante o sermão todo para manter os nossos corações e mentes em condição apropriada. Sim, porque, se não tivermos o espírito certo perderemos a entonação que persuade e prevalece, e o povo descobrirá que a força de Sansão o deixou. Uns pregam como quem está ralhando, e assim põem à mostra o seu mau gênio. Outros se pregam a si próprios, e assim revelam o seu orgulho. Alguns discursam como se estivessem condescendendo em ocupar o púlpito, enquanto outros pregam como se estivessem pedindo desculpa por existirem. Para evitar erros nas maneiras e no tom da prédica, precisamos ser guiados pelo Espírito Santo, posto que só Ele nos ensina com proveito. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 17 5. Em quinto lugar, dependemos inteiramente do Espírito de Deus para produzir efeito concreto decorrente do evangelho, o que deve sempre constituir o nosso objetivo. Não nos levantamos em nossos púlpitos a fim de desfraldar a nossa habilidade na esgrima esportiva da espada espiritual, mas, sim, para empreender luta de verdade. O objeto que temos em mira é fazer a espada do Espírito traspassar o coração dos homens. Se em algum sentido se pode pensar na pregação como uma exibição pública, há de ser como a exibição do jogo do cultivo, que consiste em cultivar realmente a terra. A competição não está na aparência dos arados, mas no trabalho feito. Dessa forma sejam julgados os ministros pelo modo como manejam o arado do evangelho, e como sulcam o solo da lavoura, de ponta a ponta. Sempre visem ao efeito. "Ora", dirá alguém, "entendi que você tenha dito: "Nunca faça isso." Digo também que nunca visem ao efeito, no sentido infeliz dessa expressão. Nunca visem ao efeito segundo o modo dos artífices de clímax, dos declamadores de poesia, dos manipuladores de lenços, e dos sopradores de palavrório bombástico. Para o homem que degrada o púlpito reduzindo-o a um palco de teatro para exibir-se, muito melhor que não tivesse nascido. Visem à correta espécie de efeito: inspirar os crentes para coisas mais nobres; levá-los para mais perto do seu Senhor; fortalecer os que vacilam até que se livrem dos seus temores; levar os pecadores ao arrependimento e ao exercício da fé incondicional em Cristo. Sem que se sigam estes sinais, para que servem os nossos sermões? Seria uma lástima dizer com certo arcebispo: "Passei por muitas posições de honra e de confiança, tanto na igreja como no estado, mais do que qualquer colega da minha ordem na Inglaterra, durante os últimos setenta anos. Mas se tivesse a certeza de que, por minha pregação, ao menos uma alma tivesse sido convertida a Deus, teria nisso maior consolo do que em todos os honrosos ofícios que me deram." Milagres da graça devem constituir os selos do nosso ministério. Quem pode dá-los, senão o Espírito de Deus? Converter uma alma sem o Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 18 Espírito de Deus! Ora, vocês não podem nem fazer um inseto. Muito menos criar um novo coração e um espírito reto. Tentem conduzir os filhos de Deus a uma vida mais elevada, sem o Espírito Santo! É indizivelmente mais provável que os levem à segurança carnal, se procurarem elevá-los por seus próprios métodos, sejam estes quais forem. Não poderemos alcançar os nossos fins se omitirmos a cooperação do Espírito do Senhor. Portanto, com forte clamor e lágrimas, ponham nEle a sua esperança, dia a dia. A falta de reconhecimento definido do poder do Espírito Santo jaz na raiz de muitos ministérios vãos. As violentas palavras de Robert Hall são tão verdadeiras agora como quando as esparramou como lava derretida sobre uma geração semi-sociniana. "Por um lado, merece atenção o fato de que os mais eminentes e bem sucedidos pregadores do evangelho – um Brainerd, um Baxter, um Schwartz – foram os mais notáveis pela simples dependência em que se colocavam do auxílio espiritual. Por outro lado, nenhum sucesso acompanhou os ministérios daqueles que têm negligenciado ou negado esta doutrina. Estes encontraram a maior censura à sua presunção no total fracasso dos seus esforços, em que ninguém lutara pela realidade da interferência divina, no que a eles se refere; pois, quando o braço do Senhor se revela aqueles pretensos mestres do cristianismo, quem acreditará que não haja tal braço? Foi preciso deixá-los trabalhar num campo a respeito do qual Deus ordenou que não caísse chuva nele. Como se conscientes disso, por último voltaram os seus esforços para um novo canal e, sem esperança de conversão de pecadores, limitaram-se à sedução dos fiéis. Nisto, é preciso confessar, eles têm agido de modo perfeitamente coerente com os seus princípios. Pois que, ao menos, a propagação da heresia não requer a assistência divina." 6. Em seguida, necessitamos do Espírito de Deus como o Espírito de súplicas, que faz intercessão pelos santos de acordo com a vontade de Deus. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 19 Uma parte muito importante da nossa vida consiste em orar no Espírito Santo, e o ministro que não pensa assim, melhor seria que abandonasse o ministério. É preciso que abundante oração acompanhe a pregação zelosa. Não podemos estar sempre de joelhos fisicamente, mas a alma jamais deve abandonar a postura da devoção. O hábito de orar é bom, mas o espírito de oração é melhor. Deve-se manter o retiro periódico, mas a continua comunhão com Deus deve ser o nosso objetivo. Em regra, nos ministros, nunca devemos ficar muitos minutos sem erguer de fato os nossos corações em oração. Alguns de nos poderíamos dizer com sinceridade que raramente passamos um quarto de hora sem falar com Deus, e isto não como dever, mas como instinto, como um hábito da nova natureza pelo qual não reclamamos maior crédito do que o bebê por chorar em busca da mãe. Como poderíamos agir doutro modo? Agora, se devemos estar intensamente no espírito de oração, temos necessidade de que o óleo secreto seja derramado no fogo sagrado da devoção dos nossos corações. Oxalá queiramos ser mais e mais visitados pelo Espírito de graça e de súplicas. Quanto às nossas orações em público, queira Deus que nunca digam com verdade que elas são oficiais, formais e frias. Contudo, é o que serão se o suprimento do Espírito for deficiente. Não julgo os que usam liturgia. Mas aos que estão acostumados a fazer oração espontânea, digo – vocês não podem orar em público de modo aceitável, ano após ano, sem o Espírito de Deus. As orações mortas serão ofensivas ao povo muito antes de correr um ano. Como há de ser, então? De onde virá o nosso socorro? Certos fracotes dizem: "Tenhamos liturgia!" Em vez de procurar o auxílio divino, descem ao Egito, em busca de socorro. Em vez de colocar-se na dependência do Espírito de Deus, vão orar seguindo um livro! De minha parte, quando não consigo orar, prefiro estar ciente disso e ficar gemendo por causa da aridez da minha alma, até que o Senhor me visite com a bênção de uma devoção frutífera. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 20 Se vocês estiverem cheios do Espírito Santo, lançarão fora com alegria todos os grilhões formais para se entregarem à corrente sagrada e serem levados até encontrarem águas profundas. As vezes desfrutarão mais íntima comunhão com Deus pela oração no púlpito do que em qualquer outro lugar. Quanto a mim, a minha mais grandiosa hora secreta de oração muitas vezes dá-se em público. A minha mais genuína experiência de estar a sós com Deus tem-me ocorrido enquanto elevo súplicas em meio a milhares de pessoas. Abro os olhos no fim de uma oração e volto ao povo reunido com uma espécie de choque ao ver que me acho na terra, entre os homens. Essas ocasiões não estão sob o nosso comando. Tampouco podemos elevar-nos a essas condições mediante quaisquer adestramentos ou esforços. Nenhuma língua pode descrever quão benditas são para o ministro e para os demais irmãos essas condições! Quão repleta de poder e de bênçãos há de ser também a prática habitual da oração não posso deter-me aqui para proclamar. Mas para isso tudo temos que elevar os olhos para o Espírito Santo. E, louvado seja Deus, não olharemos em vão, pois dEle se diz especificamente que Ele ajuda as nossas fraquezas na oração. 7. Além do mais, é importante estar sob a influência do Espírito Santo, uma vez que Ele é o Espírito de Santidade. Sim, porquanto uma parte muito considerável e essencial do ministério cristão consiste em servir de exemplo. Nossa gente observa com muita atenção o que dizemos do púlpito e o que fazemos na esfera social e em tudo mais. Meus irmãos, acham fácil ser santos? – santos que outros possam considerar como exemplos? Devemos ser maridos tais, que todos os maridos da igreja possam ser como somos, sem risco. É assim conosco? Devemos ser os melhores pais. Lástima! Alguns ministros que conheço estão longe disto pois, com referência às suas famílias, guardam bem as vinhas alheias, porém não guardam bem as suas. Seus filhos do negligenciados e não crescem como semente santa. É assim com os seus? Nas conversas com os nossos semelhantes, somos inculpáveis e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 21 inofensivos, como filhos de Deus irrepreensíveis? É o que nos cabe ser. Respeito as razões pelas quais o Sr. Whitefield mantinha sempre o terno de linho escrupulosamente limpo. "Não, Não", costumava dizer, "isto não é ninharia. O ministro não deve ter mancha, nem mesmo em sua roupa, se possível." Não há como exagerar a pureza num ministro. Vocês conhecem algum colega infeliz que apareceu salpicado, e afetuosamente o ajudaram a remover as manchas, mas perceberam que teria sido melhor se as roupas estivessem alvas sempre. Oh, mantenham-se imaculados do mundo! Como pode ser assim estando nós num cenário de tentação e vivendo cercados de pecados? Somente se formos preservados por um poder superior. Se vocês hão de andar em toda a santidade e pureza, como convém aos ministros do evangelho, devem ser diariamente enchidos do Espírito Santo. 8. Uma vez mais, precisamos do Espírito Santo em Sua qualidade de Espírito de discernimento, pois Ele conhece as mentes dos homens como conhece a de Deus, e necessitamos muito disto quando lidamos com personalidades difíceis. Há neste mundo alguns indivíduos que talvez pudessem receber permissão para pregar, mas que nunca deveríamos tolerar que se tornassem pastores. São desqualificados mental ou espiritualmente. Na igreja de São Zeno, em Verona, vi uma estátua daquele santo, representando-o sentado. O artista lhe deu pernas acima dos joelhos tão curtas que ficou sem colo para abrigar crianças, de modo que ele não poderia ser um pai bom para aconchegar os filhos. Receio que haja muitos outros que trabalham com semelhante falta de habilitação. Não podem levar a sua mente a entrar de coração nos cuidados pastorais. São capazes de dogmatizar sobre uma doutrina e de polemizar sobre uma ordenança, mas, entrar em compassiva empatia com uma experiência alheia está longe deles. Uma pessoa assim só pode prestar frio consolo às consciências aflitas. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 22 Seu conselho terá o mesmo valor do conselho dado pelo montanhês escocês que, segundo contam, viu um inglês afundando num pântano em Ben Nevis. "Estou afundando!", gritou o viajante. "Você pode dizer-me como sair daqui?" O montanhês calmamente replicou: "Acho que é provável que você não vá conseguir sair daí nunca", e seguiu seu caminho. Conhecemos ministros dessa laia. Ficam confusos e quase perdem a paciência com os pecadores, lutando à beira do desânimo. Se eu e você, despreparados para a arte do pastoreio, fôssemos colocados entre ovelhas e cordeiros no início da primavera, que haveríamos de fazer com eles? Na mesma perplexidade se acham os que nunca foram ensinados pelo Espírito Santo sobre a maneira de cuidar das almas. Oxalá as Suas instruções nos livrem de tão desditosa incompetência! Sobretudo, irmãos, por mais ternura de coração ou amorosa preocupação que tenhamos, Não saberemos tratar da imensa variedade de casos, a não ser que o Espírito de Deus nos dirija, pois não existem dois indivíduos iguais. E mesmo um caso idêntico a outro requererá tratamento diferente em diferentes ocasiões. Num período poderá ser melhor consolar, noutro repreender. E a pessoa de quem você se compadeceu com empatia até às lágrimas hoje, talvez necessite que a enfrente com olhar carrancudo amanhã, por dizer tolices da consolação que você lhe deu. Os que curam os quebrantados de coração e proclamam libertação aos cativos precisam ter sobre si o Espírito do Senhor. Na supervisão e direção de uma igreja é necessário o auxílio do Espírito. No fundo, o principal motivo da divido de nossa denominação está na dificuldade proveniente do nosso governo eclesiástico. Tem-se dito que "tende à intranqüilidade do ministério." Sem dúvida, é muito penoso para quem suspira pelas dignidades oficiais e sente necessidade de ser o Excelentíssimo Senhor Oráculo, diante de quem até um cachorro fica proibido de latir. Os incapazes de dirigir algo além de bebês são justamente as pessoas que têm maior sede de autoridade e, vendo-se mal aquinhoados dela nestas partes, procuram outras regiões. Se você não Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 23 pode governar-se a si próprio, se não é varonil e independente, se são é superior quanto ao peso moral, se não tem maior dom e graça do que os seus ouvintes comuns, poderá vestir uma toga e ter a pretensão de ser o líder da igreja – mas, não numa igreja de governo batista ou neotestamentário. De minha parte, detestaria ser pastor de pessoas que nada têm que dizer, ou que, se chegam a dizer algo, bem podiam ter ficado caladas, pois o pastor é Sua Excelência, o Soberano, e os demais são leigos – cada qual um João-ninguém. Preferiria antes ser líder de seis homens livres, cujo entusiástico amor fosse o meu único poder sobre eles, do que bancar ditador de uma vintena de nações escravizadas. Que posição é mais nobre do que a do pai espiritual que não se arroga autoridade e, todavia, é estimado por todos, e cuja palavra é dita apenas como terno conselho mas é recebida como tendo força de leí? Ao consultar os desejos de outros, vê que o primeiro desejo deles é saber o que ele recomenda e, cedendo sempre aos desejos de outros, vê que se alegram em ceder aos seus. Amorosamente firme e generosamente gentil, é o chefe de todos porque é servo de todos. Isto não requer sabedoria do Alto? Que poderia ter maior necessidade dela? Quando Davi se estabeleceu no trono, disse: "É Ele que submete a mim o meu povo." E assim pode falar todo feliz o pastor quando vê tantos irmãos de temperamentos diversos querendo alegremente estar sob disciplina e aceitar a sua liderança na obra do Senhor. Se o Senhor não estivesse entre nos, logo haveria confusão. Ministros, diáconos e presbíteros, todos precisam ser sábios, mas se o pombo sagrado parte, e o espírito de contenda entra, é o fim para nós. Irmãos, o nosso sistema não funcionará sem o Espírito de Deus, e me alegra que não funcione, pois as suas paralisações e suas rupturas chamam a nossa atenção para o fato da Sua ausência. Nunca se teve a intenção de que o nosso sistema promovesse a glória de sacerdotes e pastores, mas é planejado para educar cristãos varonis, que não releguem a sua fé a segundo plano. Que sou eu, e que são vocês, para que devamos ser senhores dominando a herança de Deus? Algum de nós se atreverá a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 24 dizer com o reí francês, "L'état, c'est moi" – o estado sou eu" – eu sou a pessoa mais importante da minha igreja? Se for assim, não é provável que o Espírito Santo faça uso desses instrumentos inadequados. Mas se conhecemos os nossos lugares e desejamos conservá-los com toda a humildade, Ele nos ajudará, e as igrejas florescerão sob os nossos cuidados. Dei-lhes um alongado catálogo de pontos nos quais o Espírito Santo nos é absolutamente necessário. Contudo, a lista está muito longe de ser completa. Deixei-a intencionalmente imperfeita porque, se eu tentasse completá-la, todo o nosso tempo expiraria antes de podermos responder a pergunta: Como Podemos Perder Esta Assistência Necessária? Que nenhum de nós jamais faça esta experiência, mas é certo que os ministros podem perder o auxilio do Espírito Santo. Cada pessoa aqui presente pode perdê-lo. Vocês não perecerão, uma vez que são crentes, porque a vida eterna está em vocês. Podem, porém, perecer como ministros, de quem não se ouça mais falar que são testemunhas em prol do Senhor. Se suceder isso, não será sem motivo. O Espírito reclama soberania semelhante à do vento que sopra onde quer. Entretanto, jamais sonhemos que soberania e capricho são a mesma coisa. O bendito Espírito age como quer, mas sempre de modo justo, sábio, e com motivo e razão. Às vezes Ele dá ou retira a Sua bênção, por razões relativas a nós mesmos. Notem o curso de um rio como o Tâmisa – como torce e retorce a seu bel prazer. Contudo, há razão para cada volta ou curva. O geólogo, estudando o solo e observando a forma da rocha, vê a razão pela qual o leito do rio se desvia para a direita ou para a esquerda. Assim, apesar de que o Espírito de Deus abençoa um pregador mais que outro, e a razão não pode ser tal que algum homem possa congratular-se consigo por sua própria bondade, todavia há certas coisas concernentes aos ministros cristãos que Deus abençoa, e certas outras coisas que impedem o bom êxito. O Espírito de Deus caí como o orvalho, com mistério e poder. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 25 Mas, no mundo espiritual é como no mundo natural: certas substâncias se molham com a umidade celestial, ao passo que outras estão sempre secas. Porventura não existe uma causa? O vento sopra onde quer, mas se desejamos sentir uma forte viração, temos que ir ao mar ou subir as colinas. O Espírito de Deus tem lugares favoritos para a demonstração do Seu poder. Ele é simbolizado por uma pomba, e a pomba tem os seus retiros preferidos. Freqüenta as correntes de águas, os lugares pacíficos e calmos. Não a encontramos no campo de batalha, nem a vemos pousar na carniça. Há coisas congruentes com o Espírito e coisas contrárias à Sua mente. O Espírito de Deus compara-se com a luz. A luz pode brilhar onde quiser, mas uns corpos são opacos, enquanto que outros são transparentes. Assim, há homens através dos quais nunca aparece o Seu brilho. Portanto, deste modo se pode demonstrar que, embora o Espírito Santo seja o "livre Espírito" de Deus, de modo nenhum age por capricho. Entretanto, diletos irmãos, o Espírito de Deus pode ser entristecido, contrariado, e pode mesmo sofrer resistência. Negar isto é opor-se ao testemunho freqüente da Escritura. Pior de tudo, podemos menosprezáLo e insultá-Lo a tal ponto que Ele não fale mais por nosso intermédio, mas nos deixe como deixou o reí Saul antigamente. Seria lamentável se existissem homens no ministério cristão aos quais sucedesse isto; temo, porém, que existam. Irmãos, quais serão os males que entristecem o Espírito? Respondo: tudo que vos desqualifique como cristãos comuns para a comunhão com Deus também vos desqualifica para experimentarem o poder extraordinário do Espírito Santo como ministros. À parte disso, porém, há obstáculos especiais. Dentre os primeiros, devemos mencionar a falta de sensibilidade, ou seja, aquele estado de frieza emocional que nasce da desobediência às ternas influências do Espírito. Devemos ser delicadamente sensíveis ao Seu mais leve movimento, e então poderemos esperar a Sua presença em nós. Mas, se somos como o cavalo e a mula que não têm entendimento, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 26 segundo a expressão bíblica, sentiremos o chicote, mas não desfrutaremos das ternas influências do Consolador. Outro defeito entristecedor é a falta de veracidade. Quando um grande músico pega um violão ou toca harpa e vê que as notas falseiam, detêm a mão. As almas de alguns homens não são sinceras. Eles são sofisticados e hipócritas. O Espírito de Cristo não será cúmplice de homens aplicados à desprezível ocupação de iludir e enganar. Será este o caso aqui – que vocês preguem certas doutrinas, não porque crêem nelas, mas porque a sua igreja espera que as preguem? Estarão vocês dando tempo ao tempo até poderem, sem risco, renunciar ao seu credo atual e apregoar o que a sua mente covarde realmente sustenta ser verdadeiro? Neste caso vocês são decaídos de fato, e estão abaixo dos escravos mais indignos. Deus nos livre dos homens traiçoeiros, e se estes chegam a formar em nossas fileiras, oxalá sejam rapidamente expulsos ao som da Marcha do Velhaco (Rogue's March). Se nos sentimos aversão por eles, quanto mais os detestará o Espírito da verdade! Vocês poderão contristar grandemente o Espírito Santo com uma geral escassez de graça. A frase é temível, mas descreve certas pessoas melhor do que todas as outras que me ocorrem. A família Graça-Escassa geralmente tem um dos seus membros no ministério. Conheço o tipo. Não é insincero nem imoral, Não tem mau gênio nem é auto-indulgente, mas algo lhe falta. Não seria fácil provar essa ausência por meio de alguma ofensa ostensiva de sua parte. O que lhe falta, porém, falta à sua personalidade toda, e essa carência arruína tudo. Falta-lhe aquilo que por excelência é necessário. Ele não é espiritual. Não há nele o aroma de Cristo. O seu coração nunca se inflama no seu interior. Sua alma não vive. Falta-lhe a graça. Não podemos esperar que o Espírito de Deus abençoe um ministério que jamais devia ter sido exercido, e certamente um ministério não revestido da graça é dessa natureza. Outro mal que expulsa o Espírito divino é o orgulho. O modo de ser bem grande consiste em ser bem pequeno. Ser muito notável em sua própria estima é não ser notado por Deus. Se você tem profunda Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 27 necessidade de viver nos lugares elevados da Terra, achará frios e áridos os pontos culminantes das montanhas. O Senhor habita com os humildes, mas de longe conhece o soberbo. A preguiça também contraria o Espírito Santo. Não posso imaginar o Espírito esperando à porta do mandrião, e suprindo as deficiências criadas pela indolência. A ociosidade na causa do Redentor é um mal para o qual não se pode inventar desculpa. Nós mesmos sentimos arrepios ao vermos os movimentos vagarosos dos preguiçosos, e estejamos certos de que o Espírito Santo, ativo como é, fica igualmente contrariado com os que agem levianamente na obra do Senhor. A negligência na oração particular, como muitos outros males, produzirá o mesmo resultado infeliz. Todavia, não é preciso alongar o assunto, pois as suas próprias consciências, irmãos, lhes dirão o que entristece o Santo de Israel. Agora lhes rogo que atentem para esta palavra: Vocês sabem o que poderá acontecer se o Espírito de Deus for grandemente contristado e retirar-se de nós? Há duas suposições. A primeira é que nunca fomos verdadeiros servos de Deus, mas apenas usados temporariamente por Ele, como Balaão, e até a jumenta cavalgada por ele. Suponhamos, irmãos, que eu e vocês continuemos pregando por um tempo sem que nem nós nem outros suspeitemos que fomos destituídos do Espírito de Deus. Todo o nosso ministério pode acabar-se de um golpe, e nós com ele. Talvez sejamos derribados na primavera, como aconteceu com Nadabe e Abiú, para não mais ministrarmos perante o Senhor, ou talvez sejamos removidos nos anos do amadurecimento, como Hofni e Finéias, não podendo continuar servindo no tabernáculo da congregação. Não temos nenhum analista inspirado que nos registre a súbita eliminação de homens que prometem muito. Se o tivéssemos, porém, talvez lêssemos aterrorizados – sobre zelo sustentado por bebidas fortes, sobre farisaísmo associado a corrupção secreta, sobre ortodoxia declarada ocultando infidelidade absoluta, ou sobre alguma outra forma de fogo estranho apresentado no altar, até que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 28 o Senhor não o suporte mais e elimine os ofensores com repentino golpe. Caberá a algum de nós essa terrível condenação? É uma pena, mas vi alguns que, como Saul, foram abandonados pelo Espírito Santo. Está escrito que o Espírito de Deus veio sobre Saul. Entretanto, ele não foi fiel à influência divina, esta o deixou, e um espírito mau lhe tomou o lugar. Notem como o pregador de quem o Espírito se retirou banca jeitosamente o cínico, critica todos os demais, arremessa o dardo da calúnia a alguém melhor do que ele. Saul esteve uma vez entre os profetas, mas se sentia mais à vontade entre os perseguidores. O pregador frustrado procura destruir o verdadeiro evangelista, recorre aos encantos da filosofia, e busca o auxílio de heresias mortas, mas o seu poder se foi e logo os filisteus o encontrarão entre os mortos. "Não o noticieis em Gate, nem o publiqueis nas ruas de Ascalom... Vos, filhas de Israel, chorai por Saul ... Como caíram os valentes no meio da peleja!" Também alguns que foram abandonados pelo Espírito de Deus se tornaram semelhantes aos filhos de Ceva, um judeu. Estes presunçosos tentaram expulsar demônios em nome de Jesus, a quem Paulo pregava, mas os demônios saltaram sobre eles e o subjugaram. Assim, enquanto certos pregadores pregavam contra o pecado, os próprio vícios que denunciavam os derrotaram. Os filhos de Ceva têm estado entre nós. Os demônios da bebedice prevaleceram sobre o próprio individuo que denunciava o cálice fascinante, e o demônio da impureza saltou sobre o pregador que aplaudia a castidade. Se o Espírito Santo estiver ausente, de todas as posições a nossa é a mais perigosa. Cautela, pois! É lamentável, mas alguns ministros ficaram como Balaão. Era um profeta, não era? Não falava em nome do Senhor? Não se lhe chamou "homem de olhos abertos... que tem a visão do Todo-poderoso"? Apesar disso, Balaão lutou contra Israel e com astúcia arquitetou um plano pelo qual o povo escolhido poderia ser vencido. Ministros do evangelho há que se tornaram súditos do papa, infiéis, livre-pensadores, e conspiraram para a destruição daquilo que antes professavam pregar. Podemos ser Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 29 apóstolos, mas como Judas, terminar sendo filhos da perdição. Ai de nós, se for este o caso! Irmãos, presumirei que somos realmente filhos de Deus. E então? Ora, mesmo neste caso, se o Espírito de Deus nos deixar, poderemos ser eliminados de um golpe, como se deu com o iludido profeta que deixou de obedecer a ordem do Senhor nos dias de Jeroboão. Era sem dúvida um homem de Deus, e a sua morte física de modo algum prova que tenha perdido a alma, mas rompeu aquilo que sabia ser uma ordem de Deus dada especialmente para ele. Seu ministério terminou ali e naquela exata ocasião, pois um leão o encontrou no caminho e o matou. Queira o Espírito Santo proteger-nos dos enganadores e manter-nos fiéis à voz de Deus. Pior ainda, podemos reproduzir a vida de Sansão, sobre quem veio o Espírito de Deus nos campos de Dã. Mas, no regaço de Dalila perdeu a força, e na masmorra perdeu os olhos. Concluiu com bravura a carreira, cego como estava, mas quem de nós deseja tentar destino tal? Ou – e este último me entristece além de toda a expressão, porque tem maior probabilidade de acontecer do que qualquer de todos os restantes – o Espírito de Deus pode retirar-se de nós, em penoso grau, para estrago do encerramento da nossa carreira, como foi no caso de Moisés. Não perderemos as nossas almas, não, nem mesmo as nossas coroas no Céu ou ainda a nossa reputação na terra, porém ficaremos sob uma nuvem em nossos últimos dias por termos falado uma vez imprudentemente com os nossos lábios. Recentemente estudei os últimos dias do grande profeta do Horebe, e ainda não me recuperei da profunda tristeza de espírito que me sobreveio. Qual foi o pecado de Moisés? Não há por que inquirir. Não foi grosseiro como a transgressão de Davi, nem chocante como o fracasso de Pedro, nem fraco e tolo como a grave falta do seu irmão Arão. Na verdade, parece uma ofensa infinitesimal quando pesada na balança do julgamento usual. Mas então, vocês vêem, foi o pecado de Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 30 Moisés, homem favorecido por Deus mais que todos os outros, o pecado de um líder do povo, de um representante do Reí divino. O Senhor o podia ter passado por alto em qualquer outro, não porém em Moisés. Moisés teve que ser punido com a proibição de introduzir o povo na terra prometida. É certo que teve gloriosa visão do alto de Pisga, e tudo mais que podia mitigar o rigor da sentença, mas foi grande desapontamento nunca entrar na terra da herança de Israel, e isso por ter falado uma vez impensadamente. Eu não poderia fugir ao serviço do Mestre, mas tremo em Sua presença. Quem pode estar sem culpa, quando até Moisés errou? É coisa terrível ser amado de Deus. "Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas? O que anda em justiça, e o que fala com retidão." – Somente este pode enfrentar as devoradoras chamas do amor. Rogo-lhes, irmãos que procurem ocupar o lugar de Moisés, mas tremam ao fazê-lo. Temam e tremam por todo o bem que Deus faça passar diante de vocês. Quando estiverem transbordando de frutos do Espírito, inclinem-se até o pó perante o trono, e sirvam ao Senhor com temor. "O Senhor nosso Deus é Deus zeloso." Lembrem-se de que Deus veio a nós, não para exaltar-nos, mas para exaltar-Se, e temos que atentar para o fato de que a gloria de Deus é o único objetivo de tudo que fazemos. "Importa que Ele cresça, e eu diminua." Oxalá Deus nos induza a isto e nos faça andar muito cuidadosa e humildemente diante dEle. Deus nos sondará e nos provará, pois o juízo começa em Sua casa, e nessa casa começa com os Seus ministros. Quererá algum de nós ser achado em falta? Retirará o abismo do inferno uma parte dos seus infelizes habitantes do meio do nosso grupo de pastores? Será terrível a sentença de um pastor decaído. A sua condenação causará espanto aos transgressores comuns. "Das profundezas o inferno se move por ti para encontrar-te em tua vinda." Todos eles te dirão: "Também tu te tornaste fraco, igual a nós? Ficaste parecido conosco?" Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 31 Clamemos ao Espírito de Deus, que nos faça e nos mantenha vivos para Deus, fiéis ao nosso oficio e úteis à nossa geração – e limpos do sangue das almas. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 32 NECESSIDADE DE PROGRESSO MINISTERIAL Caros soldados, companheiros meus! Somos poucos, e temos violenta luta diante de nós. Portanto, é preciso fazer que cada homem renda o mais possível e seja estimulado até o ponto máximo das suas energias. É desejável que os ministros do Senhor sejam os elementos de vanguarda da igreja. Na verdade, do universo todo, pois a época o requer. Portanto, quanto a vocês, em suas qualificações pessoais, doulhes este moto: "Sigam avante." Avante nas conquistas pessoais, avante nos dons e na graça, avante na capacitação para a obra, e avante no processo de amoldar-se à imagem de Jesus. Os pontos de que tratarei a seguir começam da base e seguem linha ascendente. 1. Primeiro, diletos irmãos, acho necessário dizer-me a mim e a vocês que devemos ir avante em nossas aquisições intelectuais. Não nos serve de nada apresentar-nos continuamente diante de Deus em nossa pior forma. Não somos capazes de apresentar-nos na melhor forma aos Seus olhos. Mas, custe o que custar, não permitamos que a oferta seja mutilada e manchada por nossa preguiça. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração" é, talvez, mais fácil de aceitar do que amá-Lo de todo o entendimento. Contudo, precisamos dar-lhe a nossa mente, bem como os nossos afetos, e essa mente deve estar bem suprida, para que não Lhe ofereçamos um cofre vazio. O nosso ministério exige a mente. Não insistirei sobre "o iluminismo da época." Todavia, é mais que certo que há um grande avanço entre todas as classes, e que haverá maior ainda. Já se foi o tempo em que os discursos destituídos de gramática eram satisfatórios para o pregador. Mesmo num povoado rural onde, segundo a tradição, "ninguém sabe nada", não falta o mestre-escola, e a falta de instrução perde utilidade mais que nunca. Pois, enquanto o orador quer que os ouvintes lembrem o evangelho, lembrarão por outro lado as suas expressões gramaticalmente péssimas, e as repetirão como temas para gracejos, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 33 quando queríamos que conversassem com solene fervor sobre as doutrinas divinas. Caros irmãos, precisamos cultivar-nos ao máximo. E devemos fazê-lo, primeiro, reunindo o máximo de conhecimentos, para encher o celeiro; depois adquirindo discernimento para joeirar tudo que foi amontoado; e finalmente, exercendo a capacidade mental de firme fixação na memória, pela qual podemos armazenar no celeiro o cereal selecionado. Pode ser que estes três pontos não tenham importância igual, mas são todos necessários ao homem completo. Digo-lhes que devemos fazer grandes esforços para adquirir informação, principalmente de natureza bíblica. Não devemos limitarnos a um tópico do estudo, do contrário, não exercitaremos nossa plenitude mental. Deus fez o mundo para o homem, e dotou o homem de mente destinada a ocupar e usar o mundo todo. É o locatário, e a natureza é por um pouco de tempo a sua casa. Por que haveria de privarse de qualquer dos seus quartos? Por que negar-se a saborear alguma das refeições tornadas puras que o grandioso Pai colocou sobre a mesa? Contudo, a nossa principal atividade é estudar as Escrituras. A principal ocupação do ferrador é ferrar cavalos. Que trate de saber fazê-lo bem, pois, ainda que fosse capaz de cingir um anjo com um cinto de ouro, falharia como ferrador se não soubesse forjar e fixar ferraduras. Pouco vale que vocês sejam capazes de escrever poesia com o maior brilhantismo, como talvez o sejam, se não puderem pregar um bom sermão, persuasivo, que produza o efeito de fortalecer os santos e convencer os pecadores. Estudem a Bíblia, diletos irmãos, de capa a capa, com toda a ajuda que possam obter. Lembrem-se de que agora os recursos ao alcance dos cristãos comuns são muito mais amplos do que no tempo dos nossos país. Portanto, vocês têm que ser maiores especialistas em Bíblia, se pretendem manter-se diante dos seus ouvintes, Interponham todo o conhecimento, mas, acima de todas as coisas, meditem dia e noite na lei do Senhor. Instruam-se bem em teologia. Não reparem na zombaria daqueles que a criticam porque nessa esfera são ignorantes. Muitos pregadores Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 34 não são teólogos. Daí os erros que cometem. Não fará mal algum ao mais galhardo evangelista se ele também for bom teólogo. Talvez seja este, com freqüência, o modo de livrá-lo de erros crassos. Hoje em dia ouvimos homens que recortam uma frase da Escritura, isolando-a do seu contexto, e bradam: "Eureka! Eureka!", como se tivessem achado uma nova verdade. No entanto, não descobriram um diamante, mas, sim, um caco de vidro. Se fossem capazes de comparar coisas espirituais com espirituais, se compreendessem a analogia da fé, e se estivessem familiarizados com o santo saber dos grandes estudiosos da Bíblia que o passado conheceu, não se apressariam tanto em jactar-se do seu conhecimento maravilhoso. Tratemos de inteirar-nos completamente das grandes doutrinas da Palavra de Deus. Exponhamos com poder a Escritura. Estou certo de que nenhuma forma de pregação durará tanto, ou edificará tão bem uma igreja como a pregação expositiva. Renunciar totalmente o discurso exortativo pelo expositivo seria precipitar-se a um extremo absurdo. Mas, não serei capaz de exagerar ao afirmar-lhes categoricamente que, se os seus ministérios hão de ser duradouramente úteis, vocês terão que ser expositores. Para isso, deverão compreender pessoalmente a Palavra, e deverão ser capazes de comentá-la de modo que as pessoas sejam edificadas por ela. Irmãos, manejem com domínio as suas Bíblias. Sejam quais forem as obras não examinadas por vocês, sintam-se em casa com os escritos dos profetas e apóstolos. "A palavra de Cristo habite em vós ricamente." . Uma vez dada precedência aos escritos inspirados, não negligenciem nenhuma esfera do conhecimento. A presença de Jesus na terra santificou os domínios da natureza, e o que Ele purificou não chamem de impuro. Tudo que o Pai fez lhes pertence, e vocês devem aprender disso. Podem ler o diário de um naturalista, ou da viagem de alguém, e tirar proveito dessa leitura. Sim, e mesmo de um velho livro sobre ervas ou de um manual de alquimia poderão colher mel, como o fez Sansão da carcaça de um leão. Há pérolas em conchas de ostras, e frutas em galhos espinhentos. As veredas da verdadeira ciência, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 35 particularmente da historia natural e da botânica, destilam gordura. A geologia, enquanto fato, e não ficção, está repleta de tesouros. A historia – esplêndidas são as visões que faz passar diante de vocês – é a eminentemente instrutiva. Na verdade, cada rincão dos domínios de Deus na natureza pulula de preciosos ensinamentos. Sigam as trilhas do conhecimento, de acordo com o tempo, a oportunidade e os dotes particulares de que disponham. E não hesitem em fazê-lo por causa de alguma apreensão de que se instruirão a um nível demasiado alto. Quando a graça for abundante, o saber não os inchará, nem prejudicará a sua simplicidade no evangelho. Sirvam a Deus com o grau de educação que tenham, e dêem graças a Ele por soprar por meio de vocês, se são buzinas de chifres de carneiro. Mas, se há possibilidade de se tornarem trombetas de prata, prefiram isto. Já disse que devemos aprender a discernir, e agora é o momento oportuno para insistir neste ponto. Muitos correm atrás de novidades, encantados com toda e qualquer invenção. Aprendam a julgar a verdade e as suas imitações, assim, não serão desencaminhados. Outros há que se apegam como certos moluscos a velhos ensinos, sendo que talvez estes não passem de erros antigos. Submetam à prova todas as coisas e retenham o que é bom. Deve-se recomendar muito o emprego do ventilador e da peneira para joeirar. Diletos irmãos, quem pede ao Senhor que lhe dê vida límpida com a qual veja a verdade e distinga os seus frutos, e, graças ao constante exercício das suas faculdades, obteve capacidade para julgar acuradamente, está preparado para ser comandante de hostes do Senhor. Mas, nem todos são assim. É doloroso observar quantos estão prontos para abraçar qualquer coisa, bastando que lhes seja apresentada com ardor. Engolem remédios de todo e qualquer charlatão espiritual que tenha suficiente convicção mascarada para parecer sincero. Não sejam crianças assim no entendimento, mas submetam tudo à prova cuidadosamente, antes de aceitá-lo. Peçam ao Espírito Santo que lhes dê o dom do discernimento, de modo que possam Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 36 conduzir os seus rebanhos para longe das campinas venenosas e levá-los a pastagens seguras. Quando, no devido tempo, tenham obtido a capacidade de adquirir conhecimento e a aptidão para discernir, busquem em seguida a capacidade para reter, e segurem com firmeza o que aprenderam. Nestes tempos certas pessoas se vangloriam de ser como cata-ventos. Não conservam nada. Na verdade, nada possuem que valha a pena reter. Creram ontem naquilo em que não crêem hoje, nem crerão amanhã. E seria um profeta maior do que Isaías quem conseguisse dizer o que eles crerão quando o recôncavo da lua nova se encher, pois estão mudando constantemente. Parecem ter nascido sob a influência da luz, partilhando dos hábitos de sua variação. Esses homens podem ser sinceros como se dizem, mas, de que valem? Como boas árvores transplantadas muitas vezes, podem ter natureza nobre, mas nada produzem. Sua vitalidade esvai-se no esforço por criar raízes e tornar a criá-las. Não têm seiva suficiente para produzir frutos. Estejam certos de que têm a verdade e, depois, estejam certos de que a mantêm. Estejam prontos para uma nova verdade, desde que seja verdade. Relutem, porém, em subscrever a crença de que se encontrou uma luz melhor do que a do sol. Os que apregoam pelas ruas novas verdades, como os jornaleiros fazem com uma segunda edição de um vespertino, geralmente não estão em condição melhor do que deveriam. A bela jovem da verdade não pinta as faces, nem enfeita a cabeça como Jezabel, seguindo cada nova moda filosófica. Contenta-se com sua beleza natural, e seu aspecto é essencialmente o mesmo ontem, hoje, e para sempre. Quando os homens mudam com freqüência, em geral precisam ser mudados no sentido mais enfático. A nossa boa gente de "pensamento moderno" está fazendo incalculável dano às almas, semelhante a Nero tocando rabeca no alto de uma torre com Roma a queimar-se aos seus pés. Almas estão sendo condenadas, e, contudo esses homens ficam traçando teorias. O inferno escancara a boca, e engole miríades, mas os que deviam estar espalhando as boas novas da salvação "andam atrás de novas 1inhas de pensamento." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 37 Cultíssimos assassinos espirituais, verão que a sua alardeada "cultura" não lhes servirá de escusa no dia do Juízo. Por Deus, tratemos de saber como os homens hão de salvar-se, e ponhamos mãos à obra. É detestável desperdício ficar sempre a discutir quanto ao modo certo de fazer pão enquanto uma nação perece de fome. Já é tempo de sabermos o que ensinar, ou então de renunciar ao nosso oficio. "Aprender sempre, e nunca chegar à verdade" é o lema dos piores homens, não dos melhores. Vi em Roma a estátua de um rapaz tirando um espinho do pé. Fui-me embora. Um ano depois voltei, e lá estava sentado o mesmíssimo rapaz, tirando ainda o corpo estranho. Será este o nosso modelo? "Amoldo o meu credo toda semana", confessou-me um desses teólogos. A que assemelharei esses inconstantes? Não são como aquelas aves que aparecem no Cabo de Ouro, no estreito de Bósforo, e se podem ver de Constantinopla, das quais se diz que estão sempre batendo as asas, nunca em repouso? Ninguém jamais as viu pousar na água ou na terra. Estão sempre pairando em pleno ar. Os nativos lhes chamam "almas perdidas", sempre a buscar descanso em vão. Com toda a certeza, homens que não acham repouso pessoal na verdade, se não é que eles mesmos não se salvam, ao menos têm pouca probabilidade de salvar outros. Aquele que não tem nenhuma verdade segura para transmitir, não deve admirar-se de que os seus ouvintes depositem pouca confiança nele. Temos que conhecer a verdade, compreendê-la, e retê-la com mão firme, ou não poderemos esperar levar outros a crer nela. Irmãos, eu os responsabilizo: procurem conhecer e discernir; depois, aplicado o discernimento, lutem para arraigar-se e alicerçar-se na verdade. Mantenham em pleno funcionamento os processos de encher o celeiro, joeirar o cereal e armazená-lo. Assim, em sua vida mental, irão avante. 2. Precisamos ir avante nas qualificações oratórias. Estou começando do fundo, mas mesmo este ponto é importante, pois é uma pena que até os pés desta imagem sejam de barro. Daquilo que possa ter Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 38 alguma utilidade ao nosso propósito, nada é fútil. Só pela perda de um cravo, o cavalo perdeu a ferradura, e deixou de servir para a batalha. Aquela ferradura era apenas uma banal tira de ferro a ferir o solo. Entretanto, ainda que o lombo esteja cingido de raios e trovões, de nada vale se se perdeu a ferradura. Uma pessoa pode ficar irremediavelmente arruinada por inutilidade espiritual, não porque falhe no caráter ou no espírito, mas porque fraqueja no intelecto ou na oratória. Portanto, comecei com estes pontos, e torno a observar que devemos melhorar na alocução. Nem todos podem falar como alguns, e nem mesmo estes podem atingir a sua eloqüência ideal. Se há algum irmão aqui que pensa que pode pregar tão bem como deve, advirto-o a desistir de uma vez. Fazendo-o estará agindo tão sabiamente como o grande pintor que quebrou a sua paleta e, virando-se para a esposa, disse: "Meus dias de pintar passaram, pois já me satisfiz e, portanto, ser que o meu poder se foi." Ainda que existam outras perfeições atingíveis, tenho a certeza de que aquele que acha que conseguiu perfeição na oratória, confunde eloqüência com volubilidade, e argumento com verbosidade. Seja qual for o seu conhecimento, Não poderão ser ministros verdadeiramente eficientes, se não forem "aptos para ensinar." Vocês sabem de ministros que erraram a vocação e, evidentemente, não têm dons para exercê-la. Certifiquem-se de que ninguém pense a mesma coisa de vocês. Há colegas de ministério que pregam de modo intolerável: ou nos provocam raiva, ou nos dão sono. Nenhum anestésico pode igualar-se a alguns discursos nas propriedades soníferas. Nenhum ser humano que não seja dotado de infinita paciência poderia suportar ouvi-los, e bem faz a natureza em libertá-lo por meio do sono. Outro dia ouvi alguém dizer que certo pregador não tinha mais dons que uma ostra, para o ministério. Em minha opinião, foi um ultraje á ostra, pois esse nobre bivalve demonstra grande descrição em seus intróitos, e sabe quando deve concluir. Se alguns fossem condenados a ouvir os seus próprios sermões, teriam merecido julgamento, e logo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 39 clamariam com Caim: "É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo." Oxalá não caíamos sob a mesma condenação. Irmãos, devemos cultivar clareza de estilo. Quando um homem não me faz entender o que quer dizer, é porque nem ele mesmo sabe o que quer dizer. O ouvinte mediano, incapaz de seguir o curso do pensamento do pregador, não devia ficar aborrecido consigo, mas censurar o pregador, cuja obrigação é apresentar o assunto com clareza. Se olharmos dentro de um poço, se estiver vazio nos parecerá muito fundo, mas se houver água nele, veremos a claridade refletida. Creio que muitos pregadores "profundos" são assim apenas porque são como poços secos, sem nada dentro, exceto folhas podres, algumas pedras, e talvez um ou dois gatos mortos. Se houver águas vivas em sua pregação, esta pode ser muito profunda, mas a luz da verdade lhe dará clareza. Não basta falar de modo tão claro que vocês sejam compreendidos; devem falar de modo que não sejam mal compreendidos. Além da clareza, devemos cultivar um estilo convincente. Nosso discurso deve ser poderoso. Alguns imaginam que isto consiste em falar alto, mas posso garantir-lhes que laboram em erro. Rugir não melhora um tolice. Deus não nos pede que gritemos como se estivéssemos falando a dez mil pessoas, quando nos dirigimos a trezentas somente. Sejamos convincentes em razão da excelência do assunto e da energia de espírito que aplicamos à apresentação dele. Numa palavra, vejamos que o nosso falar seja natural e vívido. Espero que já tenhamos anatematizado os truques dos oradores profissionais – os efeitos forçados, o clímax calculado, a pausa planejada, o pavonear teatral, a declamação artificiosa das palavras, e não sei que mais – que podem ver em certos clérigos pomposos que ainda sobrevivem na face da terra. Oxalá dentro em pouco sejam eles espécies extintas. Oxalá todos nos aprendamos um modo simples, natural e vivo de falar do evangelho, porque estou persuadido de que esse estilo é o que tende a ser abençoado por Deus. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 40 Entre muitas outras coisas, precisamos cultivar a persuasão. Alguns irmãos exercem grande influência sobre as pessoas, ao passo que outros, dotados de maiores dons, são nulos nisso. Estes parecem que não tomam contato com as pessoas, não as cativam e não tocam sua sensibilidade. Há pregadores que, em seus sermões, parecem pegar um por um dos ouvintes pela gola, e enfiar direto em suas almas a verdade. Outros generalizam tanto, e além disso são tão frios, que fazem pensar que estão falando de habitantes de algum planeta remoto, cujos assuntos não lhes interessam muito. Aprendam a arte de pleitear com os homens. Farão bem isso se olharem com freqüência para o Senhor. Se bem me lembro, o velho conto clássico diz-nos que, quando um soldado estava para matar Dario, o filho deste, que era mudo desde a infância, de repente gritou surpreso: "Você não sabe que ele é o reí?" Sua língua silenciosa foi solta pelo amor a seu pai. Bem pode acontecer que a nossa língua encontre fala vigorosa quando virmos o Senhor crucificado por causa do pecado. Se houver alguma fala em nos, isto a levantará. Também o conhecimento dos terrores do Senhor nos há de ativar para persuadirmos os homens. Não podemos fazer outra coisa que insistir com eles para que se reconciliem com Deus. Irmãos, observem aqueles que amorosamente conquistam pecadores para Jesus. Descubram o seu segredo, e não descansem enquanto não obtiverem o mesmo poder. Se vocês os acham muito simples e toscos, mas vêem que eles são realmente úteis, diga cada um a si próprio: "É esse o meu modelo." Se, por outro lado, ouvem um pregador muito admirado, e, ao pesquisarem, vêem que almas não se convertem salvadoramente, cada qual diga a si mesmo: "Isto não é para mim, pois não estou procurando ser grande, e, sim útil de fato." . Portanto, vejam que a sua oratória melhore constantemente em clareza, em poder de convicção, em naturalidade e em persuasão. Diletos irmãos, tentem conseguir um estilo de alocução tal que os leve a adaptar-se aos seus ouvintes. Muita coisa depende disso. O pregador que se dirigisse a ouvintes com bom grau de instrução em Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 41 linguagem que usaria ao falar a um grupo de feirantes se mostraria louco. Por outro lado, aquele que se põe entre mineiros e carvoeiros empregando expressões técnicas da teologia e frases próprias das salas de recepção, age como idiota. A confusão de línguas em Babel foi mais completa do que imaginamos. Não deu línguas diferentes a grandes nações apenas, mas fez com que a fala de cada classe diferisse das outras. Um sujeito de um mercado de peixes como Billingsgate não pode entender um figurão de Brasenose College, Oxford. Agora, como o feirante não pode aprender o linguajar universitário, que o universitário trate de aprender o linguajar do feirante. "Empregamos a linguagem do mercado", dizia Whitefield, e isto o honrava muito. Todavia, quando se levantava no salão da condessa de Huntingdon, e a sua palavra encantava os nobres descrentes que ela trazia para ouvi-lo, adotava outro estilo. Sua linguagem era igualmente clara em cada caso, porque era igualmente familiar aos ouvintes. Não usava ipsissima verba, caso em que a sua linguagem perderia a clareza num ou outro caso e, ou seria baixo calão para a nobreza, ou grego para o povo comum. Em nossa maneira de falar devemos procurar ser "tudo para todos." O maior mestre da oratória é aquele que é capaz de dirigirse a qualquer classe de pessoas de maneira adequada à condição delas, e de molde a tocar-lhes o coração. Irmãos, não deixemos que ninguém seja melhor do que nós na capacidade de falar; Não deixemos que ninguém nos sobrepuje no domínio da nossa língua materna. Amados companheiros de armas, nossas línguas são as espadas que Deus nos deu para que as usemos por Ele, tal como se disse de nosso Senhor: "Da sua boca saía uma aguda espada de dois fios." Afiem bem essas espadas. Cultivem a sua capacidade de falar, e estejam entre os maiores do território na transmissão oral. Não os exorto por achar que sejam notadamente deficientes. Longe disso, pois toda gente me diz: "Conhecemos os seus alunos pelo falar claro e destemido deles." Isto me leva a crer que vocês Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 42 têm em si grandes porções do dom, e lhes rogo que dêem duro para aperfeiçoá-lo. 3. Irmãos, temos que ser mais zelosos ainda em ir avante nas qualidades morais. Oxalá os pontos que vou mencionar se prestem aos que deles necessitam, mas eu lhes asseguro que não tenho nenhum de vocês particularmente em mira. Desejamos subir ao mais elevado gênero de ministério e, sendo assim, ainda que obtenhamos qualificações intelectuais e oratórias, falharemos se não possuirmos também altas qualidades morais. Há males que devemos sacudir de nós como Paulo sacudiu da mão a víbora, e há virtudes que devemos obter a qualquer custo. A auto-indulgência já matou os seus milhares. Tremamos ante o perigo de perecer às mãos dessa Dalila. Tratemos de manter todas as paixões e hábito sob a devida sujeição. Se não formos senhores de nós mesmos, não estaremos aptos a ser dirigentes na igreja. Temos que por fora toda idéia de importância pessoal nossa. Deus não abençoará o homem que se considera grande. Gloriar-se mesmo na obra de Deus o Espírito em você é pisar perigosamente perto da adulação própria. "Louve-te o estranho, e não a tua boca" – e fiquem contentes quando esse estranho tiver bastante bom sonso para segurar a língua. Também precisamos dominar o nosso temperamento. O temperamento forte não é totalmente um mal. Homens chochos como sapatos velhos geralmente são de pouco valor. Eu não lhes diria: "Caros irmãos, tenham gênio forte", mas lhes digo: "Se o têm, tratem de dominá-lo cuidadosamente." Dou graças a Deus quando vejo um ministro com temperamento suficientemente forte para indignar-se com o erro, e para manter-se firme por aquilo que é reto. Contudo, o temperamento forte é uma ferramenta cortante, e muitas vezes fere aquele que o manuseia. "Gentil, sensível aos rogos" – preferindo sofrer o mal antes de infligi-lo, este deve ser o nosso espírito. Se algum irmão Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 43 aqui ferve depressa demais, saiba que ao fazê-lo não escalda a ninguém senão ao diabo, e então é melhor que se evapore. Precisamos – especialmente alguns de nós – vencer nossa tendência para a leviandade. Existe grande distinção entre a santa jovialidade, que é uma virtude, e aquela leviandade geral, que é um defeito moral. Há uma leviandade que não tem suficiente ânimo para rir, mas que zomba de tudo; é irreverente, fútil e falsa. A risada sincera não constitui leviandade, mais que o choro sincero. Falo daquela capa religiosa que é pretensiosa, mas rala, superficial e insincera quanto às questões de peso. Piedade não é brincadeira. Nem mera formalidade. Cuidem-se para não serem atores. Nunca dêem a pessoas sérias a impressão de que vocês não crêem no que dizem, e que não passam de profissionais. Ter fogo nos lábios e gelo na alma é nota de reprovação. Deus nos livre de sermos superfinos e superficiais. Oxalá jamais sejamos as borboletas do jardim de Deus. Ao mesmo tempos, devemos evitar tudo que lembre a ferocidade da intolerância. Conheço uma classe de pessoas religiosas que, não tenho dúvida, nasceram de mulher, mas parecem ter sido amamentadas por uma loba. Não lhes faço ofensa; não foram criados assim Rômulo e Remo, fundadores de Roma? Alguns homens belicosos dessa ordem tiveram bastante poder intelectual para fundar dinastias do pensamento. Mas a bondade humanitária e o amor fraternal associam-se melhor ao reino de Cristo. Não devemos sair pelo mundo à capa de heresias, como cães terrier farejando ratos. Tampouco haveremos de confiar tanto em nossa infalibilidade, a ponto de levantarmos pelourinhos eclesiásticos para neles queimar todos os que diferem de nós, Não, é certo, com feixes de lenha, mas com aquele carvão de zimbro, que consiste de forte preconceito e desconfiança cruel. Em acréscimo a isso tudo, há maneirismos, caprichos e comportamentos que não posso descrever agora, contra os quais devemos lutar. Sim, porque pequeninas falhas muitas vezes podem ser a causa do fracasso, e libertar-nos delas pode ser o segredo do sucesso. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 44 Não menoscabem aquilo que mesmo em diminuto grau estorva a sua ação proveitosa. Expulsem do templo da sua alma as bancas dos vendedores de pombas, bem como dos comerciantes de ovelhas e vacas. Além disso, diletos irmãos, precisamos adquirir certos hábitos e faculdades morais, bem como lançar fora os seus opostos. Aquele que não tem integridade de espírito jamais fará muito pela causa de Deus. Se nos orientarmos pela política, se adotarmos qualquer modo de agir que não seja reto, em pouco tempo naufragaremos. Caros irmãos, estejam dispostos a ser pobres, a ser desprezados, a perder a vida – não, porém, a agir desonestamente. Que para vocês a única política seja a honestidade. Oxalá possuam também a grande característica moral da coragem. Por esta não queremos dizer impertinência, atrevimento ou presunção, mas a verdadeira coragem de fazer e dizer calmamente a coisa certa, e ir em frente em todas as circunstâncias, ainda que não haja ninguém para dizer-lhe uma boa palavra. Espanta-me o número de cristãos que têm medo de falar a verdade aos seus irmãos na fé. Graças a Deus, posso dizer que não há um membro da minha igreja, nenhum oficial da igreja, e nenhum homem do mundo a quem eu tema dizer na frente o que diria em sua ausência. Abaixo de Deus, devo minha posição em minha igreja à ausência de toda política, e ao hábito de dizer o que penso. A idéia de tornar as coisas agradáveis a todos é perigosa e iníqua. Se você diz uma coisa a um homem, e outra a outro, um dia eles compararão as notas, e você será posto a descoberto e será desprezado. O homem de duas caras mais cedo ou mais tarde será objeto de desdém, e com razão. Acima de tudo, evitem a covardia, pois esta torna mentirosos os homens. Se tiverem que dizer algo acerca de uma pessoa, seja esta a medida do que digam – "Quanto ousarei dizer na presença dela?" Não se devem permitir sequer uma palavra mais de censura a qualquer ser vivente. Se a sua regra for esta, a sua coragem os livrará de mil dificuldades, e lhes granjeará respeito duradouro. Tendo integridade e coragem, diletos irmãos, oxalá sejam dotados de zelo indômito. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 45 Zelo? Que é isso? Como o descreverei? Tratem de possuí-lo, e saberão o que é. Deixem-se consumir de amor a Cristo, e vejam que a chama continue a arder ininterruptamente não ardendo em chamas vivas nas reuniões públicas, e morrendo no trabalho rotineiro de cada dia. Necessitamos perseverança indomável, resolução infatigável, e uma combinação de piedosa obstinação, abnegação, amabilidade santa e coragem invencível. Aprimorem-se também numa capacidade que é ao mesmo tempo moral e intelectual, a saber, a capacidade de concentrar todas as suas forças na obra a que foram chamados. Colijam os seus pensamentos, reúnam todas as suas faculdades, juntem as suas energias, focalizem as suas capacidades. Despejem todos os mananciais da sua alma num só canal, fazendo-o jorrar para diante numa só corrente indivisa. A alguns falta essa qualidade. São dispersivos, e fracassam. Juntem os seus batalhões e lancem-nos sobre o inimigo. Não tentem ser grandes nisto e naquilo – ser "tudo em turnos, e nada duradouramente", mas consintam que toda a sua natureza seja levada cativa por Jesus Cristo, e deponham tudo aos pés dAquele que derramou o Seu sangue e morreu por vocês. 4. Acima disso tudo, precisamos de qualificações espirituais, graças que hão de ser desenvolvidas em nós pelo Senhor. Estou certo de que esta é a principal questão. Outras coisas são preciosas, mas esta não tem preço. Devemos ser ricos para com Deus. É necessário que nos conheçamos a nós mesmos. O pregador deve ser grande na ciência do coração, na filosofia da experiência interior. Existem duas escolas de experiência, e nenhuma tem prazer em aprender da outra. Tenhamos satisfação em aprender de ambas. Uma fala de filho de Deus como alguém que conhece a profunda depravação do seu coração, que compreende a asquerosidade da sua natureza, e diariamente sente que em sua carne não habita bem algum. "O homem que não sabe e não sente isso", dizem os dessa escola, "e que o sente mediante amargas e penosos experiências do dia a dia, não tem em si, a vida de Deus." É Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 46 inútil falar-lhes da liberdade e da alegria no Espírito Santo. Não as têm. Aprendamos desses irmãos unilaterais. Sabem muito daquilo que se deve saber. Ai do ministro que ignora o seu conjunto de verdades. Martinho Lutero costumava dizer que a tentação é o melhor mestre do ministro. Há verdade nesse lado da questão. Outra escola de crentes detém-se demoradamente na gloriosa obra do Espírito de Deus. Tais irmãos fazem bem. E bem-aventurados são por isso. Crêem no Espírito de Deus como um poder purificador, que varre os estábulos imundos da alma e faz dela um templo para Deus. Mas freqüentemente falam como se não pecassem mais, ou se não fossem mais importunados por tentações. Gloriam-se como se já tivessem terminado a batalha e obtido a vitória. Aprendamos desses irmãos. Tratemos de conhecer toda a verdade que nos possam ensinar. Familiarizemo-nos com os picos culminantes e com a gloria que neles fulge, com os montes Hermom e Tabor onde podemos transfigurar-nos com nosso Senhor. Não temam ficar demasiado santos. Não temam encher-se demais do Espírito Santo. Gostaria que vocês fossem sábios dos dois lados, e capazes de lidar com as pessoas, tanto em seus conflitos como em suas alegrias, familiarizados com ambos os tipos de experiência. Saibam onde Adão os deixou; saibam onde o Espírito de Deus os colocou. Não se limitem a saber um desses aspectos tão exclusivamente que esqueçam o outro. Creio que se há homens tendentes a clamar: "Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" serão sempre os ministros, porque temos que ser tentados em todos os pontos, para podermos consolar outros. Num vagão de trem eu vi, na semana passada, um pobre homem com a perna estendida sobre o assento. Um funcionário, vendo-o nessa posição, observou-lhe: "Estes estofados não foram feitos para você pôr neles as suas botas sujas." Logo que o guarda se foi, o homem tornou a estender a perna, e me disse: "Estou certo de que ele nunca fraturou a perna em dois lugares, ou não seria tão duro comigo." Quando ouço Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 47 irmãos que vivem comodamente, com boa renda, condenarem outros muito provados, por não se alegrarem estes como aqueles, percebo que nada sabem dos ossos quebrados que outros têm que arrastar durante toda a sua peregrinação. Irmãos, conheçam o homem em Cristo e fora de Cristo. Estudem-no em seu melhor e em seu pior estado. Conheçam a sua anatomia, os seus segredos e as suas paixões. Não podem fazer isso por meio de livros. Precisam ter experiência espiritual pessoal. Somente Deus lhes pode dar isso. Dentre todas as aquisições espirituais, é necessário além de todas as outras coisas, conhecer Aquele que é o remédio certo para todas as doenças. Conheçam Jesus. Sentem-se a Seus pés. Considerem Sua natureza, Sua obra, Seus sofrimentos, Sua gloria. Regozijem-se em Sua presença – tenham comunhão com Ele, dia após dia. Conhecer a Cristo é compreender a ciência mais excelente. Vocês não podem deixar de ser sábios, se tiverem comunhão com a sabedoria. Não lhes poderá faltar força, se tiverem comunhão com o poderoso Filho de Deus. Outro dia vi numa gruta italiana urna minúscula samambaia crescendo num local onde as suas folhas cintilavam e dançavam continuamente sob os borrifos de uma fonte. Estava sempre verde. Nem a sequidão do estio, nem o frio do inverno a afetavam. Assim, vivamos sempre sob a doce influência do amor de Jesus. Permaneçam em Deus, irmãos. Não O visitem ocasionalmente, mas habitem nEle. Na Itália se diz que onde não entra o sol, entra o médico. Onde não brilha Jesus, a alma está doente. Aqueçam-se aos raios de Sua luz, e vocês serão vigorosos no serviço do Senhor. Domingo passado, à noite, usei um texto que me empolgou: "Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Disse eu aos ouvintes que os pobres pecadores que tinham vindo a Jesus e confiaram nEle pensavam que O conheciam, mas conheciam apenas um pouco dEle. Santos com sessenta anos de experiência, que andavam todo dia com Ele, acham que O conhecem. Contudo, são apenas principiantes ainda. Os espíritos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 48 perfeitos perante o trono, que durante milênios O adoram perpetuamente, talvez pensem que O conhecem, mas não O conhecem plenamente. "Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Cristo é tão glorioso que somente o Deus infinito tem pleno conhecimento dEle. Portanto, não haverá limite para o nosso estudo, nem estreiteza em nossa linha de pensamento, se fizermos de nosso Senhor o grande objeto de todas as nossas meditações. Irmãos, como resultado disso, se é que havemos de ser homens fortes, temos que amoldar-nos a nosso Senhor. Oh, ser como Ele! Bendita a cruz em que sofrermos, se sofrermos para tornar-nos semelhantes ao Senhor Jesus. Se nos amoldarmos a Cristo, teremos prodigiosa unção sobre o nosso ministério, e sem isso, de que vale um ministério? Numa palavra, precisamos esforçar-nos pela santidade de caráter. Santidade, que é? Não é integridade de caráter? Uma condição equilibrada em que não há falta nem excesso? Não é moralidade. Esta é uma estátua fria e sem vida. Santidade é vida. Vocês têm que ter santidade. E, amados irmãos, se falharem nas qualificações intelectuais (como espero que não), e se tiverem escassa medida de poder oratório (como creio que não), todavia, confiem nisto: uma vida santa é, em si mesma, um poder maravilhoso, e suprirá muitas deficiências. É, de fato, o melhor sermão que o melhor homem pode pregar. Tomemos a resolução de que toda a pureza que se possa ter, teremos, que toda a santidade que se possa alcançar, obteremos, e que toda a semelhança com Cristo que seja possível neste mundo de pecado, por certo haverá em nós, mediante a obra do Espírito de Deus. O Senhor nos eleve a todos, como colégio, a uma tribuna mais alta, e Ele terá a gloria! 5. Caros irmãos, ainda não terminei. Tenho que dizer-lhes: vão avante no trabalho prático, pois, no fim das contas, seremos conhecidos pelo que tivermos feito. Devemos ser tão poderosos em atos como na palavra. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 49 Há bons irmãos no mundo que não são nada práticos. A grandiosa doutrina da segunda vinda os faz ficar de boca aberta, com os olhos nos céus, de modo que me disponho a dizer: "Varões de Plymouth, por que estais olhando para o céu?" O fato de que Jesus está para vir não é razão para contemplação das estrelas, mas, sim, para trabalhar no poder do Espírito Santo. Não se deixem levar tanto por especulações, que cheguem a preferir ler uma obscura passagem do Apocalipse a ensinar numa escola de maltrapilhos, ou discursar aos pobres sobre Jesus. É preciso que acabemos com os sonhos à luz do dia, e que nos lancemos ao trabalho. Acredito em ovos, mas temos que fazer com que saiam frangos deles. Não importa o tamanho do ovo. Pode ser ovo de avestruz, se quiserem, mas, se não houver nada nele, fora com a casca! Se sair alguma coisa dele, Deus abençoe as suas especulações, e mesmo que vocês vão um pouco além do que julgo sábio aventurar-se, ainda assim, se isso os tornar mais úteis, louvado seja Deus! Queremos fatos – ações realizadas, almas salvas. Está bem que se escrevam ensaios. Mas, quais almas vocês impediram de ir para o inferno? A maneira excelente como dirigem a sua escola interessa-me. Mas, quantas crianças foram trazidas para a igreja por meio dela? Alegra-nos ouvir daquelas reuniões especiais. Mas, quantos realmente nasceram de novo nelas? Os santos são edificados? Convertem-se pecadores? Balançar para lá e para cá num portão de cinco travas não é progresso, conquanto alguns parecem pensar que sim. Vejo-os num perpétuo Elísio, sussurrando para si mesmos e para os amigos: "Estamos muito bem acomodados." Deus nos livre de viver confortavelmente, enquanto os pecadores afundam no inferno. Viajando pelas estradas das montanhas da Suíça, vêem-se continuamente marcas de perfuratrizes; e na vida de todo ministro devem existir trapos de duro labor. Irmãos, façam alguma coisa; façam alguma coisa; façam alguma coisa. Enquanto as comissões desperdiçam tempo em deliberações, façam alguma coisa. Enquanto as sociedades e uniões elaboram estatutos, ganhemos almas. Muitas vezes discutimos, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 50 discutimos, e discutimos, e Satanás ri-se à socapa. É tempo de parar de planejar e de procurar o que planejar. Rogo-lhes, sejam homens de ação, todos vocês. Mãos à obra, e tratem de sair-se como homens. A idéia de guerra do velho Suvarov é também a minha: "Avançar e lutar! Nada de teorias! Ao ataque! Formar fileiras! Baionetas á carga! Afundem no centro do inimigo!" Nosso único objetivo é salvar almas, e isto não é coisa para comentar, mas para fazer no poder de Deus. 6. Finalmente, e aqui vou entregar-lhes uma mensagem que pesa sobre mim – prossigam avante na questão da escolha da sua esfera de ação. Rogo hoje por aqueles que não podem rogar por si, a saber, as grandes multidões do mundo pagão, em outras terras. Os nossos púlpitos atuais estão toleravelmente bem supridos, mas temos necessidade de homens que edifiquem sobre novos alicerces. Quem o fará? Estamos nos, como uma companhia de homens fiéis, com a consciência esclarecida acerca dos pagãos? Milhões há que nunca ouviram o nome de Jesus. Centenas de milhões viram um missionário só uma vez em suas vidas, e nada sabem do nosso Reí. Deixaremos que pereçam? Podemos ir para a cama e dormir enquanto a China, a Índia, o Japão e outros países estão sob condenação? Estamos limpos do sangue deles? Não têm eles direito sobre nós? Devemos colocar a coisa neste pé: "Posso provar que não devo ir?" e Não: "Posso provar que devo ir?" Quando alguém pode provar honestamente que não deve ir, está absolvido; de outra forma, não. Meus irmãos, que resposta darão? Apresento-lhes a questão pessoa por pessoa. Não lhes levanto uma questão que eu não tenha apresentado honestamente a mim mesmo. Tenho pensado que, se alguns dos nossos principais ministros fossem, causaria grande efeito, dando incentivo ás igrejas, e me perguntei sinceramente se eu devia ir. Depois de pesar todos os pontos, senti-me levado a manter o meu lugar. Creio que o julgamento da maioria dos cristãos seria o mesmo. Mas creio que iria alegremente se esse fosse o meu dever. Irmãos, procurem situar-se pelo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 51 mesmo processo. Temos que levar os pagãos a converter-se. Deus tem miríades de eleitos Seus entre eles. Compete-nos ir e procurá-los, até encontrá-los. Muitas dificuldades foram removidas, as terras estão todas abertas para nós, e as distâncias foram anuladas. É certo que não temos o dom pentecostal de línguas, mas rapidamente se aprendem línguas, enquanto que a arte de imprimir equivale bem ao dom perdido. Os perigos próprios das missões não deveriam segurar nenhum homem de verdade, ainda que fossem muito grandes, mas estão agora reduzidos ao mínimo. Há centenas de lugares em que a cruz de Cristo é desconhecida, lugares aos quais podemos ir sem risco. Quem irá? Devem ir os irmãos jovens, bem dotados, e que não tomaram ainda responsabilidades de família. Todo estudante, ao matricular-se nesta escola, deve considerar esta matéria, e entregar-se à obra, a menos que haja razões concludentes para não fazer isso. É um fato que, mesmo para as colônias, é bem difícil encontrar homens, pois tive oportunidades na Austrália que fui obrigado a declinar. Não devia ser assim. Decerto existe ainda algum sacrifício próprio entre nós, e alguns de nós estão dispostos a exilar-se por Jesus. A missão desfalece por falta de homens. Se aparecessem os homens, a liberalidade da igreja supriria as necessidades deles. De fato a liberalidade da igreja já fez a provisão dos recursos, mas, apesar disso, não há homens para ir. Irmãos, jamais acharei que nós, como um grupo de homens, cumprimos o nosso dever enquanto não virmos companheiros nossos lutando por Jesus em todas as terras, situados na vanguarda do conflito. Creio que, se Deus os impulsionar a irem, estarão entre os melhores missionários, porque farão da pregação do evangelho o traço dominante do seu trabalho, e é esse o caminho certo de Deus para o poder. Gostaria que as nossas igrejas imitassem a do pastor Harms, da Alemanha, na qual cada membro era consagrado a Deus, de fato e de verdade. Os fazendeiros davam os produtos de suas terras, os operários seu trabalho. Alguém deu uma casa grande para o funcionamento de uma Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 52 escola da missão. O pastor Harms obteve dinheiro para um navio, que ele equipou, para viagens à África. Daí, enviou missionários, e pequenos grupos de sua igreja com eles, para formar comunidades cristãs entre os boximanes. Quando é que as nossas igrejas vão ser assim abnegadas e dinâmicas? Vejam os morávios! Como cada homem e mulher se torna um missionário, e quanto fazem em conseqüência! Captemos o espírito deles. É certo esse espírito? Então é certo possuí-lo. Não nos basta dizer: "Esses morávios são gente extraordinária!" Devemos ser extraordinários também. Cristo não resgatou os morávios mais do que a nós. Eles não têm maior obrigação de fazer sacrifícios do que nós. Então, por que esta negligência? Quando lemos sobre homens heróicos, que entregaram tudo por Jesus, não devemos admirá-los simplesmente, mas imitá-los. Quem os imitará agora? Decidamos de uma vez! Não há alguns de vocês desejosos de consagrar-se ao Senhor? "Avante" é a palavra-senha hoje! Não há espíritos valentes que tomem a vanguarda? Orem todos para que, durante este Pentecoste, o Espírito diga: "Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra." Avante! Em nome de Deus, AVANTE!! ___________________________________________ * Não se engane o leitor, pensando que a situação é melhor hoje. Na verdade, na população atual de mais de quatro bilhões, bilhões não conhecem Jesus Cristo! – Nota do Tradutor. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 53 NECESSIDADE DE DECISÃO PELA VERDADE Algumas coisas são verdadeiras e algumas são falsas. Considero isso um axioma. Mas há muitas pessoas que, evidentemente, Não acreditam nisso. Parece que o princípio vigente na era atual é este: "As coisas são verdadeiras ou falsas, conforme o ponto de vista do qual as olhamos. O preto é branco, e o branco é preto, segundo as circunstâncias; e não importa muito como as denominemos. É certo que a verdade é verdadeira, mas seria descortês dizer que o seu oposto é mentira. Não devemos ter mentalidade estreita e, sim, lembrar o moto: "Tantos homens, tantas mentes." Os nossos antepassados eram decididos quanto a manter marcos. Tinham vigorosas noções sobre pontos fixos da doutrina revelada, e se apegavam tenazmente àquilo que acreditavam ser escriturístico. Seus campos eram protegidos por cercas e valas, mas seus filhos arrancaram as cercas, encheram as valas, nivelaram tudo, e brincaram de pular carniça com as pedras que marcavam os limites. A escola moderna de pensamento ri-se do "ridículo" caráter positivo dos reformadores e dos puritanos. Vai avançando em "gloriosa" liberalidade, e não vai demorar muito estarão proclamando uma grande aliança entre o céu e o inferno, ou melhor, o amálgama dos dois estabelecimentos em termos de concessão mútua, permitindo que a falsidade e a verdade se deitem lado a lado, como o leão com o cordeiro. Todavia, apesar disso, minha firme crença antiquada é que umas doutrinas são verdadeiras, e que afirmações que sejam diametralmente opostas a elas não são verdadeiras – que quando "Não" é o fato, "Sim" está fora do páreo, e que quando "Sim" é justificável, "Não" tem que ser abandonado. Creio que o cavalheiro que tem deixado perplexas as nossas cortes por muito tempo é, ou Roger Tichborne, ou alguma outra personagem (no rumoroso "Caso Tichborne", em que um réu assumiu falsamente a identidade de Tichborne). Ainda não sou capaz de conceber que ele seja ao mesmo tempo o verdadeiro herdeiro e um impostor. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 54 Entretanto, em questões religiosas o ponto de observação está mais ou menos nessa latitude. Meus irmãos, temos uma fé firme para pregar. Somos enviados com uma mensagem definida procedente de Deus. Não nos compete fabricar a mensagem enquanto vamos. Não somos enviados por nosso Mestre e Senhor com uma missão elaborada deste modo: "Conforme meditem em seu coração e inventem em sua cabeça, assim preguem. Mantenham-se a par dos tempos. O que quer que as pessoas queiram ouvir, digam-lhes, e serão salvas." Na verdade, não é isso que lemos. Há algo definido na Bíblia. Não é como um pedaço de cera que amoldamos como queremos, nem uma peça de tecido que cortamos de acordo com a moda. Os grandes pensadores, pelo que parece, vêem as Escrituras como uma caixa de letras com as quais podem brincar, fazendo delas o que querem, ou uma garrafa de mágico, da qual podem extrair qualquer coisa que escolham, desde o ateísmo até o espiritismo. Sou obsoleto demais para cair e prestar culto a essa teoria. Há algo que me foi dito na Bíblia – dito com certeza – não posto diante de mim com um "mas", um "talvez", um "se", um "pode ser", e cinqüenta mil suspeitas por detrás, de sorte que a soma e a suma disso tudo é: talvez não seja assim, afinal. É-me, porém, revelado como fato infalível, no qual se deve crer, e cujo oposto é um erro mortal, proveniente do pai da mentira. Portanto, crendo que existe tanto a verdade como a falsidade, que há verdades na Bíblia, e que o evangelho consiste de algo definido que deve ser crido pelos homens, cabe-nos sermos decididos quanto ao que ensinamos, e ensiná-lo de maneira decidida. Temos que lidar com homens que se perderão ou se salvarão, e certamente não serão salvos por doutrinas erradas. Temos que tratar com Deus, de quem somos servos. E não O honraremos proclamando falsidade. Tampouco nos dará recompensa, dizendo: "Bem está, servo bom e fiel. Manejaste o evangelho tão judiciosamente, como qualquer um que viveu antes de ti." Ocupamos uma posição muito solene, e o nosso espírito deve ser o do velho Micaías, que disse: "Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 55 isso falarei." Nem mais nem menos do que a Palavra de Deus somos chamados a proclamar. Mas essa Palavra somos obrigados a declarar com um espírito que convença os filhos dos homens de que, pensem o que pensarem dela, cremos em Deus, e não ficamos abalados em nossa confiança nEle. Irmãos, em que devemos ser positivos? Bem, existem cavalheiros que imaginam que não há princípios fixos sobre os quais firmar-se. "Talvez umas poucas doutrinas", disse-me alguém, "talvez umas poucas doutrinas seja possível considerar firmadas. Talvez esteja estabelecido que há um só Deus; mas não se deve dogmatizar sobre a Sua personalidade: muita coisa se pode dizer em favor do panteísmo." Homens assim se infiltram em nosso ministério, mas em geral do bastante astutos para esconder a permissividade de suas mentes sob a fraseologia crista. Deste modo, agem em harmonia com os seus princípios, pois, a sua regra fundamental é que a verdade é pouco importante. Quanto a nos – ou, pelo menos, quanto a mim – tenho certeza de que há um Deus, e pretendo pregá-Lo como faz alguém absolutamente seguro disso. Ele é o Criador dos céus e da terra, o soberano autor da providência, o Senhor da graça. Bendito seja o Seu nome, para todo o sempre! Não teremos questões e debates concernentes a Ele. Temos igualmente a certeza de que o livro chamado "Bíblia" é Sua Palavra, e é inspirado. Não no sentido em que Shakespeare, Milton e Dryden podem ter sido inspirados, mas num sentido infinitamente mais alto. Assim, na medida em que temos o texto exato, consideramos as próprias palavras dele como infalíveis. Cremos que tudo que se afirma no livro que nos vem de Deus deve ser aceito por nós como inelutável testemunho dEle, e nada menos que isso. Não permita Deus que nos enredemos nas várias interpretações do modus da inspiração, as quais por pouco não a eliminam. O livro é uma produção divina. É perfeito. É o superior tribunal de recursos – "o juiz que põe termo à demanda." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 56 Tampouco sonharia com blasfemar contra o meu Criador, como também questionar a infalibilidade da Sua Palavra. Também temos certeza quanto à doutrina da bendita Trindade. Não podemos explicar como cada uma das Pessoas, o Pai e o Filho e o Espírito Santo, pode ser distinta e perfeita e, contudo, serem os três um somente, de modo que não há senão um só Deus. Todavia, devemos crer de fato nesta doutrina, e pretender pregá-la, a despeito dos erros unitário, sociniano, sabeliano e outros quaisquer. Apegaremo-nos sempre com firmeza à doutrina da Trindade – da diversidade tríplice em unidade. Semelhantemente, irmãos, que não haja som incerto da nossa parte quanto à expiação de nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos deixar o sangue fora do nosso ministério, ou a vida dele se esvairá, pois podemos dizer do evangelho: "O sangue é a vida dele." Cristo, o Substituto perfeito, o sacrifício vicário de Cristo em favor do Seu povo para que viva por meio dEle – isto devemos anunciar até o dia da nossa morte. Tampouco devemos vacilar na mente por um momento sequer quanto ao grande e glorioso Espírito de Deus – quanto à veracidade da Sua existência, da Sua personalidade, do poder de Suas operações, da necessidade da Sua influência, da certeza de que ninguém se regenera, senão graças a Ele; quanto ao fato de que nascemos de novo pelo Espírito de Deus, e que o Espírito habita nos crentes e é o Autor de todo o bem neles, sendo Ele que os santifica e os preserva, sem o qual eles não podem fazer absolutamente nada que seja bom. Não hesitaremos de jeito nenhum quanto à proclamação destas verdades. A absoluta necessidade do novo nascimento é uma certeza também. Desçamos a demonstrações quando tocarmos nesse ponto. Jamais envenenemos nosso povo com a noção de que o melhoramento moral será suficiente. Digamos repetidamente: "Importa-vos nascer de novo." Não cheguemos à condição daquele ministro escocês que, depois que o velho John Macdonald pregou à sua igreja um sermão para pecadores, observou: "Bem, Sr. Macdonald, pregou um bom sermão, mas muito fora de lugar, pois não sei de nenhuma pessoa não regenerada em minha Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 57 igreja". Pobre alma! Com toda a probabilidade ele mesmo não era regenerado. Não! Não ousemos lisonjear os nossos ouvintes, mas continuemos a dizer-lhes que nasceram pecadores e necessitam nascer santos, ou, se não, jamais verão a face de Deus com aceitação. Horrendo mal é o pecado! Não vacilaremos quanto a isto. Falaremos desse assunto com tristeza e de modo positivo. E conquanto alguns sábios levantem difíceis questões sobre o inferno, não deixaremos de declarar os terrores do Senhor, e o fato de que o Senhor disse: "... irão estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna." Também jamais venhamos a emitir som incerto quanto à gloriosa verdade de que a salvação é totalmente pela graça. Se é que nós mesmos somos salvos, sabemos que somente a graça soberana de Deus o fez, e entendemos que deve ser a mesma coisa com os demais. Proclamemos: "Graça! Graça! Graça!", com todas as nossas forças, quer vivendo, quer morrendo. Vamos ser muito decisivos também com respeito à justificação pela fé, pois a salvação não é "de obras, para que ninguém se glorie". "Vida num olhar ao Crucificado" seja a nossa mensagem. Confiança no Redentor há de ser a graça salvadora que pediremos ao Senhor que implante no coração de todos os nossos ouvintes. E tudo mais que cremos ser verdade bíblica, preguemos resolutamente. Se houver questões que se podem considerar discutíveis ou relativamente pouco importantes, falemos delas com a medida de decido que seja apropriada. Mas pontos que não podem ser contestados, porque são essenciais e básicos, declararemos sem gaguejar, sem perguntar aos ouvintes: "Que querem que digamos?" Sim, e sem a escusa – "Estas são minhas opiniões, mas pode ser que as opiniões de outros sejam corretas." De modo nenhum devemos pregar o evangelho como nossas opiniões, mas, sim, como a mente de Deus o testemunho do Senhor concernente a Seu Filho, e com referência à salvação dos perdidos. Se nos fosse confiada a tarefa de elaborar o evangelho, poderíamos alterá-lo adaptando-o ao paladar deste século "modesto." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 58 Entretanto, jamais tendo sido empregados para dar origem às boas novas, mas simplesmente para repeti-las, não nos atrevamos a ir além daquilo que está registrado. O que Deus nos ensinou, isto ensinamos. Se não agimos assim, não somos aptos para a posição que ocupamos. Se tenho uma criada em casa, e por ela envio um recado a alguém á porta, e ela lhe acrescenta algo por sua própria conta, agindo assim poderá eliminar a alma mesma do recado, e será responsável pelo que fez. Não ficará mais a meu serviço, pois preciso de uma empregada que repita o que digo, tão de perto quanto possível, palavra por palavra. Se o faz, o responsável pela mensagem sou eu, não ela. Se alguém se zangar com ela pelo que disse, será muito injusto. Sua briga é comigo, não com a pessoa que empreguei para agir como o meu porta-voz. Aquele que tem a Palavra de Deus, digo que a fale fielmente, e não terá necessidade de responder aos oponentes, exceto com um "Assim diz o Senhor." Esta é, pois, a matéria a respeito da qual somos decididos. Como devemos demonstrar essa decisão? Não precisamos preocupar-nos em responder a esta pergunta. Nossa decisão se mostrará a seu modo. Se realmente cremos numa verdade, seremos decididos no que a ela se refere. Certamente não mostraremos a nossa decisão por meio daquele fanatismo obstinado, furioso e feroz que tira de todos os outros a oportunidade e a esperança de salvação, e a possibilidade de ser regenerado, ou até de serem decentemente sinceros, se sucede que divergem de nós quanto à cor de alguma escama do grande leviatã. Alguns indivíduos parecem ter sido moldados do modo contrário. Feitos para serem limas, rasparão mesmo. Sempre prontos para brigar com a gente, vivem levantando questões acerca da cor da invisibilidade, ou do peso de uma substancia inexistente. Sempre empunham armas contra nos, não por causa da importância do ponto em discussão, mas pela muito maior importância de serem eles o papa da sua facção. Não saiam pelo mundo de punhos cerrados para brigar, carregando um revólver teológico no bolso das calças. Não há sentido em ser uma espécie de galo de briga doutrinário, para excursionar exibindo seu brio, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 59 ou um terrier da ortodoxia, prontos para agarrar ratos heterodoxos às vintenas. Procurem ser suaves quanto ao modo, como também enérgico quanto ao conteúdo. Estejam preparados para lutar, e sempre tenham a espada presa à cintura, mas usem uma bainha. Não pode haver sentido em fazer ondular no ar a espada perante os olhos de toda gente para provocar conflito, à moda dos nossos bem-amados amigos da Irlanda. Deles se diz que, na Feira de Donnybrook, tiram seus casacos, arrastamnos no chão e gritam, enquanto brandem seus cacetes: "Algum cavalheiro terá a bondade de pisar na ponta do meu casaco?" São teólogos assim, de sangue quente e bravio, que nunca ficam em paz enquanto não estão totalmente metidos em guerra. Se vocês crêem realmente no evangelho, serão resolutos por ele através de meios mais razoáveis. A sua própria entonação revelará a sua sinceridade. Falarão como alguém que tem algo para dizer e que sabe que o que diz é verdade. Já observaram um velhaco quando está para dizer uma falsidade? Notaram a maneira como ele a articula? Leva muito tempo habilitar-se a contar bem uma mentira, pois os órgãos faciais não foram constituídos e ajustados originalmente para a complacente transmissão de falsidades. Quando alguém sabe que está dizendo a verdade, tudo nele corrobora a sua sinceridade. Todo advogado consumado e de experiência em pouco tempo sabe se uma testemunha é fiel à verdade ou se é um enganador. A verdade tem seu próprio ar e modo, seu próprio tom e ênfase. Eis ali um caipira bronco e desajeitado, no banco das testemunhas. O advogado procura enganá-lo e confundi-lo, se possível, mas lago vê que é uma testemunha honesta, e diz de si para si: "Gostaria de abalar a prova deste sujeito, pois vai prejudicar grandemente o meu lado da demanda." Sempre deve existir esse mesmo ar de veracidade no que concerne ao ministro cristão. Só que, como não está apenas dando testemunho da verdade, mas também quer que os outros se dêem conta dessa verdade e do poder dela, deve ele ter tom mais decidido do que uma simples testemunha que expõe fatos que podem ser acreditados ou Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 60 não, sem quaisquer conseqüências sérias num ou noutro caso. Lutero foi homem de decisão. Ninguém duvidava de que ele cria no que falava. Falava com estrondo, pois havia a força do raio em sua fé. Tudo nele pregava, pois toda a sua natureza cria. Podia-se pensar: "Bem, ele pode ser doido, ou estar completamente equivocado, mas crê seguramente no que diz. É a encarnação da fé. Seu coração transborda em seus lábios." Se havemos de demonstrar decisão quanto à verdade, é preciso que não o façamos somente por nosso tom e maneira, mas também por nossas ações diárias. A vida do homem sempre se impõe mais do que o seu falar. Quando os homens o avaliam, calculam seus atos como cruzeiros e suas palavras como centavos. Se há desacordo entre a sua vida e as suas doutrinas, a multidão de espectadores aceita sua prática e rejeita sua prédica. Uma pessoa pode saber muita coisa da verdade e, contudo, ser-lhe uma testemunha perniciosa, porque não lhe fortalece o crédito. O curandeiro que, na história clássica, proclamava um remédio infalível para resfriados, tossindo e espirrando no meio de cada frase do seu panegírico, pode servir de imagem e símbolo do ministro profano. O sátiro da fábula de Esopo ficou indignado com o homem que soprava quente e frio com a mesma boca, e fez bem indignar-se. Não posso conceber método mais seguro de predispor os homens contra a verdade do que este: fazer ressoar os louvores dela através dos lábios de homens de caráter duvidoso. Quando o diabo virou pregador nos dias do nosso Senhor, o Mestre mandou-o calar-se, pois não estava interessado em louvores satânicos. É ridículo ouvir boa verdade proveniente de um homem mau; é como farinha de trigo em saco de carvão. Da última vez que estive numa de nossas cidades escocesas, ouvir falar de um demente do manicômio que se julgava grande personalidade histórica. Com muita solenidade o pobre homem assumia atitude majestosa e exclamava: "Eu sou Sir William Wallace. Dê-me um pedaço de fumo." A descida de Sir William Wallace a um pedaço de tabaco era demasiado absurda para que se lhe atribuísse seriedade. Todavia, não é tão absurda nem tão triste como ver um professo embaixador da cruz Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 61 ganancioso, mundano, irascível ou indolente. Como seria estranho ouvir um homem dizer: "Sou servo do Deus Altíssimo, e irei para qualquer lugar onde possa receber o maior salário. Fui chamado para trabalhar somente pela glória de Jesus, e não irei a parte alguma, exceto à igreja de condição das mais respeitáveis. Para mim o viver é Cristo, mas não posso fazê-lo sem um salário compensador! " Irmão, se a verdade estiver em você, fluirá de todo o teu ser como o perfume se exala de todos os ramos do sândalo; impulsioná-lo-á para diante como os ventos alísios impelem os navios, inflando-lhes as velas todas; consumirá com sua energia toda a tua natureza como o incêndio na floresta queima todas as árvores da mata. A verdade não terá dado a você sua amizade totalmente, enquanto todos os seus feitos não estiverem marcados com o seu sinete. Devemos mostrar nosso espírito decidido em prol da verdade por meio dos sacrifícios que estamos dispostos a fazer. Este é, na verdade, o método mais eficiente, como também o mais penoso. Temos que estar prontos para renunciar a qualquer coisa, a tudo, por amor dos princípios que esposamos, e temas que estar dispostos a ofender os que mais contribuem para o nosso sustento, a afastar os nossos mais calorosos amigos, antes que trair nossas consciências. Temos que estar dispostos a ser mendigos quanto à bolsa, e refugos quanto à reputação, antes que agir como traidores. Podemos morrer, mas não podemos negar a verdade. O custo já foi calculado, e estamos resolvidos a comprar a verdade por qualquer preço, e a não vendê-la a preço nenhum. Bem pouco deste espírito se vê hoje em dia. Os homens têm fé salvadora, no entanto se eximem de problemas; têm grande discernimento, sabendo discernir onde está a sua própria conveniência; têm grande coração, sendo tudo para todos se, por todos os meios, podem economizar alguma quantia. Há muitos vira-latas por aí, que seguiriam aos calcanhares de qualquer pessoa que lhes dê comida. São dos primeiros a ladrar à decisão, chamando-lhe dogmatismo obstinado e fanatismo ignorante. Seu veredito de condenação não nos aflige; é o que deles esperávamos. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 62 Acima de tudo, devemos demonstrar o nosso zelo pela verdade esforçando-nos continuamente, a tempo e fora de tempo, para sustentá-la do modo mais terno e amável, mas ainda com muita seriedade e firmeza. Não é preciso falar aos crentes de nossas igrejas como se estivéssemos meio dormindo. Nossa pregação não deve ser um ronco articulado. É preciso que haja poder, vida, energia, vigor. Temos que lançar-nos nisso com todo o nosso ser, e mostrar que o zelo da casa de Deus nos consome. Como haveremos de manifestar a nossa decisão, o nosso espírito resoluto? Decerto não harpejando na mesma corda e repetindo vezes sem conta as mesmas verdades, com a declaração de que cremos nelas. Esse curso de ação só poderia ocorrer ao incompetente. O tocador de realejo não é modelo de decisão. Pode ter persistência, não porém consistência. Eu poderia indicar certos irmãos que aprenderam quatro ou cinco doutrinas, e as fazem girar sem parar, com sempiterna monotonia. Sempre me alegro quando eles tocam o seu realejo em alguma rua bem distante de onde moro. Enfadar os outros com perpétua repetição não é o modo de manifestar a nossa firmeza na fé. Meus irmãos, vocês fortalecerão a sua decisão se se lembrarem da importância destas verdades para as suas próprias almas. Os seus pecados foram perdoados? Vocês têm esperança do céu? Que influência têm sobre vocês as solenes verdades da eternidade? Por certo vocês não foram salvos sem essas coisas e, portanto, devem mantê-las, pois se sentirão perdidos se não forem verdadeiras. Vocês terão que morrer, e, estando cônscios de que somente essas coisas poderão sustê-los no artigo final, tratarão de sustentá-las com todas as suas forças. Não podem desistir delas. Como pode alguém renunciar a uma verdade que sente que é vitalmente importante para a sua alma? Diariamente pensa: "Tenho que viver dela, morrer sobre ela, sem ela fico infeliz agora, e estarei perdido para sempre. Portanto, com a ajuda de Deus, Não posso abandoná-la." Amados irmãos, sua experiência de todo dia os sustentará. Espero que já tenham percebido vividamente, e que experimentem muito mais ainda, o poder da verdade que apregoam. Creio na doutrina da eleição Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 63 porque tenho absoluta certeza que, se Deus não me escolhesse, eu jamais O escolheria. Tenho certeza que Ele me escolheu antes de eu nascer, ou do contrário nunca me escolheria depois disso. E me escolheu por razões que desconheço, pois eu nunca encontraria nenhum motivo em mim pelo qual Ele devesse olhar-me com amor especial. Assim, sou forçado a aceitar essa doutrina. Estou ligado à doutrina da depravação do coração humano, porque me vejo depravado no coração, e tenho provas diárias de que em minha carne não habita bem algum. Não posso deixar de afirmar que é preciso haver expiação antes do perdão, porque é o que a minha consciência requer, e disso depende a minha paz. O pequeno tribunal do interior do meu coração não fica satisfeito, a menos que alguma retribuição seja exigida pela afronta feita a Deus. Às vezes dizem que tais e quais afirmações não são verdadeiras; mas quando podemos responder que as experimentamos e provamos, que contestação há para esta forma de argumentar? Alguém expõe a fabulosa descoberta de que o mel não é doce. "Mas eu usei um pouco no meu café da manhã, e o achei dulcíssimo", diz você, e sua resposta é conclusiva. O outro lhe diz que o sal é venenoso, mas você mostrará sua saúde e declarará que tem usado sal na comida nos últimos vinte anos. Diz ele que comer pão é um erro – erro vulgar, absurdo antiquado; mas em cada refeição você fará do protesto dele um assunto para alegres risadas. Se você tem experiência diária e habitual da verdade da Palavra de Deus, não temo que sua mente sofra abalo com referência a ela. Aqueles jovens companheiros que nunca tiveram convicção de pecado, mas obtiveram a religião deles como tomam banho de manhã, saltando dentro da água – depressa pularão fora, como pularam dentro. Os que não sentem, nem as alegrias nem as depressões de espírito que demonstram vida espiritual, estão entorpecidos, e sua mão paralisada não segura a verdade com firmeza. Meros deslizadores da superfície da Palavra que, como as andorinhas, tocam a água com as asas, são os primeiros a voar de um território a outro, conforme os guiem considerações pessoais. Crêem agora nisto, depois naquilo, pois em Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 64 verdade não crêem em nada intensamente. Se você já foi arrastado pelo barro e pela lama do desespero de alma, se foi lançado de pernas para o ar, e foi enxuto como um prato quanto a toda sua força e orgulho, e depois a alegria e a paz de Deus, mediante Jesus Cristo, encheram o seu coração, confiarei em você dentre cinqüenta mil infiéis. Sempre que escuto os surrados ataques dos céticos à Palavra de Deus, sorrio dentro de mim e penso: "Ora, você, simplório! Como pode levantar tão tolas objeções? Nas controvérsias íntimas que enfrento com a minha própria descrença tenho sentido dificuldades dez vezes maiores." A nós, que temos competido com cavalos, não nos cansarão os que correm a pé. Gordon Cumming e outros matadores de leões não hão de assustar-se com gatos selvagens. Tampouco os que já enfrentaram Satanás face a face irão deixar o terreno nas mãos de céticos pretensiosos, ou de quaisquer outros servos inferiores do maligno. Meus irmãos, se tivermos comunhão com o Senhor Jesus Cristo, não poderemos ser levados a duvidar dos pontos fundamentais do evangelho; nem poderemos ser indecisos. Olhar a cabeça com coroa de espinhos e as mãos e pés feridos é remédio certo para curar a "dúvida modernista" e todos os seus caprichos. Apegue-se à "Rocha eterna, partida por você", e detestará a areia movediça. O eminente pregador americano, o seráfico Summerfield, quando estava à morte, virou-se para um amigo no quarto e disse: "Dei uma olhada na eternidade. Oh, se eu pudesse voltar e tornar a pregar, como pregaria diferente do modo como o fiz!" Irmãos, dêem uma olhada na eternidade, se é que desejam ser resolutos. Recordem como, na alegoria de Bunyan, Ateu encontra Cristão e Esperançoso no caminho para a Nova Jerusalém, e diz: "Não existe um país celestial. Percorri longo caminho, e não pude encontrálo". Depois Cristão diz a Esperançoso: "Não o vimos do alto do Monte Claro, quando estávamos com os pastores?" Havia uma resposta! Assim, quando os homens nos dizem: "Não existe Cristo – Não há verdade na religião", replicamos: "Não nos assentamos à Sua sombra com grande Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 65 satisfação? O fruto que nos ofereceu não foi doce ao nosso paladar? Vão com o seu ceticismo aqueles que não sabem em quem têm crido. Nós provamos e apalpamos a boa palavra da vida. O que temos visto e ouvido, isso testificamos. E, quer recebam os homens o nosso testemunho, quer não, não podemos senão proclamá-lo, pois falamos o que sabemos, e testificamos o que temos visto." Meus irmãos, é esse o caminho certo para sermos decididos. Agora, finalmente, por que devemos ser decididos e arrojados nesta época em particular? Devemos ser assim porque esta época é marcada pela dúvida. Pulula de gente com dúvida como o antigo Egito pululava de rãs. Tropeçamos nessas pessoas por toda parte. Toda gente duvida de tudo, não apenas na esfera da religião, mas também da política e da economia social – em todas as esferas mesmo. É a era do progresso, e, daí, suponho que deve ser a época de soltar as amarras para que toda a massa política vá um pouco mais adiante. Bem, irmãos, como a época é de dúvida, seremos sábios se pisarmos e nos firmarmos onde tenhamos a certeza de ter a verdade sob nós. Talvez, se fosse uma época de fanatismo, e os homens não quisessem instruir-se, poderíamos inclinarnos a ouvir novos mestres. Mas agora temos que estar do lado conservador, e conservador radical, que é o lado verdadeiramente conservador. Temos que voltar à radix – à raiz da verdade, e lutar inflexivelmente por aquilo que Deus revelou, enfrentando assim as indecisões da época. Nosso eloqüente amigo, o Sr. Artur Mursell, descreveu adequadamente a época atual : "Fomos longe demais ao dizer que o pensamento moderno impacientou-se com a Bíblia, com o evangelho e com a cruz? Vejamos. Que parte da Bíblia não foi atacada? De há muito o Pentateuco foi varrido do cânon como inautêntico. O que lemos sobre a criação e o dilúvio é taxado de fábula. E as leis sobre limites, que Salomão não se acanhou de citar, são sepultadas ou largadas na estante. "Diferentes homens atacam diferentes porções do Livro, e vários sistemas assestam as suas baterias de preconceitos contra vários pontos. A Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 66 Escritura é até cortada em pedaços por alguns, e lançada aos quatro ventos do céu. E mesmo pelos mais tolerantes vândalos daquilo que é denominado pensamento moderno, é condensada, reduzindo-se a um magro panfleto de moralidade, em vez de ser o tomo de ensinamentos pelos quais temos a vida eterna. Dificilmente sobra um profeta que não tenha sido revisado pelos sabichões destes dias, precisamente com o mesmo espírito com que fariam revisão de uma obra da biblioteca de qualquer alfarrabista. O temanita e o suita jamais interpretaram mal o conturbado Jó com sequer a metade do preconceito dos renomados intelectos do nosso tempo. Isaías, em vez de serrado ao meio, é esquartejado e picado em pedaços. O profeta das lamentações é afogado em suas lágrimas. Ezequiel é reduz ido a átomos de pó entre as suas rodas. Daniel é corporalmente devorado pelos leões eruditos. E Jonas é tragado pelos monstros do abismo com voracidade maior do que a do grande peixe, pois nunca mais o lançam fora. Os relatos e os acontecimentos da crônica grandiosa são rudemente contestados e negados porque algum mestre-escala, de lousa e giz na mão, não consegue acertar as suas somas. "E todos os milagres que o poder de Deus realizou em favor do Seu povo, ou para a frustração dos inimigos deste, são tratados com desdém como absurdos, porque os catedráticos não podem fazer a mesma coisa com os seus encantamentos. Dos chamadas milagres, alguns poucos são críveis, porque os nossos líderes acham que eles mesmos podem realizálos. Alguns fenômenos naturais, que um doutor pode exibir a um grupo de militares interessados numa sala escura, ou com uma mesa- repleta de aparelhos, explicarão o milagre do Mar Vermelho. Um aeronauta sobe num balão, depois desce, e explica que não há mistério na coluna de nuvem e na de fogo – e outras ninharias desse tipo. Desta maneira, os nossos grandes homens ficam satisfeitos quando pensam que a sua vara de brinquedo engoliu a vara de Arão. Mas quando a vara de Arão ameaça engolir a deles, estes dizem que essa parte não é autêntica e que o milagre nunca ocorreu. "O Novo Testamento não se sai melhor do que o Velho nas mãos desses invasores. Não pagam taxa de respeito em sua homenagem quando cruzam a linha. Não reconhecem nenhuma voz de advertência no brado: "Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa." A mente que se detêm em sua carreira de rapina espiritual sob qualquer pretexto respeitável é acusada de ignorante ou servil. Hesitar em pisar num lírio ou numa flor do campo é tolice sentimental de criança, e a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 67 vanguarda do pensamento desta época só tem dó e escárnio para tal sentimento, pois anda de cabeça erguida por cima da sua alardeada marcha do progresso. Dizem que as lendas que se contam em nossas creches são obsoletas, e que idéias mais amplas estão ganhando terreno, graças a mentes mais capazes de pensar. Não nos inclinamos a crer nisso. A verdade é que poucos, bem poucos, homens que pensam, cujo pensamento consiste em negação do começo ao fim, e cujas mentes vivem torturadas por uma crônica contorção ou curva que as transforma em pontos de interrogação intelectuais, é que lançaram a base deste sistema. A esses poucos homens sinceros em suas dúvidas juntou-se um bando maior de gente simplesmente inquieta. E a essa gente acrescentaram-se homens que são inimigos do espírito e das verdades da Escritura. Todos eles juntos formaram um conciliábulo e deram em chamar-se líderes do pensamento contemporâneo. "Têm o seu séquito, é certo. Mas, de que consiste? De meros satélites da moda. De ricos, pedantes e ignorantes das nossas cidades populosas. Um cordão de carruagens se vê parando e saindo da entrada de um lugar onde um avançado professor fará uma preleção. E porque a propaganda do modista vai do piso ao teto da sala de conferências, dizem muitos que essas idéias estão ganhando terreno. Mas, numa época de modas como esta, quem jamais suspeitará que esses favoritos da moda sequer têm alguma idéia? É respeitável seguir certo nome por algum tempo, e assim os fúteis seguirão o nome e exibirão a roupa. Quanto às idéias, porém, não se suponha que essas pessoas as têm, mais do que elas mesmas sonhariam com esperar que mais da décima parte da multidões que vão à exibição da Academia Real de Artes entendam as leis da perspectiva. É isso que se tem que fazer; assim, todo aquele que tem uma veste para mostrar e um terno para expor, sai para exibir isso, e todos quantos pretendem andar na moda (e quem não pretende?), estão fadados a avançar com os tempos. E daí vemos as modas avançando pelos sagrados limites do Novo Testamento como se pisassem no assoalho de St. Albans, ou da sala de preleções de um professor qualquer. E as damas arrastam as caudas dos vestidos e os almofadinhas calcam suas enfeitadas botas sobre a autenticidade deste, ou sobre a autoridade daquele, ou sobre a inspiração de outro. "Gente que nunca ouviu falar de Strauss, de Bauer ou de Tübingen está inteiramente disposta a dizer que o nosso Salvador foi apenas um homem bem intencionado, que cometeu muitas faltas e erros; que os Seus milagres, como se acham registrados no Novo Testamento, são em parte Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 68 imaginários e em parte explicáveis pelas teorias naturais; que a ressurreição de Lázaro jamais ocorreu, visto que o Evangelho de João é falso de ponta a ponta; que se deve rejeitar a expiação como uma doutrina sangrenta e injusta; que Paulo foi um fanático que escreveu sem refletir, e que muito daquilo que leva seu nome nem sequer foi escrito por ele. Assim, de Gênesis a Apocalipse a Bíblia é apagada pela fricção da crítica até que, segundo a fé típica da era em que vivemos, como representada pelos seus líderes, assim chamados, sobram apenas uns poucos fragmentos inspirados." Além disso, esta época não duvida com sinceridade; vivemos no meio de uma raça descuidada e frívola. Se os que duvidam fossem sinceros, haveria mais lugares de reuniões de ímpios para serem freqüentados do que existem. Mas a descrença, como comunidade organizada, não prospera. Em Londres, a descrença aberta e declarada foi abaixo, não passando de uma velha cabana de ferro velho, em frente da igreja de São Lucas. Creio ser essa a sua posição atual. "O Salão da Ciência", não é como se chama? Sua literatura ficou exposta durante muito tempo na metade de uma loja da rua Fleet. Era tudo que conseguiu sustentar e não sei se mesmo essa metade de loja é usada atualmente. É algo pobre, obsoleto e tolo. No tempo de Tom Paine bravateava como um vigoroso blasfemo, mas falava claro e, a seu modo, era categórico e sério em sua ousadia no falar. Em dias passados, no comando estavam alguns nomes que se poderiam mencionar com certa medida de respeito. Hume, por exemplo, Bolingbroke e Voltaire eram grandes em talento, senão em caráter. Mas onde achar agora um Hobbes ou um Gibbon? Os que agora duvidam geralmente têm dúvidas porque não se preocupam nada com a verdade. São indiferentes de todo. O ceticismo moderno está jogando e brincando com a verdade; e usa o "pensamento moderno" como diversão, como as damas usam o jogo de croqué ou o de flechas ao alvo. Esta época não é nada menos que uma época de modas femininas, de bonecas e de comédia. Mesmo gente boa não crê integralmente, como seus pais costumavam crer. Até entre os nãoconformistas há alguns que estão vergonhosamente frouxos em suas Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 69 convicções. Têm poucas convicções dominadoras que poderiam levá-los ao pelourinho, ou mesmo à prisão. Os moluscos tomaram o lugar dos homens, e os homens viraram águas vivas. Longe de nós, o desejo de imitá-los! Ademais, é uma época muito impressionável. Portanto, gastaria de vê-los bem decididos, para poderem impressioná-la. O estupendo progresso feito pelo movimento da Igreja Anglo-Católica na Inglaterra mostra que fervor é poder. Os ritualistas crêem em algo, e esse fato deulhes influência. Para mim, o credo que lhes é peculiar é um disparate intolerável, e os seus procedimentos são tolices infantis. Mas eles ousaram ir contra a turba, e a fizeram voltar-se e colocar-se ao lado deles. Lutaram com bravura, digamo-lo em sua honra. Quando suas igrejas se tornaram cenários de tumuito e desordem, se ouvia o brado: "Papismo Não!", lançado pelas classes inferiores, enfrentaram valentemente o inimigo e jamais recuaram. Foram contra toda a corrente daquilo que se julgava ser o sentimento profundamente arraigado da Inglaterra em favor do protestantismo, quase não tendo um bispo para patrociná-los. Apenas com uns poucos pães e peixes para ampará-los, cresceram, de um punhado que eram, até se tornarem o partido dominante e mais importante da Igreja da Inglaterra, e para nossa intensa surpresa e horror, levaram o povo a receber de novo o papismo, que considerávamos morto e sepultado. Se alguém me tivesse dito há vinte anos que a feiticeira de En-Dor chegaria a ser rainha da Inglaterra, eu acreditaria tanto como poderia acreditar que veríamos este desenvolvimento da Igreja Anglo-Católica. O fato é, porém, que os homens foram fervorosos e resolutos, sustentaram com a maior firmeza aquilo em que criam, e não hesitaram em impulsionar para diante a sua causa. Portanto, nossa época pode ser impressionada. Receberá o que lhe for ensinado por gente zelosa, seja verdade ou falsidade. Poder-se-á objetar que a falsidade será recebida com maior prontidão. É bem possível. Mas os homens aceitarão qualquer coisa, se tão-somente vocês a pregarem com tremenda energia e com Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 70 vigoroso fervor. Se não a receberem no coração, em sentido espiritual, de algum modo haverá um assentimento e adesão mental, em grande proporção com a energia com que vocês a proclamarem. Sim, e Deus abençoará também o nosso espírito resoluto de modo que, quando a mente for ganha por nosso fervor, e a atenção for conquistada por nosso zelo, o coração será aberto pelo Espírito de Deus. Temos que ser decididos. Que é que os dissidentes vêm fazendo em grande medida, senão tentando ser requintados? Quantos ministros nossos estão labutando para serem grandes oradores ou pensadores intelectuais? Não é isto que importa. Nossos jovens ministros foram ofuscados por essa idéia, e saíram a zurrar como asnos selvagens sob a noção de que então teriam fama de virem de Jerusalém, ou de terem recebido educação na Alemanha. O mundo os descobriu. Agora creio que não há nada que os cristãos genuínos desprezem mais do que a estulta afetação de intelectualismo. Vocês ouvirão um velho e bom oficial da igreja dizer: "O Sr. Fulano, que tivemos aqui, era muito inteligente e pregava sermões esplêndidos, mas por isso a Causa foi abaixo. Mal podemos sustentar o ministro. Da próxima vez, pretendemos ter de volta um dos ministros da moda antiga que crêem em algo e o pregam. Se não, nossa igreja não terá acréscimo algum." Sairão vocês a dizer ao povo que crêem que podem dizer algo, mas não sabem o que é? Que não estão inteiramente seguros de que o que pregam é certo, mas os estatutos da igreja exigem que falem isso, e portanto o falam? Ora, talvez agradem a tolos e idiotas; e estejam certos de que propagarão a descrença, mas não poderão fazer mais que isso. Quando um profeta vai à frente, deve falar da parte do Senhor, e se não pode agir assim deixemo-lo voltar para a cama. É absolutamente certo, caros amigos, que temos que ser decididos agora ou nunca, porque a nossa época manifestamente vaga sem rumo. Não podemos passar doze meses observando sem ver como ela desce com a maré. As âncoras foram içadas, e o barco flutua rumo à destruição. Vai sendo levado agora, tão próximo como posso falar-lhes, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 71 na direção sudeste, e vai chegando no Cabo Vaticano. E se se afastar muito mais naquela direção, dará nas rochas dos baixios romanos. Temos que abordá-lo e ligá-lo ao glorioso rebocador da verdade do evangelho, e arrastá-lo de volta. Eu ficaria contente se pudesse trazê-lo fazendo-o rodear o Cabo Calvino, diretamente para a Baía do Calvário, e ancorá-lo no belo porto situado bem junto da Vera Cruz – a cruz de Cristo. Conceda-nos Deus Sua graça para o fazermos. Temos que ter mão forte, manter nosso vapor firme na rota e desafiar a corrente. E assim, pela graça de Deus, salvaremos esta geração e as gerações por vir. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 72 PREGAÇÃO AO AR LIVRE: ESBOÇO DE SUA HISTÓR IA Há certos costumes para os quais não há pontos a favor, exceto que são muito antigos. Em tais casos, a antigüídade não tem maior valor do que a ferrugem de uma moeda falsa. Contudo, é feliz a circunstância em que o uso das eras pode ser apresentado em favor de uma prática realmente boa e escriturística, pois a reveste de um halo de reverência. Pois bem, pode-se argumentar, quase sem temor de refutação, que a pregação ao ar livre é tão velha como a própria pregação. Estamos em plena liberdade para crer que Enoque, o sétimo depois de Adão, quando profetizava, Não pedia melhor púlpito que um outeiro, e que Noé, como pregoeiro da justiça, dispunha-se a arrazoar com os seus contemporâneos no estaleiro em que construía a sua maravilhosa arca. Certamente, Moisés e Josué achavam o seu lugar mais conveniente para discursar às enormes assembléias, debaixo do arco celeste, que dispensa colunas. Samuel concluiu um sermão no campo de Gilgal, no meio de chuva e trovões, sermão pelo qual repreendeu o povo e o levou a ajoelhar-se. Elias pôs-se de pé no Carmelo e desafiou a vacilante nação, bradando: "Até quando coxeareis entre dois pensamentos?" Jonas, cujo espírito era um tanto parecido, elevou seu brado de advertência nas ruas de Nínive, e em todos os seus logradouros públicos fez a proclamação da advertência: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida." Para ouvir Esdras e Neemias "todo o povo se ajuntou como um só homem, na praça, diante da Porta das Águas." Na verdade, encontramos exemplos de pregação ao ar livre em toda parte ao redor de nós nos registros do Velho Testamento. Contudo, talvez nos baste retornar à origem da nossa santa fé e ouvir ali o precursor do Salvador clamando no deserto e erguendo a voz à margem do Jordão. Mesmo o nosso Senhor que é o nosso modelo, mais que ninguém, pregou a maior parte dos Seus sermões na encosta da montanha ou na praia do mar ou nas ruas. Por todos os motivos e propósitos, o nosso Senhor foi pregador ao ar livre. Não ficava calado na Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 73 sinagoga, mas se sentia igualmente em casa no campo. Não temos em registro nenhum discurso dEle que tenha sido pronunciado numa capela real, mas temos o sermão do monte e o sermão da planície. Assim é que a mais antiga e a mais divina espécie de pregação foi praticada ao ar livre por Aquele que falou como nenhum homem jamais falou. Houve reuniões dos Seus discípulos depois da Sua morte, entre paredes, especialmente a que se deu no cenáculo. Mas a pregação continuou sondo feita mais freqüentemente no pátio do templo, ou em quaisquer outros espaços livres disponíveis. A noção de lugares santos e de casas consagradas para reuniões não lhes havia ocorrido, como cristãos. Pregavam no templo porque era o local mais freqüentado, mas com igual fervor, "de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de pregar Jesus, o Cristo." Os apóstolos e seus sucessores imediatos entregavam a sua mensagem de misericórdia, não somente em suas casas alugadas e nas sinagogas, mas também em todo lugar e sempre que a ocasião lhes favorecia. Isto se pode deduzir facilmente da seguinte afirmação de Eusébio: "Os divinos e admiráveis discípulos dos apóstolos edificaram a super-estrutura das igrejas, cujos alicerces tinham sido lançados pelos apóstolos, em todos os lugares aonde chegaram. Em toda parte deram prosseguimento à pregação do evangelho, semeando as sementes da doutrina celestial por todo o mundo. Muitos discípulos, vivos por esse tempo, distribuíram suas propriedades aos pobres e, deixando o seu país, fizeram a obra de evangelistas aos que nunca tinham ouvido falar da fé cristã, pregando Cristo e lhes entregando os escritos evangélicos. Logo depois de terem plantado a fé em algum país estrangeiro, e de terem ordenado guias e pastores, aos quais incumbiam do cuidado dessas novas plantações, partiam para outras nações, assistidos pela graça e pela poderosa obra do Espírito Santo. Tão logo começavam a pregar o evangelho, o povo se reunia em massa com eles, e com alegria cultuavam o verdadeiro Deus, o Criador do mundo, crendo piedosamente e de coração em Seu nome." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 74 Quando desceu a idade das trevas, os melhores pregadores da igreja que aos poucos declinava foram também pregadores de praça pública. Como o foram também aqueles freires itinerantes e grandes fundadores das ordens religiosas que mantinham viva a piedade que ainda restava. Ouvimos falar de Berthold, de Ratisbon, e seus sessenta ou cem mil ouvintes num campo perto de Glatz, na Boêmia. Houve também os Bernardos, os Bernardinos, os Antônios e os Tomazes de grande fama como pregadores itinerantes, de quem não conseguimos achar tempo para falar particularmente. O Dr. Lavington, bispo de Exeter, não dispondo de outros argumentos, afirmou, como prova de que os metodistas eram idênticos aos papistas, que os primitivos frades pregadores eram notáveis nas reuniões realizadas em campo aberto. Citando Ribadeneira, menciona Pedro de Verona, que tinha "um talento divino para pregar; nem igrejas, nem ruas, nem mercados podiam conter a grande concorrência que acudia para ouvir os seus sermões." O doutor bispo facilmente podia ter multiplicado os seus exemplos, como nos também poderíamos fazê-lo, mas estes nada mais provam do que isto: para o bem ou para o mal, a pregação ao ar livre é um grande poder. Quando o anticristo tinha começado a exercer a sua influência mais universal, os reformadores antes da Reforma agiram muitíssimas vezes como pregadores de praça pública, como, por exemplo, Arnold de Brescia, que denunciou as usurpações papais bem às portas do Vaticano. Seria fácil provar que os avivamentos religiosos geralmente foram acompanhados, senão causados, por considerável acúmulo de pregações ao ar livre, ou em lugares incomuns. As primeiras pregações das doutrinas declaradamente protestantes foram quase necessariamente ao ar livre, ou em edifícios não dedicados ao culto, porquanto estes estavam nas mãos do papado. É certo que Wycliffe por algum tempo pregou o evangelho na igreja de Lutterworth; que Huss, Jerônimo e Savonarola por algum tempo pronunciaram discursos semi-evangélicos ligados aos arranjos eclesiásticos que os cercavam. Mas quando começaram a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 75 conhecer e a pregar mais plenamente o evangelho, foram levados a procurar outras tribunas. Quando a Reforma era ainda um bebê, era como Cristo recémnascido, e não tinha onde reclinar a cabeça. Mas uma companhia de homens comparável à hoste celestial proclamou-o sob os céus abertos, onde pastores e gente comum a ouviam alegremente. Por toda a Inglaterra sobram ainda diversas árvores chamadas "carvalhos do evangelho." Há um local do outro lado do Tamisa conhecido pelo nome de "Carvalho do evangelho", e eu mesmo já preguei em Addlestone, em Surrey, sob os longos e copados ramos de um antigo carvalho, debaixo do qual se diz que John Knox proclamou o evangelho durante a sua estada na Inglaterra. Quantos terrenos baldios, selvagens e espinhosos, e quantas solitárias encostas de colinas e pontos secretos nas florestas foram consagrados da mesma maneira! E tradições há que ainda sobrevivem em cavernas, rincões, topos de montes, onde nos velhos tempos multidões de fiéis se reuniam para ouvir a Palavra do Senhor. Tampouco foi somente em lugares solitários que se ouviu antigamente a voz do pregador, pois dificilmente há um cruzamento de praça de mercado que não tenha servido de púlpito para os evangelistas itinerantes. Durante o ministério de Wycliffe os seus missionários atravessavam o país, pregando a Palavra em todo o lugar. Um ato de Parlamento, de Ricardo II (1382), expõe como queixa do clero que certo número de pessoas, todas vestidas com o mesmo tipo rústico de roupa de lá grosseira, iam de cidade em cidade, sem licença das autoridades eclesiásticas, e pregavam não só nas igrejas, mas também nos cemitérios e nos mercados, bem como nas feiras. Para ouvir esses arautos da cruz o povo da região reunia-se em grande número, e os soldados se mesclavam com a multidão, prontos para defender os pregadores com suas espadas, se alguém surgisse para molestá-los. Depois da morte de Wycliffe, seus seguidores não hesitaram em usar os mesmos métodos. Há um registro notável sobre William Swinderby narrando que, "sendo excomungado e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 76 proibido de pregar em qualquer igreja ou cemitério, usou duas pedras de moinho como púlpito na High-street de Leicester, e ali pregou "em desobediência ao bispo." "Ali", diz Knighton, "podiam-se ver multidões de gente de toda parte, tanto da cidade como do campo, dobrando o número dos que costumavam comparecer quando podiam ouvi-lo legalmente." Na Alemanha e noutros países do continente a Reforma recebeu grande auxilio dos sermões pregados às multidões ao ar livre. Lemos sobre pregadores luteranos que percorriam o país proclamando a nova doutrina ao povo nos mercados, nos cemitérios e também nos montes e nos prados. Em Goslar um estudante de Wittenberg pregou num pomar de limeiras, que deu aos seus ouvintes a designação de "os Irmãos da Limeira." D'Aubigné nos relata que em Appenzel, como as multidões não cabiam nas igrejas, as pregações eram feitas nos campos e nas praças públicas e, não obstante a fogosa oposição, os morros, as campinas e as montanhas ecoavam as alegres novas da salvação. Na vida de Farel encontramos incidentes ligados ao ministério ao ar livre. Por exemplo, quando Metz pregou o seu primeiro sermão no cemitério dos dominicanos, seus inimigos fizeram tocar todos os sinos, mas a sua voz de trovão sobrepujou o som. Somos informados de que em Neuchâtel "a cidade inteira se tornou sua igreja. Ele pregava no mercado, nas ruas, junto às portas, em frente das casas e nas praças, e o fazia com tal poder de persuasão e com tal efeito que conquistou muitíssimos para o evangelho. Multidões se juntavam para ouvir os seus sermões, e nem ameaças nem tentativas de persuasão as detinham." Da History of Protestantism, do Dr. Wylie, transcrevo o seguinte: "Dizem que a primeira pregação campal feita na Holanda deu-se em 14 de junho de 1566, e foi nas vizinhanças de Ghent. O pregador foi Herman Modet, ex-monge que veio a ser o pastor reformado de Oudenard. "Este homem", diz um cronista papista, "foi o primeiro a aventurar-se a pregar em público, e 7000 pessoas ouviram o seu primeiro sermão. ... "A segunda grande pregação campal foi no dia 23 de julho seguinte, com o povo reunido num vasto prado das proximidades de Ghent. A Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 77 "Palavra" era preciosa naqueles dias, e o povo, avidamente sedento de ouvila, preparou-se para ficar dois dias consecutivos sobre o solo. Seus arranjos mais pareciam os de um exército armando o seu acampamento do que os de uma pacífica multidão reunida para prestar culto. Em torno dos adoradores havia uma muralha de barricadas em forma de carretas e carroças. Postaram-se sentinelas em todas as entradas. Fizeram às pressas em rústico púlpito de grossas pranchas e o puseram em cima de uma carreta. Modet foi o pregador, e em volta dele estavam milhares que o ouviam, com suas lanças, machadinhas e espingardas a seu lado, prontas para serem apanhadas a um sinal das sentinelas que mantinham compacta vigilância ao redor da assembléia. Em frente das entradas instalaram balcões onde vendedores ofereciam livros proibidos a todos quantos queriam comprá-los. Ao longo das estradas que levavam ao campo, certas pessoas ficavam paradas com a incumbência de persuadir o viajante casual a dobrar para lá e ouvir o evangelho. ... Terminadas as pregações, a multidão se dispôs a ir a outros distritos, onde acampou do mesmo jeito e ficou o mesmo espaço de tempo, e assim percorreu toda a Flandres Ocidental. "Nesses conventículos se cantavam sempre os Salmos de Davi, traduzidos para o holandês popular, da versão de Clemente Marot e Teodoro de Beza. As odes do rei hebreu ressoavam, cantadas por cinco a dez mil vozes e, levadas pela brisa sobre matas e campinas, podiam-se ouvir a grandes distancias, cativando o lavrador de volta dos sulcos do seu arado, ou o viajante em seu percurso, fazendo-o deter-se e indagar de onde viria o canto desses menestréis." É deveras interessante observar que é certo que o canto congregacional se aviva no mesmo instante em que se aviva a pregação do evangelho. Em todas as épocas um Moody é assistido por Sankey. A história se repete porquanto causas semelhantes com toda a segurança produzem efeitos semelhantes. Seria uma tarefa interessante preparar um volume de fatos notáveis relacionados com a pregação ao ar livre, ou, melhor ainda, uma história consecutiva dela. Não tenho tempo nem sequer para um esboço completo, mas simplesmente pergunto: Onde estaria a Reforma, se os seus grandes pregadores se tivessem limitado às igrejas e catedrais? Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 78 Como o povo comum teria sido doutrinado com o evangelho, se não fosse aqueles evangelistas que iam longe em suas andanças, os colportores e aqueles ousados inovadores que achavam um púlpito em cada pilha de pedras, e um auditório em cada espaço aberto nas proximidades das habitações dos homens? Entre os exemplos de dentro da nossa ilha altamente favorecida, não posso deixar de mencionar o notável caso do piedoso Wishart. Da obra Historical Collections, de Gillie, cito o seguinte: "George Wishart foi um dos primeiros pregadores das doutrinas dos reformadores, e sofreu martírio nos dias de Knox. Principalmente a sua exposição da Epístola aos Romanos excitou os temores e o ódio dos eclesiásticos romanistas, que o fizeram silenciar em Dundee. Ele foi a Ayr e começou a pregar o evangelho com grande liberdade e fidelidade. Mas Dunbar, o então arcebispo de Glasgow, informado da grande concorrência do povo que se reunia em multidão para ouvir os seus sermões, e instigado pelo cardeal Beaton, foi até Ayr resolvido a prendêlo. Antes, porém, tomou posse da igreja para impedi-lo de pregar nela. As noticias disto levaram Alexandre, conde de Glencair, e alguns cavalheiros das cercanias, imediatamente à cidade. Eles desejaram e se ofereceram para introduzir Wishart na igreja, mas ele não consentiu, dizendo que "o sermão do bispo não ia fazer muito dano, e que, se lhes agradasse, gostaria de ir à praça do mercado", o que conseguintemente fez. E pregou com tanto sucesso, que vários ouvintes, antes inimigos da verdade, converteram-se nessa ocasião. "Wishart continuou com os cavalheiros de Kyle, depois da partida do arcebispo. Havendo o desejo de que pregasse no próximo dia do Senhor na igreja de Mauchline, foi para lá com esse propósito, mas o xerife de Ayr tinha posto de norte uma guarnição de soldados no interior da igreja para mantê-lo fora. Hugh Campbell, de Kinzeancleugh, com outros paroquianos, sentiram-se excessivamente ofendidos, e teriam entrado à força na igreja, mas Wishart não o permitiu, dizendo: "Irmãos, é a palavra de paz que lhes prego. O sangue de ninguém será derramado Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 79 por ela hoje. Jesus Cristo é tão poderoso nos campos como na igreja, e Ele próprio, quando vivia na carne, pregou mais vezes no deserto e à berra-mar do que no templo de Jerusalém." Com isto o povo se apaziguou e foi com ele até a berra do pântano que fica a sudoeste de Mauchline onde, tendo-se postado sobre o dique de um canal, pregou à grande multidão. Falou mais de três horas, agindo Deus extraordinariamente através dele; tanto que Laurence Ranken, detentor do título de propriedade de Shield, pessoa muito profana, converteu-se por meio dele. Cerca de um mês após a circunstancia recém-descrita, foi informado de que irrompera uma praga em Dundee quatro dias depois de ter saído de lá, e ainda grassava de tal forma que eliminava numerosas pessoas diariamente. Isto o afetou tanto, que resolveu voltar, e em seguida despediu-se dos amigos no oeste, os quais se encheram de tristeza com sua partida. No dia seguinte ao da sua chegada em Dundee, fez correr a notícia de que ia pregar. Para esse fim, escolheu um ponto perto da porta oriental, com as pessoas contaminadas do lado de fora, e as sadias do lado de dentro. O texto que usou nessa ocasião foi o de Salmos 107.20: "Enviou-lhes a sua palavra e os sarou, e os livrou do que lhes era mortal." Com esse discurso consolou tanto os ouvintes, que estes se sentiram felizes tendo tal pregador, e lhe imploraram que permanecesse com eles enquanto durasse a praga." Que cena deve ter sido aquela! Raramente um pregador contou com ouvintes assim e, devo acrescentar, raramente um grupo de ouvintes contou com um pregador assim. Então, para empregar as palavras de um velho escritor: "O velho tempo ficou ao lado do pregador com sua foice, dizendo com voz roufenha: Trabalha durante o que se chama hoje, pois à norte eu te ceifarei. Ali se pós também, perto do púlpito, a medonha morte, com suas flechas agudas, dizendo: Atira tuas flechas de Deus, e eu atirarei as minhas." Este é, de fato, um notável exemplo de pregação ao ar livre. Gostaria de ser capaz de oferecer mais dados particulares daquele famoso discurso feito por John Livingstone no pátio da igreja de Shotts, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 80 quando nada menos que quinhentos dos seus ouvintes encontraram Cristo, embora chovesse torrencialmente durante considerável parte do tempo. Continua sendo um dos grandes sermões ao ar livre da história, não sobrepujado por nenhum dos sermões pregados entre paredes. Eis aqui a substância do que sabemos dele: "Ao que parece, não era comum, naqueles dias, ter-se algum sermão na segunda-feira, depois da ministração da Ceia do senhor. Mas Deus havia dado tanto da Sua presença cheia de graça, e servido a Seu povo tanto da Sua comunhão com Ele, nos dias anteriores ao daquela solenidade, que o povo não sabia como partir sem ação de graças e louvor. Houvera grande afluência de seletos cristãos, com vários ministros eminentes, vindos de quase todos os cantos da terra. Muitos deles estiveram reunidos ali durante diversos dias antes da Ceia, ouvindo sermões, juntando-se em menores ou maiores grupos para oração, louvor e conversações espirituais. Ao passo que os corações se aqueciam com o amor de Deus, tendo alguns expressado o seu desejo de um sermão na segunda-feira, receberam apoio de outros, e em pouco o desejo se tornou amplamente generalizado. O Sr. John Livingstone, capelão da condessa de Wigtown (naquele tempo somente pregador, não ministro ordenado, e com vinte sete anos de idade), com muito trabalho foi convencido a pensar em pregar um sermão. "Passara a noite em oração e em reunião, mas quando ficou sozinho no campo, por volta das oito ou nove horas da manhã, sobreveio-lhe tal temor no coração, sob o sentimento de indignidade e incapacidade para falar na presença de tantos ministros idosos e respeitáveis, e de tantos cristãos eminentes e experimentados – que pensou em escapar sorrateiramente e fugir de uma vez dali. E foi o que de fato começou a fazer, chegando a certa distância. Mas justamente quando estava a ponto de perder de vista a igreja de Shotts, estas palavras: 'Porventura tenho eu sido para Israel um deserto? Ou uma terra da mais espessa escuridão?', foram introduzidas no seu coração com força tão dominadora, que o constrangeram a achar que o seu dever era voltar e cumprir com a obrigação de pregar. Foi o que por conseguinte fez, e bem assistido, discorrendo durante cerca de uma hora e mera sobre os pontos em que tinha meditado, com base em Ez. 36:25-26: 'Então espargirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 81 coração novo, e porei dentro em vos espírito novo; tirarei de vos o coração de pedra e vos darei coração de carne.' "Quando faltava pouco para terminar, caindo de repente pesada chuva que fez o povo recorrer ás pressas ás suas capas e mantas, ele se pôs a falar o seguinte: 'Se umas poucas gotas de chuva das nuvens os decompuseram tanto, como ficariam cheios de horror e desespero, se Deus os tratasse como merecem. E é como tratará a todos os que forem impenitentes até o fim. Que Deus faça com justiça chover fogo e enxofre sobre eles, como fez com Sodoma, Gomorra e as outras cidades da planície. Que o Filho de Deus, tabernaculando em nossa natureza, e nela obedecendo e sofrendo, seja para nós o único refúgio e abrigo da tempestade da ira divina que merecemos por causa do pecado. Que os Seus méritos e a Sua mediação nos sejam o único amparo a proteger-nos daquela tempestade, da qual ninguém senão os crentes arrependidos serão beneficiados com aquela proteção.' Com estas ou semelhantes expressões com a mesma intenção, e com muitas outras, foi levado por quase uma hora (depois de ter feito o que tinha premeditado) numa torrente de exortações e advertências, com grande expando e ternura de coração." É preciso não esquecer o ministério regular ao ar livre junto da Cruz de Paulo, sob as goteiras da velha catedral. Era uma famosa instituição, e dava aos pregadores notáveis da época a possibilidade de serem ouvidos por cidadãos em grande número. Reis e príncipes não desdenhavam sentar-se na galeria construída sobre o muro da catedral e ouvir o pregador no decorrer do dia. Latimer conta-nos que o cemitério dali estava em condições tão insalubres que muitos morriam enquanto ouviam os sermões; e, apesar disso, nunca houve falta de ouvintes. Agora que a abominação dos sepultamentos no seu interior foi eliminada, aqueles males não ocorreriam, e a Cruz de Paulo poderia ser reedificada. Talvez uma mudança para o espaço aberto pudesse destruir algo do papismo que se vai ligando gradativamente aos serviços da catedral. A restauração do sistema de pregação pública, do qual a Cruz de Paulo era o ponto central, é grandemente desejável. Eu gostaria ardentemente que alguma pessoa, dona de suficiente riqueza, comprasse um espaço central em nossa grande metrópole, erigisse um púlpito, com Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 82 um certo número de bancos, e então o dedicasse para uso dos ministros do evangelho credenciados, que ali expusessem livremente o evangelho a todos os que para ali viessem, sem favor ou distinção. Seria da mais real utilidade à nossa sempre crescente cidade do que todas as suas catedrais, abadias e grandes edifícios góticos. Antes que todos os espaços livres sejam totalmente tomados pela maré cada vez mais alta de tijolo e reboco, seria uma sabia política garantir Campos do Evangelho, ou Acres-de-Deus-para-os-Seus-Servos – ou qualquer outro nome que lhes agrade dar aos espaços abertos dedicados à livre pregação do evangelho. Durante toda a época dos puritanos, havia reuniões em todas as espécies de locais fora dos caminhos, por receio dos perseguidores. "Tomamos", diz o arcebispo Laud numa carta datada, Fulham, junho de 1632, "outro conventículo de separatistas em Newington Woods, no mesmo matagal em que um veado deveria ser posto para ser capado pelo rei no dia seguinte." Uma cova ou poço de areia em Hounslow Heath às vezes servia de conventículo, e há uma caverna peno de Hitchin onde John Bunyan estava acostumado a pregar nos tempos perigosos. Por toda a Escócia as várzeas, as cavernas, os estreitos vales e as encostas dos morros estão cheios de lembranças dos pactuários até o dia de hoje. Vocês não deixarão de encontrar púlpitos de pedra de onde os austeros pais da Igreja Presbiteriana vociferavam as suas denúncias do cristianismo e defendiam as reivindicações do Rei dos reis. Gargil, Cameron e seus companheiros encontraram locais como esses para os seus bravos ministérios, no meio das fendas e barrancos das montanhas solitárias. "Muito antes da aurora, por sendas tortuosas, por montes e matas e tristes desertos, procuravam rincões nas terras altas onde os rios, ali simples ribeiros, repartem-se para mares diferentes. Depressa esses ribeiros despejam-se num vale estreito. Um terreno com relvado vivaz e flores de aparência estranha, em meio a urzes selvagens que tudo rodeiam, fatigam os olhos. Em solidões como estas, teus perseguidos filhos, Escócia, frustraram uma leí sanguinária de um tirano e de um fanático. Sobre sua Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 83 lança inclinado... o grisalho veterano ouviu a Palavra de Deus pela voz de trovão de Cameron, ou derramada por Renwick em suave corrente. Depois ergueu-se a canção, as altas aclamações de louvor; a cotovia cessou o seu lamento; o lugar solitário alegrou-se, e nas acumuladas pedras distantes, o ouvido do vigia captou, vacilante ás vezes, as notas levadas pelo vento. "Anos mais sombrios seguiram-se, porém; e o povo reunido não mais ousava, à luz do dia, cultuar a Deus, e mesmo nas horas mortas da noite; salvo quando os temporais de inverno bramavam e o estrondo dos travões compelia os homens de sangue a recostar-se em seus covis. Então, intrépidos, os poucos dispersos se reuniam em algum fosso profundo, tendo rochas por dossel, para ouvir a voz, sim, a voz do seu fiel pastor. Ele, ao clarão dos relâmpagos amortalhados, abria o sacro livro e dizia palavras de consolo. Sobre suas almas o seu falar descia suavemente, como a seus pintinhos descem as penas da galinha do mato quando, ao fim da tarde, ela reúne tristemente sua ninhada dispersa por um esporte assassino; e sobre os restantes abre as suas asas com amor. Apertadamente aninhados sob o seu coração, gostam de abrigar-se ao calor da purpúrea plumagem." Arriscando-me a tornar-me prolixo, creio que devo acrescentar a seguinte tocante descrição de uma dessas cenas. O retrato em prosa sobrepuja em excelência o quadro pintado pelo poeta. "Entramos na administração da santa ordenança, encomendando-a e a nós mesmos à proteção do Senhor dos exércitos, em cujo nome nos havíamos reunido. Nossa confiança estava no braço de Jeová – melhor do que as armas de guerra ou do que a força dos montes. O lugar onde nos juntamos era cômodo em todos os aspectos, e parecia ter sido formado para esse fim. Era uma verdejante elevação, perto da margem das águas (o Whittader). Num e noutro lado havia um espaçoso aclive, na forma de mero círculo, coberto de aprazível pastagem e elevando-se em suave inclinação até uma considerável altura. Acima de nós estava o céu de límpido azul, pois era uma doce e tranqüila manhã de domingo, prometendo que de fato seria "um dos dias do Filho do homem." Houve uma solenidade no local, própria para a ocasião, elevando a alma toda a uma condição pura e santa. As mesas de comunhão foram espalhadas sobre a relva próxima da água, e o povo ajeitou-se com decência e ordem em volta delas. Mas a multidão muito maior sentou-se na superfície do aclive, que ficou apinhado de gente, do topo ao fundo, tão repleto que formava agradável vista, que nunca tivera igual dessa espécie. Cada dia, ao despedir-se o povo congregado, os Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 84 ministros e suas guardas, e tantas pessoas quantas possível, retiravam-se a seus alojamentos localizados em três diferentes povoações rurais, onde podiam prover-se do necessário. Os cavalarianos moviam-se num só grupo, enquanto as pessoas deixavam o local. Depois marchavam ordenadamente atrás, à pequena distância, até que todos estivessem seguramente abrigados em seus alojamentos. De manhã, quando o povo voltava à reunião, os cavalarianos o acompanhavam. As três divisões encontravam-se a uma milha do ponto e marchavam, num só corpo, para o terreno consagrado. Bem acomodada a congregação nos respectivos lugares, os guardas tomavam as suas posições, como antes. "Estes voluntários acidentais pareciam verdadeiro dom da Previdência, e garantiam a paz e a tranqüilidade dos ouvintes. Pois desde sábado de manhã, quando começou o trabalho, até segunda-feira de tarde, Não sofremos a mínima afronta ou perturbação dos inimigos, o que nos pareceu maravilhoso. A princípio houve alguma apreensão, mas o povo ficou sentado sem se perturbar, e tudo terminou com tanta ordem como se fosse nos dias do apogeu da Escócia. E realmente o espetáculo de tantos rostos sérios, calmos e devotos deve ter causado temor aos adversários, e deve ter sido mais formidável do que qualquer poder externo de aparência feroz e de disposição guerreira. Não desejávamos o patrocínio dos reis da terra. Refulgia na obra certa majestade espiritual e divina, bem como a palpável evidência de que o grande Senhor dos povos estava ali presente. Era de fato Deus agindo, pondo-nos uma mesa no deserto, na presença dos nossos adversários, e erguendo uma coluna de glória entre nós e o inimigo, como a antiga coluna de fogo que separava os acampamentos de Israel e dos egípcios – encorajando a um, mas com escuridão e terror para o outro. Conquanto os nossos votos não tenham sido oferecidos dentro dos átrios da casa de Deus, não lhes faltava sinceridade de coração, que é melhor do que a reverência dos santuários. No meio das montanhas solitárias, lembramos as palavras de nosso Senhor, de que o verdadeiro culto não era peculiar a Jerusalém ou Samaria – de que a beleza da santidade não consistia em edifícios sagrados ou templos materiais. Lembramo-nos da arca dos israelitas, que esteve no deserto, sem lugar para ficar exceto o tabernáculo da planície. Pensamos em Abraão e nos patriarcas antigos, que usavam pedras como altar para nelas porem as suas vítimas, e queimavam o suave incenso á sombra de uma árvore. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 85 "A ordenança da Última Ceia, aquele memorial do sacrificial amor de Cristo até á Sua segunda vinda, foi administrado com grande significação, comunicando poder e renovadora influência do Alto. Bendito seja Deus, pois visitou a Sua herança quando a fadiga a dominava. Naquele dia Sião revestiu-se da beleza de Sarom e do Carmelo; as montanhas romperam em cânticos, e o ermo veio a germinar e a florescer como um roseiral. Poucos dias como aqueles se viram na desolada Igreja da Escócia; poucos virão a testemunhar semelhante coisa no futuro. Houve abundante efusão do Espírito, derramado amplamente em muitos corações. Suas almas, repassadas de celestial transporte, pareciam respirar um elemento mais divino e chamejar para o alto com o fogo de uma devoção pura e santa. Os ministros foram visivelmente assistidos para falar à vontade à consciência dos ouvintes. Era como se Deus lhes tivesse tocado os lábios com uma brasa viva do Seu altar. Sim, pois, os que testemunharam o trabalho deles declararam que eles se comportavam mais como embaixadores da corte celestial, do que como homens formados em molde terreno. "As mesas foram servidas por alguns cavalheiros e algumas outras pessoas do mais sério comportamento. Não se admitia ninguém que não tivesse as insígnias de costume, as quais foram distribuídas no sábado, mas somente aos que eram conhecidos dos ministros e de outras pessoas de confiança como isentos de escândalos públicos. Seguiram-se completamente os regulamentos. Os comungantes entravam por uma porta e saíam pela outra, mantendo-se um caminho aberto para que pudessem retomar os seus lugares na encosta. O Sr. Welsh pregou o sermão pertinente ao ato e serviu as duas primeiras mesas, como normalmente era encarregado de fazer em tais ocasiões. "Os outros quatro ministros, Sr. Blackader, Dickson, Riddel e Rae, exortaram os restantes, cada um em sua vez. A ministração das mesas foi encerrada pelo Sr. Welsh com solene ação de graças. E solene foi, como também foi agradável e edificante ver a seriedade e compostura de todos os presentes, bem como de todas as partes do culto. A comunhão foi concluída serenamente, todo o povo elevando a Deus sua gratidão e cantando com jubilosas vozes hinos à Rocha da sua salvação. Foi agradável, ao cair da noite, ouvir sua melodia avolumar-se em uníssono pela colina, com todo o povo unido em harmonia e louvando a Deus com a linguagem dos salmos. "Havia duas mesas compridas e uma curta, na parte da frente, com assentos em cada lado. Em cada mesa cabiam sentadas cerca de cem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 86 pessoas. Havia dezesseis mesas ao todo, de sorte que cerca de três mil pessoas participaram da comunhão aquele dia." Talvez o mais notável lugar já escolhido para um discurso seja o centro do rio Tweed, onde o Sr. Welsh pregou muitas vezes durante duras geadas, para escapar das autoridades, quer da Escócia quer da Inglaterra, dependendo daquela que interferisse. Os lutadores muitas vezes escolhiam a fronteira dos dois condados para suas exibições, mas parece que a prudência destes foi antecipada pelos filhos da luz. Também é divertido ler que o arcebispo Sharp deu ordem para que a milícia fosse enviada para dispersar a multidão reunida na encosta do morro para ouvir o Sr. Blackader, e a informação ao prelado de que todos os milicianos tinham saído uma hora antes, para ouvir o sermão. Estou certo de que não posso adivinhar o que seria deste mundo, não fossem as pregações feitas fora dos muros e debaixo do teto mais glorioso do que o destas vigas de pinho. Foi um dia de bravura para a Inglaterra aquele em que Whitefield começou a pregação ao ar livre. Quando Wesley levantou-se e pregou um sermão no túmulo do seu pai, em Epworth, porque o clérigo da paróquia não quis admiti-lo no interior do edifício sagrado (assim chamado). Sobre isto escreve o Sr. Wesley: "Tenho a certeza de que fiz mais bem aos meus paroquianos de LincoInshire pregando três dias na tumba de meu pai, do que pregando três anos em seu púlpito." A mesma coisa se poderia dizer de toda a pregação ao ar livre subseqüente, comparada com os discursos regulares feitos em recintos fechados. "O pensamento de fazer prédicas ao ar livre foi sugerido a Whitefield por uma multidão de mil pessoas que não conseguiram entrar na igreja de Bermondsey, onde ele pregou num domingo à tarde. Não recebeu incentivo algum quando o mencionou a alguns amigos. Acharam que era uma "idéia maluca." Contudo, teria sido posta em prática no domingo seguinte no Asilo de Ironmonger, se o pregador não tivesse ficado desapontado com seus ouvintes, que eram tão poucos que podiam ouvi-lo pregar do púlpito. Levava consigo dois sermões, um para o recinto fechado, outro para fora." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 87 A idéia que amadurecera tornando-se assim uma resolução, não esperaria muito tempo para ser levada à execução. Colocando o chanceler da diocese impedimentos no caminho de Whitefield em seu propósito de pregar nas igrejas de Bristol em benefício do seu orfanato, foi pregar aos operários das minas de carvão de Kingswood, "pela primeira vez num sábado à tarde, colocando-se para isso no Monte Hannan. Falou sobre Mt. 5:1-3 a todos os que foram ouvi-lo. Mais de duzentas pessoas compareceram. Sua única nota em seu diário foi: "Bendito seja Deus, que o gelo agora está quebrado, e conquistei o campo! Talvez alguns me censurem. Mas, não há uma causa? Os púlpitos são negados; e os pobres carvoeiros estão prestes a perecer por falta de conhecimento." Agora possuía um púlpito que ninguém poderia tomar-lhe, e seu coração se regozijava por essa grandiosa dádiva. No dia seguinte o diário relata: "Estando fechadas as portas de todas as igrejas e, se abertas, sendo incapazes de conter sequer metade dos que queriam ouvir, às três da tarde fui para Kingswood, para o meio dos mineiros de carvão. Deus nos favoreceu altamente dando-nos um belo dia, e quase duas mil pessoas se reuniram naquela ocasião. Preguei, e me alonguei, sobre João 3:3, falando quase uma hora e, espero, para consolo e edificação dos que me ouviram." Dois dias depois, postou-se no mesmo ponto e pregou com grande liberdade a uma reunião de quatro ou cinco mil pessoas. O sol fulgente em cima, e a imensa multidão em volta dele, em extremo silêncio, formavam um quadro que o encheu de "santa admiração." No domingo subseqüente, Bassleton, povoação a duas milhas de Bristol, franqueoulhe sua igreja. Havendo-se reunido numerosa congregação, primeiro leu orações no templo, e depois pregou no cemitério da igreja. Ás quatro, correu para Kingswood. Embora o mês fosse fevereiro, o tempo estava incomumente brando e sem neve. O sol poente brilhava com sua mais completa força. As árvores e as cercas estavam apinhadas de ouvintes que queriam ver o pregador bem como ouvi-lo. Falou durante uma hora com voz suficientemente alta para ser ouvida por todos, e seu coração não deixou de alegrar-se por sua própria mensagem. Escreve em seu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 88 diário: "Bendito soja Deus, o fogo está aceso; que as portas do inferno jamais possam prevalecer contra ele!" É importante saber quais foram os seus sentimentos quando deu com aqueles imensos ajuntamentos de povo no campo, cujo número crescera de duzentos para vinte mil, e quais foram os efeitos da sua pregação sobre os seus ouvintes. Suas palavras são: "Não tendo justiça própria a que renunciar, os mineiros de carvão alegraram-se ao saber que Jesus era amigo de publicanos, e que não veio para chamar os justos, mas pecadores ao arrependimento. A primeira descoberta de que tinham sido afetados foi por ver os brancos sulcos feitos por suas lágrimas correndo copiosamente em suas faces negras, pois tinham saído dos poços de carvão. Centenas e centenas deles foram logo levados a profundas convicções que (como os fatos resultantes o provam) tiveram um feliz sim, em conversão firme e completa. A mudança foi visível a todos, embora muitos preferissem imputá-la a qualquer outra coisa que não o dedo de Deus. Como a cena era inteiramente nova e eu mal começara a ser um pregador extemporâneo, isto freqüentemente ocasionava muitos conflitos íntimos. Às vezes, quando vinte mil pessoas estavam diante de mim, eu, em minha apreendo, não tinha uma palavra para dizer a Deus ou a eles. Mas nunca fui totalmente abandonado. Muitas vezes soube por feliz experiência o sentido das palavras do Senhor quando disse: "Do seu interior correrão rios de água viva." O amplo firmamento acima de mim, o panorama dos campos adjacentes, com a visão de milhares e milhares, uns em carruagens, outros em lombos de cavalos, outros em árvores e, por vezes, todos juntamente emocionados e molhados de lágrimas, havendo ás vezes, como acréscimo a isso tudo, a solenidade da aproximação da noite era quase demais para mim, e me dominava." Wesley escreve em seu diário: "Sábado, 31 (março de 1731). Cheguei de noite a Bristol e encontrei o Sr. Whitefield lá. Eu relutava de início em reconciliar-me com esse estranho modo de pregar nos campos, de que ele me deu um exemplo no domingo, tendo sido toda a minha vida (até muito recentemente) muito obstinado em todos os pontos relativos à decência e à ordem, a ponto de considerar quase um pecado salvar almas, a não ser numa igreja." Tais eram os sentimentos de um homem que mais tarde se tornou um dos maiores pregadores de praça pública que já existiram! Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 89 Não me demorarei a descrever o Sr. Whitefield em nosso logradouro de Kennington entre dezenas de milhares de pessoas, ou em Moorfields bem de manhã, quando os lampiões piscavam como outros tantos vaga-lumes sobre uma ribanceira relvosa numa noite de verão. Nem mencionarei o número imenso de cenas gloriosas com Wesley e seus mais renomados pregadores. Mas um quadro que mais se aproxima daquilo que alguns de vocês poderão copiar com facilidade, fixou-se fortemente em minha memória. E o exponho diante de vocês afim de que, nos dias vindouros, jamais desprezem o dia das coisas pequenas: "Wesley chegou a Newcastle na sexta-feira, 28 de maio. Saindo a passeio depois do chá, ficou surpreso e chocado com a grande extensão da iniqüidade reinante. O alcoolismo e o hábito de praguejar pareciam generalizados, e mesmo as bocas das criancinhas estavam cheias de imprecações. De como passou o sábado, não estamos informados. Mas, no domingo de manhã, às sete, ele e John Taylor se postaram perto da bomba d'água, em Sandgate, "a mais pobre e mais vil parte da cidade", e começaram a cantar em dueto o conhecido Salmo 100. Três ou quatro pessoas se aproximaram para ver de que se tratava. Logo o número cresceu e, antes de Wesley terminar a pregação, seus ouvintes eram de mil e duzentos a mil e quinhentos. Quando terminou o culto, o povo ficou de boca aberta, com profundo espanto pelo que dissera Wesley: "Se querem saber quem sou, meu nome é John Wesley. Às cinco da tarde, com a ajuda de Deus, pretendo pregar aqui de novo." Gloriosas foram aquelas reuniões nos campos e nos terrenos baldios, que duraram todo o longo período em que Wesley e Whitefield foram bênçãos para a nossa nação. A pregação em campo aberto foi a agreste nota dos pássaros cantando nas árvores em testemunho de que a verdadeira primavera da religião chegara. As aves em cativeiro podem cantar mais docemente, quem sabe, mas sua música não é tão natural, nem tão seguro sinal da chegada do verão. Abençoado dia aquele em que os metodistas e outros começaram a proclamar Jesus ao ar livre. As portas do inferno tremeram, e os cativos do diabo foram libertados às centenas e aos milhares. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 90 Uma vez recomeçada, a frutífera agência de pregação em campo aberto não teve permissão para cessar. No meio de multidões escarnecedoras e de chuvas de ovos podres e de coisas imundas, os seguidores imediatos dos dois grandes metodistas continuaram atacando vila após vila e cidade após cidade. Suas aventuras foram bem variadas, mas o seu sucesso geralmente foi grande. Quem lê os incidentes ocorridos em seus trabalhos, por vezes dá risada. Uma fila de animais de carga é levada a dispersar gente congregada, e uma máquina de bombeiros é posta em funcionamento e lançada sobre a multidão com o mesmo propósito. Sinetas, chaleiras velhas, longos ossos, machadinhas, cornetas, tambores e bandas de música inteiras foram empregados para abafar a voz dos pregadores. Num caso, o touro de propriedade coletiva foi solto, e em outros casos cães foram incitados a brigar. Os pregadores precisavam ter rostos rijos como pedras, e é o que tinham. John Furz diz: "Logo que comecei a pregar, um homem vejo direto para a frente e apontou uma arma de fogo ao meu rosto, jurando que estouraria os meus miolos se eu falasse mais uma palavra. Contudo, continuei falando, e ele continuou jurando, ás vezes metendo a boca da arma em minha boca, às vezes contra a minha orelha. Enquanto cantávamos o último hino, ele se pôs atrás de mim, disparou a arma e queimou parte de meu cabelo." Depois disto, meus irmãos, jamais deveríamos falar de pequenas interrupções ou aborrecimento. A proximidade de um bacamarte nas mãos de um filho de Belial não favorece muito a reflexão serena e a elocução clara, mas a experiência de Furz certamente não foi pior do que a de John Nelson, que calmamente diz: "Mas quando eu estava no meio do meu discurso, alguém de fora da congregação atirou uma pedra, que me feriu a cabeça. Todavia, aquilo fez o povo prestar-me maior atenção, principalmente quando viram o sangue correr pelo meu rosto. Assim, tudo ficou tranqüilo até eu terminar e pôr-me a cantar um hino." A vida de Gideon Ouseley, narrada pelo Dr. Arthur, é um dos mais poderosos testemunhos do valor da pregação ao ar livre. Na primeira parte do corrente século, de 1800 a 1830, ele estava na plenitude do seu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 91 vigor, cavalgando através da Irlanda inteira, pregando o evangelho de Jesus em todas as cidades. Seu púlpito geralmente era o lombo do seu cavalo, e ele e seus coadjutores eram conhecidos como os homens de gorros pretos, por causa do seu costume de usar barretes. Este ministério cavalariano foi em sua época a causa de um grande avivamento na Irlanda, e incutiu a esperança de mexer com a maldição profundamente arraigada entre os irlandeses – o poder do sacerdócio e a superstição do povo. Ouseley mostrou em todas as ocasiões muita sagacidade e um toque de humorismo com bom senso. Daí, geralmente pregava em frente da vitrina do farmacêutico, porque a turba seria o menos liberal possível com suas pedras, ou, em segundo lugar, procurava ter atrás de si a residência de um respeitável católico romano, pela mesma razão. Seu sermão pregado na escadaria de pedra do edifício do mercado de Enniscorthy foi um belo espécime do seu habilidoso método de enfrentar uma excitada chusma de irlandeses. Darei boa extensão dele aqui, para que vocês saibam como agir se alguma vez forem colocados em circunstâncias semelhantes: "Ele tomou posição, tirou o chapéu, pôs o seu gorro de veludo preto e, depois de alguns momentos passados em oração silenciosa, começou a cantar. O povo começou a reunir-se ao redor dele e, durante o cântico de algumas estrofes, esteve quieto e aparentemente atento, mas logo começou a ficar inquieto e barulhento. Então ele começou a orar, e por breve tempo seguiu-se a calma. Mas logo, conforme aumentava a multidão, esta foi ficando intranqüila, turbulenta mesmo. Ele concluiu a oração e começou a pregar. Mas evidentemente os presentes não estavam dispostos a ouvi-lo. Antes de pronunciar muitas sentenças, mísseis começaram a voar – a princípio não de tipo muito destrutivo; eram refugos legumes, batatas, nabos, etc. Pouco depois, porém, foram atirados materiais mais duros – cacos de tijolos e pedras alguns dos quais o atingiram e lhe infligiram ferimentos leves. Ele parou e, depois de uma pausa, bradou: "Caros rapazes, que há com vocês hoje? Não querem deixar um velho falar-lhes um pouco?" "Não queremos ouvir nem uma palavra saída da sua cabeça velha", foi a pronta resposta de alguém da multidão. "Mas o que quero dizer-lhes, acho que gostariam de escutar." "Não; não vamos gostar de nada que você possa Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 92 falar-nos." "Como sabem? Quero contar-lhes uma história sobre alguém que vocês dizem que respeitam e amam." "Quem é?" "A bendita virgem." "Oh, e que você sabe sobre a bendita virgem?" "Mais do que vocês pensam. Estou certo de que o que vou dizer-lhes lhes agradará, se tão-somente me escutarem." "Vamos lá, então, disse outra voz, ouçamos o que ele tem para dizer acerca da santa mãe. "Aí houve calma, e o missionário começou: Era um vez um jovem par de noivos de uma cidadezinha chamada Caná. Ficava naquela região onde o nosso bendito Salvador passou grande parte de Sua vida entre nós. E aquelas pessoas decentes cujos filhos iam casar-se acharam de bom alvitre convidar a bendita virgem para a festa de núpcias, e também a seu bendito Filho e alguns dos Seus discípulos. E todos eles acharam que ficava bem comparecer. Quando estavam à mesa, a virgem mãe julgou notar que o vinho providenciado para o banquete começava a escassear, e a preocupou a idéia de que o bom casal de jovens ia passar vergonha diante dos seus amigos. Por isso ela sussurrou ao seu bendito Filho: "Eles não têm vinho." "Não se preocupe com isso, madame", disse Ele. E um ou dois minutos depois, ela, sabendo bem o que estava no bom coração dEle, disse a um dos criados que estava passando por trás deles: "Faça tudo o que ele lhe disser." Conseguintemente, logo depois, o nosso bendito Senhor disse a outro deles – suponho que fizeram passar a palavra entre eles: "Encham d'água as talhas." (Havia seis destas num canto da sala, e cada uma delas levava quase três galões, pois o povo daquela região usava muita água diariamente.) E, lembrando-se das palavras da virgem santa, fizeram o que Ele mandou, voltaram, e disseram: "Cavalheiro, as talhas estão cheias até as bordas." "Agora, levem um pouco ao mestre-sala, que está à cabeceira da mesa", disse Ele. Eles o fizeram. O mestre-sala o provou, e eis aí, vejam só! Era vinho, e ainda o melhor vinho. Havia bastante dele para a festa; sim, e talvez algum tenha sido deixado para o jovem casal que estava montando casa. "Em tudo isso, vocês vêem, os criados acataram o conselho da bendita virgem, e fizeram o que ela lhes ordenou. Ora, se ela estivesse entre nos hoje, daria o mesmo conselho a cada um de nós: "Faça tudo o que Ele lhe disser", e com boa razão o diria, pois ela bem sabe que não há nada senão amor por nós em Seu coração, e nada senão sabedoria provém dos Seus lábios. E agora lhes direi algumas coisas que Ele nos fala. Diz Ele: "Esforçai- Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 93 vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão." "E de imediato o pregador, abreviadamente, mas com clareza e energia, expôs a natureza da porta da vida, sua estreiteza, e a tremenda necessidade do homem esforçar-se para passar por ela, concluindo com o conselho da virgem: "Faça tudo o que Ele lhe disser." De semelhante modo ele explicou e incutiu em seus ouvintes algumas outras contundentes palavras do nosso divino Senhor: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus"; e: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" – reforçando a sua exortação, em cada exemplo, com o conselho dado pela virgem aos criados de Caná. "Mas não, rompeu ele afinal, não; com todo o amor e reverência que vocês pretendem ter pela bendita virgem, não querem seguir o seu conselho, mas estão muito dispostos a dar ouvidos a qualquer mestre-escola beberrão que os seduzirá e os levará a um bar, e meterá males e iniqüidades em suas cabeças." Aqui ele foi interrompido por uma voz que parecia ser de um ancião, exclamando: "Você está certo; está certo. Se passou a vida toda falando mentiras, o que está dizendo agora é a verdade." E assim o pregador conseguiu chegar ao fim do seu discurso com muito bom efeito." A historia do Primitivo Metodismo podia ser incorporada substancialmente aqui, como parte do nosso esboço da pregação ao ar livre, pois aquele maravilhoso movimento missionário deveu o seu surgimento e o seu progresso a esse instrumento de ação. É, todavia, uma singular reprodução dos acontecimentos dados no primeiro período do metodismo de oitenta ou noventa anos atrás. Os wesleyanos tornaram-se respeitáveis, e foi a época em que o fogo antigo precisou arder no meio de outra classe de homens. Se Wesley estivesse vivo, ter-se-ia gloriado nos pobres mas bravos pregadores que arriscavam a vida para proclamar a mensagem do amor eterno entre os depravados, e os teria chefiado na cruzada que empreenderam. Fosse como fosse, outros líderes se apresentaram, e em pouco tempo o zelo deles impeliu uma hoste de fervorosas testemunhas que não podiam ser intimidadas por turmas desordeiras, nem pelos magistrados, nem pelo clero. Tampouco podiam ter o seu ânimo esfriado pelos "gentis" irmãos cujo senhorio eles Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 94 atacavam tão terrivelmente. Então apareceram em abundancia as velhas armas. Produtos agrícolas em todos os estágios de decomposição premiavam os zelosos apóstolos nabos e batatas foram os primeiros pratos, logo seguidos de ovos podres, em quantidade extraordinária, sendo que temos notado que freqüentemente estes últimos eram ovos de ganso, escolhidos, supomos, por seu tamanho. Um balde de alcatrão de hulha estava geralmente de prontidão; sujeira tirada dos bebedouros dos cavalos vinha também, e isso tudo ao som de assobios agudos, cornetas e tambores de sentinelas. Barris de cerveja eram providenciados pelos defensores de "igreja e reí", para refrigério dos atacantes ortodoxos, enquanto que tanto os pregadores como os seus discípulos eram tratados com tal brutalidade que despertavam compaixão até no coração de adversários. Tudo isso era, felizmente, uma violação da leí, mas os poderosos, descompromissados, fingiam que não viam os transgressores, e se esforçavam para intimidar o pregador e silenciá-lo. Por amor a Cristo, alegravam-se por serem tratados como vadios e vagabundos, e o Senhor os revestiu de grande honra. Conseguiam-se discípulos, e os perturbadores se multiplicavam, Até um período bem recente, esses devotados irmãos foram combatidos com violência, mas a sua jubilosa experiência os levou a perseverarem em seus hábitos de cantar pelas ruas, de reunir-se ao ar livre, e de outras irregularidades. Benditas irregularidades, pelas quais centenas de extraviados foram encontrados e conduzidos ao aprisco de Jesus. Não me dá o tempo para ilustrar o assunto com descrições da obra de Christmas Evans e de outros em Gales, ou dos Haldanes na Escócia, ou ainda de Rowland Hill e seus irmãos espirituais na Inglaterra. Se quiserem desenvolver o tema, esses nomes poderão servir de sugestões para o descobrimento de materiais abundantes. E posso acrescentar à lista The Life of Dr. Guthrie, em que ele registra notáveis reuniões ao ar livre, na época do rompimento, quando a Igreja Livre ainda não tinha locais de culto construídos por mãos humanas. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 95 Devo deter-me um momento quanto a Roberto Flockhart de Edimburgo. Embora luz menor, foi uma luz constante, e bom exemplo de toda a massa de testemunhas de Cristo nas ruas. Todas as noites, com qualquer tempo e no meio de muitas perseguições, este bravo permaneceu falando nas ruas durante quarenta e três anos. Pensem nisso, e jamais ficarão desalentados. Quando estava prestes a tombar na sepultura, o velho soldado ainda estava no seu posto. "A paixão pelas almas", disse ele, "levou-me às ruas e vielas da minha cidade natal, para argumentar com os pecadores e persuadi-los a virem a Jesus. O amor de Cristo me constrangeu." Nem a hostilidade da polícia, nem os insultos dos papistas, dos unitários e de outros que tais, puderam demovê-lo. Ele censurava o erro com os mais claros termos, e pregava com todo o seu poder a salvação pela graça. Seu pensamento é tão recente que Edimburgo ainda se lembra dele. Há lugar para tal coisa em todas as cidades e povoações; há necessidade de centenas de obreiros de sua nobre estirpe nesta enorme nação de Londres – posso dar-lhe título menor? Na América, homens como Peter Cartwright, Lorenzo Dow, Jacob Gluber e outros da geração passada, mantiveram uma gloriosa guerra a céu aberto à sua maneira original. E em época mais recente, o amado Taylor deu-nos outra prova do imensurável poder deste modo de empreender cruzadas, em sua obra Seven Years of Street Preaching in San Francisco, California (Sete Anos de Pregação nas Ruas de São Francisco). Conquanto duramente tentado a fazê-lo, vou abster-me desta vez de fazer extratos daquela obra deveras notável. As reuniões em acampamentos são uma espécie de pregação campal associada, e se institucionalizaram nos Estados Unidos, onde tudo tem que ser feito em grande escala. Isto me levaria a outro assunto. Portanto, simplesmente lhes propiciarei um vislumbre desse meio útil, e depois pararei. A seguinte descrição das primeiras reuniões em acampamentos na América é da pena do autor de uma Narrative of Mission to Nova Scotia (Narrativa de uma Missão na Nova Escócia): Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 96 "As barracas geralmente são armadas em forma de crescente, em cujo centro está uma plataforma para os pregadores. À volta desta, em todas as direções, são colocadas fileiras de pranchas de madeira para as pessoas se sentarem e ouvirem a Palavra. Entre as árvores, que estendem suas copas sobre esta igreja no bosque, foram pendurados lampiões, que ardem a noite inteira e fornecem luz para os vários exercícios religiosos que ocupam as solenes horas da noite alta. "Eram quase vinte três horas quando cheguei pela primeira vez á margem do acampamento. Deixei meu barco na beira da mata, a uma milha da cena. E quando dei com o terreno do acampamento, minha curiosidade converteu-se em espanto, ao contemplar os lampiões pendentes por entre as árvores; as barracas ocupando em semi-círculo um amplo espaço; quatro mil pessoas no centro deste, ouvindo com profunda atenção o pregador, cuja altíssima voz e animada maneira levavam a vibração de cada palavra à grande distância, através da floresta profundamente umbrosa onde, salvo as tremeluzentes luzes do acampamento, as trevas cobriam tudo e espalhavam sombras decuplicadas. Tudo incitava a minha admiração e forçosamente me fazia lembrar os hebreus no deserto. As reuniões em geral começavam segunda-feira de manhã, encerrando-se na manhã da sexta-feira seguinte. Os trabalhos diários do efetuados da seguinte maneira: de manhã, às cinco horas, soa no acampamento a corneta chamando para a pregação ou para a oração. Isto, com exercícios similares, ou com um breve intervalo, leva até à hora do desjejum, às oito horas. Às dez soa a corneta para a pregação pública, depois da qual, até o meio-dia preenche-se o intervalo com pequenos grupos de oração, que se espalham por todo o acampamento, para um lado e outro, nas barracas e debaixo das árvores. Depois do almoço, toca a corneta às catorze horas; é para pregação. "Eu devia ter anotado que, geralmente, uma ou duas mulheres ficam em cada barraca, encarregadas de preparar as coisas para as refeições. Mantêm-se fogo aceso em diferentes partes do acampamento, onde se ferve água para o chá, sendo proibido o uso de bebidas alcoólicas. Depois da pregação da tarde, as coisas seguem quase o mesmo curso seguido de manhã, só que os grupos de oração são em maior escala, e se dá maior amplitude às exortações vigorosas e às orações em voz alta. Alguns que realizam os trabalhos nestas ocasiões, logo perdem a voz e, no fim da reunião no acampamento, muitos dos pregadores e dos demais participantes só conseguem falar cochichando. Às dezoito horas, a corneta convoca para Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 97 a pregação, após o que, embora não de modo regular, todos os passos acima descritos continuam até adentrar a noite. Sim; e durante qualquer parte da noite em que você se desperte, vozes de louvor ressoam no ermo." Se reuniões como essas poderiam ser feitas em nosso país, sob prudente administração, não posso decidir. É questão que me toca, porém, como digna de consideração se, em alguns terrenos espaçosos não se poderiam realizar serviços espirituais no verão, digamos por uma semana cada vez, dirigidos por ministros que se sucedessem uns aos outros na proclamação do evangelho sob as árvores. Sermões e reuniões de oração, discursos e hinos, podiam seguir-se uns aos outros em sábia sucessão. Talvez milhares pudessem ser induzidos a reunir-se para prestar culto a Deus, entre os quais poderiam estar vintenas e centenas de pessoas que nunca entram em nossos santuários regulares. Não somente algo precisa ser feito para evangelizar os milhões, mas tudo precisa ser feito, e talvez, em meio à variedade de esforços, a coisa melhor venha a ser descoberta. "Com o fim de, por todos os modos, salvar alguns", deve ser o nosso moto. E isto deve estimular-nos a irmos adiante, pelas estradas e encruzilhadas, e a compeli-los a entrar. Irmãos, falo como a sábios. Ponderem o que digo. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 98 PREGAÇÃO AO AR LIVRE – NOTAS ADICIONAIS Temo que em algumas das nossas igrejas rurais menos esclarecidas haja alguns indivíduos conservadores que quase crêem que pregar em qualquer lugar que não seja templo ou capela seria uma inovação chocante, traço seguro de tendências heréticas, e sinal de zelo sem conhecimento. Qualquer jovem colega que cuide da sua comodidade entre eles não deve sugerir nada tão irregular como um sermão fora das muralhas da sua Sião. Dos velhos tempos se nos diz: "Grita na rua a sabedoria, nas praças levanta a sua voz; do alto dos muros clama, à entrada das portas e nas cidades profere as suas palavras"; mas os sábios da ortodoxia manteriam a sabedoria amordaçada, exceto sob o teto de um edifício licenciado. Essas pessoas crêem num Novo Testamento que diz: "Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes", e, contudo, não apreciam a obediência literal a essa ordem. Imaginariam eles que uma bênção especial resulta de sentar-se num certo banco de madeira, como que em dura sela – uma invenção de desconforto que de há muito devia ter feito o povo preferir cultuar a Deus fora, sobre os verdes gramados? Suporiam que a graça pode ser obtida por boa acústica ou pode ser conseguida das almofadas dos púlpitos como a poesia? Estariam enamorados do mau ar e da atmosfera sufocante de alguns dos nossos locais de reunião que os tornam quase repugnantes ao nariz e aos pulmões, como os locais em que os papistas fazem as suas missas, impregnados de incenso barato e grosseiro? Replicar a esses oponentes é tarefa que não nos anima. Preferimos adversários dignos do aço que usamos neles, mas esses aí mal merecem uma ligeira observação. O preconceito deles dá vontade de rir. Mas talvez tenhamos que chorar por causa disso, se permitirmos que se levante no caminho dos bons meios empregados. A pregação ao ar livre não precisa de defesa de nenhuma espécie. Mas seriam necessários argumentos muito poderosos para provar que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 99 aquele que nunca pregou fora das paredes do seu local de reuniões cumpriu o seu dever. Requer-se maior defesa dos serviços religiosos realizados no interior de edifícios, do que dos cultos feitos fora deles. Certamente precisariam de escusas os arquitetos que empilham pedra e tijolo até os céus quando há tanta necessidade de salões para a pregação entre os pobres pecadores cá embaixo. O que necessita enormemente de defesa são as florestas de colunas de pedra, que impedem ver o pregador e ouvir-lhe a voz; os tetos góticos, altíssimos, nos quais todo o som se perde, e os homens se matam, forçados a gritar até rebentarem seus vasos sanguíneos; e também requer defesa a produção de ecos pela exposição de superfícies duras e refratárias, que repelem o som, para satisfazer as exigências da arte em detrimento da conveniência dos ouvintes e do orador. Certamente se exige também, mal e mal, alguma desculpa decente para aquela gente infantil que sente necessidade de desperdiçar dinheiro com a colocação de assombrações e monstros nas partes externas das suas casas de culto, e precisa ter outras ridículas peças do papado nelas fixadas, por dentro e por fora, para desfigurar em vez de adornar as suas igrejas e capelas. Não há, porém, necessidade de nenhum tipo de defesa para o vastíssimo auditório do Pai celeste, em todos os aspectos muito bem apropriado para a proclamação do evangelho – tão livre, tão completo, tão expansivo, tão sublime! A realização habitual de reuniões religiosas em recintos cobertos pode-se desculpar na Inglaterra porque o nosso clima é execravelmente mau. Mas bem que esse hábito pode ser interrompido quando o tempo está bom e firme, e se podem obter espaço e tranqüilidade. Não somos como o povo da Palestina que pode fazer previsão do tempo e não está correndo toda hora o risco de uma chuvarada. Mas se nos encontramos sub Jove – sob Júpiter – como dizem os latinos, devemos esperar que o Jove da hora seja o Jupiter pluvius – Júpiter chuvoso. Sempre podemos ter um dilúvio quando menos o desejamos, mas se marcarmos um culto ao ar livre no domingo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 100 que vem, de manhã, não temos nenhuma garantia de que não ficaremos molhados até os ossos. É verdade que alguns sermões notáveis foram pregados na chuva, mas como regra geral o ardor dos ouvintes raramente é bastante grande para suportar aguaceiros. Além disso, o frio dos nossos invernos é intenso demais para permitir serviços religiosos a campo aberto durante o ano todo, embora na Escócia tenham-me falado de sermões pregados em plena chuva e neve; e John Nelson escreve que falou a "uma multidão demasiado grande para ficar dentro de casa, embora estivesse escuro e nevasse." Essas coisas podem ser feitas de vez em quando, mas as exceções somente confirmam a regra. Convém reconhecer também que, quando as pessoas se reúnem entre paredes, se a casa for tão conveniente que não se poderia conseguir prontamente mais pessoas como ouvintes, e se estiver sempre repleta, não há por que ir para fora e pregar a menor número de pessoas do que as que estariam dentro. Pois, consideradas todas as coisas, um assento confortável e protegido do tempo, bem como do barulho e da interferência alheia, é útil para a pessoa ouvir o evangelho com solenidade e tranqüila reflexão. Um edifício bem ventilado e bem administrado é vantajoso, se as multidões podem ficar bem acomodadas e ser induzidas a comparecer. Mas estas condições raramente se encontram, pelo que meu voto é a favor dos campos abertos. O grande beneficio da pregação ao ar livre é que consegue muitos novos freqüentadores para ouvir o evangelho – que doutro modo jamais o ouviriam. A ordem do evangelho é: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura", mas é tão pouco obedecida, que se pode imaginar que seus termos do: "Ide ao vosso próprio local de culto e pregai o evangelho às poucas criaturas que entrarão ali." "Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantas encontrardes." Embora isto constitua parte de uma parábola, merece ser tomado literalmente e, fazendo assim, o seu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 101 significado será captado melhor. Devemos de fato ir às ruas, vielas e estradas, pois existem elementos furtivos nas valetas, vagabundos nas estradas, gente da rua e das vielas, que jamais atingiremos se não os procurarmos em seus próprios domínios. Os caçadores não devem ficar parados em casa esperando que as aves venham, e então alvejá-las. Tampouco devem os pescadores atirar as redes dentro dos seus barcos e esperar apanhar assim muitos peixes. Os negociantes vão aos mercados, vão atrás dos seus fregueses e saem à procura de negócios, se estes não vêm a eles. Assim deve ser conosco. Alguns dos nossos irmãos ficam palrando sem parar a bancos vazios e a genuflexórios mofados, quando poderiam estar transmitindo duradouro beneficio a centenas, se deixassem por um pouco as velhas paredes e procurassem pedras vivas para Jesus. Oxalá saiam de Reobote e achem lugar na esquina da rua. Oxalá deixem Salém e procurem paz para as almas negligenciadas. Oxalá deixem de sonhar em Betel, mas façam com que um espaço aberto não seja outra coisa que a casa de Deus. Oxalá desçam do Monte Sião, subam de Enom, e até mesmo se retirem das igrejas da Trindade, de Santo Agnes, de São Miguel e Todos os Anjos, de Santa Margarida das Patenas, de São Vedasto, de Santa Etelburga e de todo o restante delas, e tratem de encontrar novos santos entre os pecadores que estão perecendo por falta de conhecimento. Sei de pregações nas ruas de Londres notavelmente abençoadas para pessoas cujo caráter e condição impediriam totalmente que se achassem num local de culto. Sei, por exemplo, de um amigo judeu que, ao vir da Polônia, não entendia nada do idioma inglês. Caminhando pelas ruas no domingo, notou numerosos grupos que ouviam a zelosos pregadores. Ele nunca tinha visto coisa igual em seu país, onde a polícia russa ficaria alarmada se se vissem grupos conversando. Portanto, ficou interessadíssimo. Conforme foi aprendendo um pouco de inglês, foi-se tornando mais e mais constante em seu comparecimento para ouvir os oradores de rua. Na verdade, de inicio fazia isso em grande parte movido pelo interesse em aprender a língua. Receio que o inglês que aprendeu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 102 não foi do melhor, juízo que formo tanto do que tenho ouvido da oratória ao ar livre, como do que ouvi do nosso amigo judeu, cuja teologia é superior ao seu inglês. Contudo, aquele "verdadeiro israelita" sempre tem razão ao recomendar os pregadores de rua. Somos incapazes de calcular quantos outros estrangeiros e forasteiros podem ter-se tornado concidadãos dos santos e membros da família de Deus, pela mesma instrumentalidade. Os romanistas também são atingidos por este método com mais freqüência do que alguns suporiam. Poucas vezes é sensato publicar casos de conversão de papistas, mas a minha observação pessoal leva-me a crer que são muito mais comuns do que há dez anos, e a obra da graça geralmente começa com o que se ouve do evangelho nas esquinas de nossas ruas. Os infleis constantemente se rendem à Palavra do Senhor, assim recuperada para eles. Demais, o evangelista de rua atrai a atenção daquelas pessoas excêntricas cuja religião não se pode descrever nem imaginar. Essas pessoas odeiam até olhar as nossas igrejas e os nossos locais de reunião, mas ficam no meio de uma multidão para ouvir o que se fala e, muitas vezes, os que mais dão a aparência de que são hostis são os que ficam mais impressionados com a mensagem. Além disso, há numerosas pessoas nas grandes cidades que não possuem roupas próprias para o culto, de acordo com a idéia corrente de que roupas deveriam ser. E não poucas pessoas há que, elas mesmas, como também suas vestimentas, são tão sujas, tão mal-cheirosas, tão repelentes, que o maior filantropo e o democrata mais igualitário desejariam ter algum espaço entre si e aquelas "airosas" personalidades. Há outros que, seja qual for o tipo de vestes que usam, não entrariam numa capela por nenhuma consideração, pois acham que é uma espécie de castigo assistir a um culto. Possivelmente recordam os aborrecidos domingos da sua infância e os áridos sermões que ouviram nas poucas vezes que entraram numa igreja. Mas o certo é que olham para as pessoas que freqüentam locais de culto como se vissem nelas gente que se livra da punição que deveria sofrer no mundo por vir, padecendo-a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 103 neste mundo em lugar daquele. O jornal de domingo, o cachimbo e a panela os encantam mais do que todas as arengas de bispos e outros clérigos, quer da igreja estabelecida, quer dos dissidentes. O evangelista de praça pública muitas vezes cativa esses membros do partido do "Nada de Igreja" e, ao fazê-lo, freqüentemente acha algumas das mais ricas gemas que no final adornarão a coroa do Redentor; jóias que, em razão de sua rusticidade, podem passar sem ser notadas por uma classe mais enfadonha de conquistadores de almas. Nas ruas de Nínive, Jonas foi ouvido por multidões que jamais teriam sabido da sua existência, se ele tivesse alugado um salão. João Batista, junto ao Jordão, despertou um interesse que nunca teria surgido, se ele se tivesse restringido à sinagoga. E aqueles que foram de cidade em cidade proclamando por toda parte a Palavra do Senhor Jesus, nunca teriam transtornado o mundo se tivessem achado necessário limitar-se a salas férreas adornadas com o aviso ortodoxo: "O evangelho da graça de Deus será pregado aqui, no próximo domingo à norte, se Deus quiser." Estou inteiramente seguro também de que, se pudéssemos persuadir os nossos amigos da zona rural a saírem um bom número de vezes por ano para fazer culto numa campina, ou à sombra de um bosque, ou na encosta de uma colina, ou num jardim, ou num lugar público qualquer, seria a melhor coisa para os ouvintes habituais. A simples novidade do lugar renovaria o seu interesse e os despertaria. A ligeira mudança de cenário exerceria maravilhoso efeito sobre o mais sonolento. Observem quão mecanicamente eles se dirigem ao seu lugar de culto costumeiro, e quão mecanicamente se retiram de lá. Caem nos seus bancos como se tivessem achado afinal um lugar de repouso. Levantam-se com espantoso esforço, para cantar, e se deixam cair antes que você tenha tempo para uma doxologia no final do hino, porque nem notaram que ela vinha a caminho. Como são molengas alguns ouvintes habituais! Muitos dormem de olhos abertos. Depois de sentar-se certo número de anos no lugar de sempre, onde os bancos, o púlpito, as galerias e todas as demais coisas são sempre as mesmas, exceto que ficam um pouco mais sujas e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 104 manchadas cada semana, onde toda gente ocupa a mesma posição sempre e para sempre, e o rosto, a voz e a entonação do ministro são as mesmíssimas de janeiro a dezembro você se põe a sentir a santa quietude da cena e a ouvir a que ela conduz, como se isso tudo se dirigisse ao "embotado e frio ouvido da morte." Como o moleiro ouve as rodas do seu moinho como se não as ouvisse; ou como o foguista mal nota o barulho da sua máquina depois de suportá-lo por algum tempo; ou como um habitante de Londres nunca repara no incessante barulho do tráfego, assim, muitos membros de nossas igrejas tornam-se insensíveis aos mais fervorosos sermões e os aceitam como uma coisa natural. A pregação e tudo mais chegam a ser tão habituais que bem podiam deixar de existir de uma vez. Daí, uma mudança de lugar poderia ser útil; poderia impedir a monotonia, sacudir a indiferença, sugerir reflexões, e de mil modos poderia chamar a atenção e dar nova esperança de boas realizações. Um grande incêndio que consumisse totalmente algumas das nossas capelas não seria a maior calamidade ocorrida, se tão-somente fizesse levantar alguns dos rivais dos sete dorminhocos de Éfeso, que nunca se moverão enquanto o velho templo e os velhos bancos estiverem juntos. Ademais, o ar fresco, e este com fartura, é uma grande coisa para todo mortal – homem, mulher e criança. Preguei na Escócia duas vezes num domingo em Blairmore, numa pequena elevação na costa marítima. Depois de discursar com todas as minhas forças a multidões de ouvintes que somavam milhares, não senti nem a metade do cansaço que muitas vezes sinto quando me dirijo a algumas centenas de pessoas num buraco escuro e horrível de Calcutá, a que dão o nome de capela. Relaciono o meu vigor e a ausência de fadiga em Blairmore ao fato de não haver ali janelas que pudessem ser fechadas por pessoas que têm medo de correntes de ar, e ao fato de o teto ser da altura dos céus. Minha convicção é que um homem pode pregar três ou quatro vezes ao ar livre no domingo com menor fadiga do que a ocasionada por um discurso feito numa atmosfera impura, aquecida e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 105 envenenada pela respiração humana, em que se veda cuidadosamente toda infusão renovadora de ar natural. As tendas são ruins – indescritivelmente ruins. Muito piores do que os piores edifícios. Acho que a tenda é a mais objetável cobertura para um local de culto que já se inventou. Alegra-me ver tendas empregadas em Londres, pois o pior lugar é melhor do que nenhum, e porque elas podem ser transferidas facilmente de um lugar para outro, e não sa muito caras. Mas, ainda assim, se me fosse dado escolher entre não ter nada e ter uma tenda, preferiria muitíssimo o ar livre. Sob a lona a voz é amortecida, e o esforço para falar aumenta grandemente. O material age qual manta molhada para a voz, mata a sua ressonância e impede a sua trajetória. Com temerário esforço, no opressivo ar gerado numa tenda, é mais provável que o pregador seja morto do que ouvido. Vocês devem ten notado mesmo em nossas reuniões na Escola Bíblica, quando somos apenas uns duzentos, como é difícil ouvir do extremo de uma tenda, ainda quando os lados são abertos e o ar é puro. Talvez possam nessas ocasiões atribuir o fato em certa medida à falta de atenção e de silêncio da parte dessa congregação um tanto eufórica. Entretanto, mesmo quando se eleva oração e todos estão calados, tenho observado grande falta de poder de alcance na melhor voz debaixo de uma grande tenda. Se forem pregar ao ar livre no campo, talvez possam escolher o melhor ponto em que pregar. Se não, naturalmente, usarão o que conseguirem, e deverão com fé aceitá-lo como o melhor. A escolha de Hobson* – este ou nenhum – simplifica a questão e evita muita contenda. Não sejam exigentes demais. Se for o caso de existir um bosque perto do templo da sua igreja, escolham-no, porque será muito conveniente para voltar para dentro do salão de reuniões se o tempo não for favorável, ou se quiserem fazer uma reunião de oração depois do sermão. É bom pregar antes dos trabalhos regulares num ponto qualquer perto do local * Um certo Hobson, de Cambridge, alugava cavalos, mas o freguês tinha que utilizar-se do cavalo mais próximo da porta na ocasião – ou não levava nenhum. Nota do tradutor. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 106 de culto, de modo que se possa fazer o povo ir direto para dentro do edifício antes de saber o que vai acontecer. Meia hora de pregação e de cânticos ao ar livre antes da hora regular de reunião, com freqüência servirá para encher uma casa vazia. Ao mesmo tempo, nem sempre se apeguem a pontos próximos e acessíveis, mas escolham uma localização por uma razão exatamente oposta, justamente por estar longe de qualquer local de culto e negligenciada por completo. Pendurem lampiões onde quer que haja um recanto obscuro; quanto mais escuro, mais luz é necessária. Paradise Row (Passeio do Paraíso) e Pleasant Place (Local Aprazível) são geralmente os lugares menos paradisíacos e menos aprazíveis. Para lá volvam os seus passos. Vejam que os habitantes do vale da sombra da morte percebam que surgiu a luz para eles. Algures encontrei a recomendação para que se pregue sempre com um muro atrás. Contra isso, porém, dou meu aparte. Tenham cuidado com o que possa haver do outro lado do muro. Um evangelista recebeu uma lata de água fervendo do alto de um muro, acompanhada desta amável observação: "Aí vai sopa para os protestantes!" Outro foi favorecido com sujeiras as mais detestáveis despejadas de uma vasilha, de cima. Gideon Ouseley começou a pregar em Roscommon de costas para uma parede triangular de uma indústria beneficiadora de tabaco. Havia ali uma janela com uma porta de madeira, pela qual a mercadoria era içada para o balcão interior. É para espantar, mas a janela abriu-se de repente, e dela baixou um balde cheio de água de tabaco – um líquido pegajoso, dolorosíssimo nos olhos! Nos anos posteriores, o pregador soube fazer melhor do que postar-se em tão tentadora posição. Que a experiência dele nos instrua. Se me coubesse escolher um declive para pregar, preferiria ficar em frente de um terreno em aclive, ou num espaço aberto circundado a alguma distância por um muro. Claro que é preciso espaço suficiente para permitir que os ouvintes se reúnam entre o púlpito e aquilo que cerca o terreno em frente, mas eu gosto de ver um limite, e não de atirar no espaço ilimitado. Não conheço mais belo lugar para um sermão do Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 107 que os terrenos do meu amigo Duncan, em Benmore. Era um extenso e plano prado à frente de terraços em elevação, cobertos de abetos. As pessoas podiam ocupar os assentos embaixo, ou acomodar-se nos bancos de relva, comportando-se melhor por estarem bem acomodadas. E assim eu tinha parte dos meus ouvintes nas galerias em aclive acima de mim, e os restantes na área que me circundava. Minha voz subia sem dificuldade, e imagino que, se o povo estivesse sentado colina acima até uma distância de meia milha, poderia ouvir-me facilmente. Suponho que o local favorito de Wesley em Gwennap Pit deve ter sido algo da mesma ordem. Os anfiteatros e as encostas de morros são sempre os pontos favoritos dos pregadores nos campos, e vocês verão na ocasião as suas vantagens. Uma vez o meu amigo Abraão construiu uma grande catedral em Oxfordshire. O que resta dela ainda é chamado "Tabernáculo de Spurgeon", e pode ser visto nas proximidades de Minster Lovell, na forma de um quadrilátero de carvalhos. Originalmente era o beau ideal – a excelência ideal – de um local de pregação, pois era uma clareira na espessa floresta de Witchwood, e era alcançada por estradas abertas através do mato secundário. Jamais esquecerei aquelas "verdes aléias" e as verdejantes cercas vivas que as encerravam. Chegando à parte interna do templo, via-se que ela consistia de uma grande quadra, da qual a mata baixa e as árvores menores tinham sido cortadas, ao passo que deixaram um número suficiente de carvalhos novos crescerem até considerável altura, os quais faziam sombra sobre nós com os seus ramos. Ali estava uma catedral verdadeiramente magnífica, com arcos e colunas. Um templo não feito por mãos, do qual realmente se poderia dizer: "Pai, Tua mão ergueu estas colunas veneráveis, e deste verde teto foste o Tecelão." Jamais vi, tanto em meu país como no continente, uma arquitetura que rivalizasse com a minha catedral. "Eis que o ouvimos em Efrata: nós o encontramos nas clareiras do bosque." O firmamento azul era visível através da nossa clarabóia, e da grande janela da extremidade o sol nos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 108 sorria na chegada da noite. Senhores, era de fato grandioso prestar culto assim, sob a abóbada celeste, distante dos sons do matraquear da cidade, e onde tudo em derredor favorecia a silente comunhão com Deus. Aquele local foi desfeito, e agora o local de nossas reuniões foi escolhido à pequena distância dali. Suas características são quase idênticas, só que os meus muros de vegetação florestal para delimitação desapareceram para dar lugar a uma extensão aberta de campos cultivados. Somente permanecem as colunas e o teto do meu templo, mas ainda estou alegre como os druidas, por cultuar entre carvalhais. Este ano uma pomba construiu o seu ninho justamente acima da minha cabeça, e continuou voando para lá e para cá a fim de alimentar os filhotes, enquanto prosseguia o sermão. Por que não? Onde ela haveria de sentir-se mais à vontade do que no lugar em que o Deus de amor e Príncipe da Paz é adorado? É verdade que a minha catedral, provida de arcos, não é à prova d'água, e outras chuvas, além das chuvas de bênçãos da graça divina, descerão sobre o povo congregado. Mas isso tem suas vantagens, pois nos torna mais agradecidos quando o dia é propicio, e a própria precariedade do tempo provoca grande quantidade de orações fervorosas. Certa vez preguei um sermão ao ar livre no tempo da colheita, durante uma violenta tempestade de chuva. O texto era: "Ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra", e o certo é que tivemos a bênção, juntamente com a inconveniência. Eu fiquei bastante molhado e os meus ouvintes ficaram ensopados, mas permaneceram ali. Nunca ouvi dizer que algum deles ficasse pior de saúde, embora, graças a Deus, tenha ouvido contar que almas foram trazidas a Jesus sob aquele discurso. Uma vez ou outra, e quando há grande entusiasmo, tais coisas não fazem dano a ninguém. Mas não devemos esperar milagres, nem aventurar-nos desenfreadamente a um curso de procedimento que possa matar os enfermos e lançar os fundamentos da doença nos fortes. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 109 Recordo bem a pregação feita entre os penhascos de Cheddar. Que nobre localização! Que beleza e sublimidade! Mas havia perigo de caírem pedras, soltas pelas pessoas sentadas nas partes mais altas do penhasco. Por isso, não tornaria a escolher aquele local. Devemos evitar judiciosamente localizações que possibilitem graves acidentes. Uma cabeça machucada não qualifica ninguém para desfrutar as belezas da natureza, ou as consolações da graça. Concluindo um discurso no local acima referido, invoquei aquelas poderosas rochas a darem testemunho de que tinha pregado o evangelho ao povo, e a serem testemunhas contra os meus ouvintes no grande dia final, se rejeitassem a mensagem. Só outro dia fiquei sabendo de uma pessoa a quem aquele apelo foi tornado útil pelo Espírito Santo. Olhem bem o terreno que escolherem, que não seja barrento. Jamais gosto de ver um homem escorregar e cair de joelhos na lama quando estou pregando. Zonas de junco são com freqüência tão macias e verdes, que as escolhemos sem notar que tendem a ficar lodosas, e causar pés encharcados aos nossos ouvintes. Sempre dêem inconveniências a vocês mesmos, antes que aos seus ouvintes. É como Jesus faria. Mesmo nas ruas de Londres, a preocupação com a conveniência dos ouvintes é algo que concilia uma multidão mais que qualquer outra coisa. Evitem como seu pior inimigo a proximidade de álamos da Normandia. Estas árvores fazem perpétuo ruído de silvo e rangido, quase como o barulho do mar. Cada uma das folhas de certas espécies de álamo está em permanente movimento, como a língua do tagarela. Pode ser que o ruído não pareça muito alto, mas apaga a melhor voz. "O som de movimento nas copas dos pés de amora" está bem, mas, tratem de livrar-se do barulho dos álamos e de algumas outras árvores, ou sofrerão. Tive penosa experiência com essa coisa irritante. Padecia-me que a velha serpente silvava para mim daqueles galhos. Pregadores experimentados cuidam para que o sol não dê diretamente nos seus rostos. Tampouco desejam que os seus ouvintes sejam molestados de igual modo. Portanto, eles tomam este item em Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 110 consideração quando planejam um culto. Em Londres não vemos esse luzeiro bastantes vezes para ficarmos muito preocupados com este ponto. Não tentem pregar contra o vento, pois será uma vá tentativa. Poderão lançar a voz a uma curta distância com um esforço espantoso, mas não poderão ser bem ouvidos nem sequer por poucas pessoas. Não é freqüente eu adverti-los a considerarem o lado para o qual o vento sopra, mas nesta ocasião os exorto a fazê-lo, caso contrário trabalharão inutilmente. Preguem de modo que o vento leve sua voz em direção ao povo, em vez de soprá-la de volta à sua garganta, ou terão que engolir suas próprias palavras. Não há como medir quão longe um homem pode ser ouvido com o vento a seu favor. Em certas atmosferas e climas, como por exemplo nos da Palestina, as pessoas podem ser ouvidas a algumas milhas de distância. Frases isoladas de um linguajar bem conhecido na Inglaterra podem ser reconhecidas bem longe, mas eu tenho sérias dúvidas sobre alguém que diga que compreendeu uma frase nova a mais de uma milha de distância. Consta que Whitefield foi ouvido a uma milha, e me afirmaram que eu mesmo fui ouvido àquela distância, mas quanto a isso eu sou um tanto cético. Certamente meia milha basta, mesmo com a ajuda do vento, mas é preciso de que se assegurem de que serão ouvidos. No campo deve ser fácil achar um lugar apropriado para pregar. Uma das primeiras coisas que o ministro deve fazer quando sai da Escola Bíblica, e se estabelece numa cidade ou vila campestre, é começar a falar ao ar livre. Geralmente Não terá dificuldade quanto á localização. A terra está diante dele, e pode escolher segundo o seu desejo. A praça do mercado será um bom começo. Depois, a parte da frente de um pátio apinhado de pobres. Em seguida, a esquina favorita dos ociosos da paróquia. Cheap Jack's Stand – O Ponto do Joãozinho Barateiro dará um excelente púlpito no domingo à noite, durante a feira do povoado, e uma carroça servirá bem, no gramado, ou num campo próximo, nas noites dos dias úteis durante as festas dos camponeses. Ótimo lugar para um discurso al fresco é o prado onde os velhos olmos, há muito tempo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 111 caídos, jazem ainda ali em reserva, como se destinados a servir de assentos para os nossos ouvintes. Assim também é o cemitério das casas de reunião onde "dormem os rudes antepassados da aldeia." Consagremnos aos vivos e deixem que o povo desfrute "Meditações entre os Túmulos." Depois, nada de escusas, e tratem de trabalhar imediatamente. Em Londres, ou em qualquer cidade grande, é uma grande coisa encontrar um lugar vago onde possam obter o direito de fazer trabalhos religiosos a seu bel prazer. Se puderem descobrir um lote de terreno livre de construção, e se puderem conseguir do proprietário autorização para usá-lo enquanto ele não o ocupar, será uma grande aquisição, e vale a pena fazer o pequeno gasto para cercá-lo, pois o pregador será o reí do castelo e os perturbadores serão invasores. Suponho que não é fácil obter um lugar assim, principalmente para quem não tem dinheiro; mas vale a pena pensar nisso. É grande vantagem quando o local de culto tem ainda um pequeno espaço externo, como na capela de Surrey, ou nos degraus do Tabernáculo; pois ali se está fora da interferência da polícia e dos ébrios. Se não contamos com nenhum desses, temos que achar esquinas de ruas, logradouros em triângulo, recantos silenciosos, e amplos espaços onde proclamar o evangelho. Anos atrás preguei a enormes reuniões na Estrada do Reí Edward, Hackney, que consistia então de campos abertos, mas agora não resta sequer uma jarda disponível. Naquelas ocasiões o movimento era perigoso para a vida e para a integridade física, e inumeráveis eram as multidões. Metade do número garantiria maior segurança. Aquele espaço livre desapareceu, acontecendo o mesmo com os campos de Brixton onde, em anos recémpassados, era deleitável ver as multidões reunidas ouvindo a Palavra. Sobrecarregado com o extraordinário problema de dirigir tanta gente junta, fui compelido a abster-me desses trabalhos em Londres, não porém por ter diminuído para mim o senso da sua importância. Com o Tabernáculo sempre cheio, tenho em casa tanta gente como desejo e, portanto, não prego ao ar livre, exceto na zona rural. Mas para aqueles ministros cuja área coberta é pequena, e cujas reuniões de ouvintes são Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 112 pouco numerosas, o ar livre é o remédio, quer em Londres, quer nas províncias. Na promoção de um novo interesse, e nas operações missionárias, os trabalhos ao ar livre são um dos principais instrumentos. Tratem de conseguir que as pessoas ouçam lá fora para que, mais dia menos dia, prestem culto lá dentro. Púlpito não falta. Uma cadeira pode servir, ou a calçada das vias públicas. Quanto menos formalidade, melhor, e se vocês começarem conversando simplesmente com os dois ou três que os rodeiem, sem pretender sermonar, farão bem. Mais benefícios pode ser feito pela conversação pessoal com um individuo, do que por um discurso retórico a cinqüenta. Não queiram interferir nas ocupações de toda gente, mas se se acumular a multidão, não se apressem a concluir, de puro medo. Logo a polícia lhes fará saber quando devem terminar. Todavia, vocês são muito mais necessários onde não corram o perigo de impedir os passos dos transeuntes, mas vocês mesmos é que estão sujeitos a perigos, Refiro-me àqueles pátios de cortiços e aos becos de nossas grandes cidades que jazem fora da rota da decência, e são desconhecidos de toda gente, menos da polícia; e desta principalmente, devido a desordens e ferimentos. Falam da descoberta do interior da África; precisamos de exploradores para os becos e redutos londrinos. As regiões árticas do quase tão acessíveis como Dobenson's Rents e Jack Ketch's Warren. Heróis da cruz – eis aqui para vocês um campo mais glorioso do que os que El Cid contemplou quando, com sua valorosa destra, bateu os exércitos de Paynim. "Quem me conduzirá à cidade fortificada? Quem me guiará até Edom?" Quem nos capacitará a ganhar estes antros e favelas para Jesus? Quem o fará, senão o Senhor? Os soldados de Cristo que se aventurarem nessas regiões deverão esperar o avivamento das práticas dos bons tempos antigos, no que se refere aos cacos de tijolo. Experimentei certa vez a queda acidental de um vaso de flores de uma alta janela numa direção notavelmente oblíqua. Contudo, se nascemos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 113 para sermos silenciados, vasos de flores não nos matarão. Sob essa espécie de tratamento, pode ser reanimador o que Christopher Hopper escreveu sob condições semelhantes, há mais de cem anos. "Eu não ligava muito para um pouco de sujeira, alguns ovos podres, o som de uma corneta de chifre de vaca, o barulho de sinos ou algumas bolas de neve na estação própria. Mas às vezes eu era saudado com estouros, pedras, cacos de tijolo e cacetes. Desses eu não gostava muito. Não eram agradáveis, nem à carne, nem ao sangue. Às vezes eu perdia um pouco de pele, e uma vez perdi um pouco de sangue, arrancado da minha testa com uma pedra pontuda. Usei uma bandagem durante alguns dias, e não fiquei envergonhado. Gloriei-me na cruz. E quando os meus pequenos sofrimentos se tornavam abundantes por amor a Cristo, o meu consolo se tornava muito mais abundante. Nunca me senti mais feliz na alma, e mais abençoado nos trabalhos." Fico um tanto contente quando ocasionalmente ouço contar que um irmão foi trancafiado pela polícia, pois isto lhe faz bem, e também ao povo. É bonito ver o ministro do evangelho levado pelo servo da leí! Desperta simpatia por ele e, em seguida, simpatia por sua mensagem. Muitos que não se interessavam nem um pouco por ele antes, ficam ansiosos por ouvi-lo, quando lhe ordenam que parta, e mais ainda quando é levado ao posto policial. Os mais vis membros da humanidade respeitam o homem que se mete em problemas a fim de fazer-lhes bem, e se notam que surge uma oposição injusta, tornam-se mais que zelosos na defesa desse homem. Estou persuadido de que quanto mais pregação ao ar livre houver em Londres, melhor. Se pode vir a ser causa de aborrecimento para alguns, será uma bênção para outros, desde que dirigida adequadamente. Se o que se prega é o evangelho, e se o espírito do pregador é de amor e de veracidade, não pode haver dúvida quanto aos resultados: o pão lançado sobre as águas será encontrado de novo, após muitos dias. Contudo, o evangelho deve ser pregado de modo digno de ser ouvido, pois fazer barulho apenas, faz mais mal que bem. Conheço uma família que quase ficou fora de si pelo horrível lançamento de exortações Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 114 monótonas, e o rugido de "Salvo nos braços de Jesus" perto de sua porta, todas as tardes de domingo, o ano inteiro. São cristãos zelosos, e estariam dispostos a ajudar os seus atormentadores, se vissem a mais ligeira possibilidade de qualquer proveito dos violentos berros. Mas, como raramente vêem um ouvinte, e não acham que o que é proclamado faria qualquer beneficio se fosse ouvido, lamentam ser forçados a perder suas poucas horas de sossego porque dois bons homens crêem que têm o dever de fazer um trabalho ruidoso, mas perfeitamente inútil. Uma vez vi um homem pregando para nenhum ouvinte, exceto um cão, que estava sentado sobre a cauda e olhava para cima com muita reverência enquanto o seu dono discursava. Não havia ninguém nas janelas, nem transeuntes, mas aquele irmão e o seu cachorro continuaram no posto, quer o povo ouvisse, quer não. Outra vez passei por um ardoroso declamador cujo chapéu estava no chão, diante dele, cheio de papéis, e não havia sequer um cão para ouvi-lo, e ninguém ao alcance da sua voz. Apesar disso, ele "desperdiçava a sua maviosidade no ar deserto." Espero que ele tenha recuperado a razão. Realmente deve ser considerado como parte essencial do sermão que alguém o ouça. O mundo não pode receber grande beneficio com sermões pregados no vácuo. Quanto ao estilo da prédica ao ar livre, certamente deve ser muito diverso daquilo que prevalece nos recintos fechados e, talvez, se um orador devesse adquirir um estilo plenamente adaptado a ouvintes na rua, seria sábio levá-los consigo portas adentro. Grande parte da prática de fazer sermões pode definir-se como não dizer nada no máximo de extensão. Mas, portas fora a verbosidade não é admirada. Você tem que dizer alguma coisa e acabá-la bem, e prosseguir dizendo alguma coisa mais, se não os ouvintes o farão saber. "E então", grita um crítico de rua, "desembuche logo, velho companheiro." Ou se faz esta observação: "Agora, pois, jogue isso fora! É melhor que você vá para casa e aprenda a sua lição." "Encurte isso, meu velho!", é uma admoestação muito Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 115 comum, e eu gostaria que os presenteadores deste conselho gratuito fizessem com que ele fosse ouvido no interior de Ebenézer, Zoar e alguns outros lugares consagrados aos discursos longos. Onde essas críticas não são empregadas, os ouvintes censuram a prolixidade indo embora silenciosamente. Coisa muito desagradável esta, ver dispersar-se o seu grupo de ouvintes; mas é uma clara notificação de que as suas idéias andam muito dispersas também. Na rua, a pessoa deve manter-se animada, empregar muitas ilustrações e casos, e respingar uma observação curiosa aqui e ali. Demorar muito num ponto nunca funciona. A argumentação deve ser breve, clara, e concluída logo. O discurso não deve ser elaborado ou complicado, nem é preciso que a segunda divisão dependa da primeira, pois os ouvintes variam, e cada ponto deve ser completo em si mesmo. A cadeia de pensamentos deve ser desmontada, e cada elo deve ser fundido e transformado em bala. Você não precisa tanto do sabre de Saladino para picar um lenço de musselina, como o machado de guerra de Coração de Leão para quebrar uma barra de ferro. Vá ao ponto de uma vez, e vá com todo o vigor. Ao ar livre é preciso usar curtas frases de palavras e breves passagens de pensamento. Longos parágrafos e grandes argumentos é melhor reservar para outras ocasiões. Nas grandes reuniões feitas no sossego do campo, há muito poder no silêncio eloqüente introduzido de vez em quando. Dá ao povo tempo para tomar fôlego, e também para refletir. Todavia, não tente fazer isso numa rua de Londres. Trate de ir adiante ou, se não, alguém levará embora os seus ouvintes. Num sermão pregado normalmente no campo, as pausas são muito eficientes, e úteis de várias maneiras, tanto para o orador como para os ouvintes. Mas a um grupo de pessoas que passam e que não estão inclinadas a nada que se pareça a um culto, é mais adequado um discurso rápido, curto e incisivo. Nas ruas o pregador deve agir e falar com intensidade, do princípio ao fim. Por essa mesma razão, deve ser conciso e deve concentrar-se no pensamento e na alocução. Não dá certo começar dizendo: "Diletos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 116 amigos, o meu texto é uma passagem da Palavra inspirada, que contêm doutrinas da máxima importância e nos expõe, da maneira mais clara a mais valiosa instrução prática. Chamo a vossa cuidadosa atenção e o exercício do vosso mais cândido julgamento enquanto o considerarmos sob vários aspectos e o colocamos sob diferentes luzes, para podermos perceber sua posição na analogia da fé. Em sua exegese encontraremos uma arena para os intelectos cultos e para as sensibilidades refinadas. Como o sussurrante arroio percorre sinuosamente os prados e fertiliza os pastos, assim a corrente da verdade sagrada fluí através das extraordinárias palavras que agora estão diante de nós. Ser-nos-á bom canalizar a cristalina corrente para o reservatório da nossa meditação, a fim de sorvermos o cálice da sabedoria com os lábios da satisfação." Cavalheiros, não é esse o tipo mais comumente usado para tecer o palavreado? E esta arte não está em voga hoje em dia? Se você for ao obelisco da estrada de Blackfriars e falar desse jeito, será saudado com : "Vai-te, velho pára-choque!" ou "Não é que ele é uma beleza? Ai DOS MEUS OLH OS!" Um jovem bem vulgar gritará: "Que boca para um trapeiro!" E outro bradará em tom de solenidade zombeteira: "AMÉM!" Se você lhes der ninharia, alegremente lha lançarão de volta ao peito. Boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão. As fraudes e as representações teatrais não receberão misericórdia de gente reunida nas ruas. Mas, tenha alguma coisa para comunicar, olhe no rosto dos ouvintes, diga o que pretende coloque-o com clareza, ousadia, ardor e cortesia – e eles o ouvirão. Nunca fale só para preencher o tempo ou só para escutar a própria voz; caso contrário, receberá alguma informação sobre a sua aparência pessoal ou quanto ao seu modo de falar, informação que provavelmente será mais verdadeira do que agradável. "Caracóis!" diz alguém. "Ele seria um ótimo dono de funerária! Ele os faria chorar!" Este foi o cumprimento dado a um melancólico irmão cujo tom é peculiarmente fúnebre. "Aí, meu velho", disse um crítico noutra ocasião, "vá molhar a goela. Você deve sentir-se terrivelmente Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 117 seco depois de tagarelar desse jeito a respeito de coisa nenhuma." Isso também foi muito apropriado a um irmão demasiado duro de agüentar, de quem eu já tinha dito que daria um bom mártir, pois sem dúvida queimaria bem, tão seco era. É triste, muito triste, que seja necessário fazer estas observações, mas há em alguns de nós um veio travesso que nos faz notar que as observações do vulgo muitas vezes são verdadeiras, e "valem como se fossem o espelho da natureza." Como uma caricatura freqüentemente dá uma idéia mais vívida de uma pessoa do que uma fotografia, assim estes rudes críticos do populacho acertam o orador nos pontos vitais com as censuras exageradas que fazem. O orador mais excelente deve estar preparado para partilhar deste espírito da rua, e a devolvê-lo, se necessário. Mas, a ostentação, o ar austero, o formalismo, os rodeios infindos do santarrão, e a ostensiva pretensão de superioridade, realmente convidam os gracejos ofensivos, e em considerável medida os merecem. Chadband e Stiggins, vestidos de preto rançoso, com os cabelos emplastados, com um colarinho enorme – são objetos de irrisão, como o próprio Sr. Guido Fawkes (conspirador romanista fanático). O homem que se considere muito grande provocará imediata oposição, e a pretensa ostentação de santidade sobrenatural terá o mesmo efeito. Quanto menos você se pareça com um cura de almas, mais probabilidade terá de ser ouvido. E se sabem que você é ministro, quanto mais você mostrar que é um ser humano, melhor. "O que você recebe por isso, governador?", é o que certamente lhe perguntarão se você parecer um clérigo. Neste caso, é bom dizer-lhes logo que isso é extra, que você está fazendo horas extras, e que não haverá coleta. Constantemente dizem: "Você faria maior beneficio se nos desse um pouco de pão ou de cerveja, em lugar de folhetos." Mas, uma atitude varonil e a declaração franca de que você não está procurando salário, mas, sim, o bem deles, silenciarão aquela antiquada objeção. Os movimentos do pregador de rua devem ser do melhor tipo. Devem ser puramente naturais e espontâneos. Nenhum orador deve Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 118 postar-se na rua de modo grotesco, pois assim se enfraquecerá e estará pedindo um ataque. O pregador de rua não deve imitar o seu pastor, pois os ouvintes logo descobrirão a imitação, se o irmão estiver em algum ponto próximo de casa. Nem deve assumir atitude como a de menininhos que dizem: "Meu nome é Norval." A postura rígida e formal, com movimentos regulares dos braços é mãos para cima e para baixo, é comumente adotada. E condeno mais ainda a atitude de maníacos selvagens e desvairados que alguns apreciam, atitude que parece o cruzamento da de Whitefield com ambos os braços no ar, com a de São Jorge com ambos os pés violentamente empenhados em pisar no dragão. Alguns são naturalmente prosaicos, e outros labutam arduamente para ficar assim. Os londrinos maldosos dizem: "Que cura! " Eu só gostaria de conhecer uma cura para esse mal. Evitem-se todos os maneirismos. Agora mesmo observo que não se faz nada sem uma enorme Bíblia de Bagster, de capa mole. Parece haver um encanto especial no tamanho grande, conquanto quase seja preciso um carrinho no qual empurrá-la. Com tal Bíblia cheia de fitas, escolha uma localização no largo Seven Dials, segundo o modelo de um teólogo graficamente descrito pelo Sr. McCree. Tire o chapéu, ponha nele a sua Bíblia e ponha-o no chão. Deixe que o bondoso amigo que se aproxima de você pela direita segure o seu guarda-chuva. Veja como o caro sujeito se presta para fazê-lo! Não é agradável isso? Ele lhe garante que nunca sente tanta felicidade como quando está ajudando homens de bem a fazerem o bem. Agora, feche os olhos para orar. – Quando suas devoções terminarem, alguém ter-se-á aproveitado da ocasião. Onde está o seu afeiçoado amigo que segurava o seu guarda-chuva e o seu hinário? Onde está aquele bem escovado chapéu, e aquela ortodoxa Bagster? Onde? Mas, onde? O eco responde: "Onde?" A catástrofe que desse modo descrevi sugere que um irmão faria bem em acompanhá-lo nos seus primeiros trabalhos como pregador, para que um vigie enquanto o outro ora. Se alguns amigos forem com você e fizerem uma roda em redor, será uma grande aquisição; e se eles Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 119 souberem cantar, a ajuda será maior ainda. O grupo de amigos atrairá outros, ajudará a manter a ordem, e prestará bom serviço fazendo ressoar sermões por meio de cânticos. Será muito desejável falar de modo que seja ouvido, mas não há vantagem em berrar incessantemente. A melhor prédica de rua não é a que é feita no ponto mais agudo da sua voz, pois será impossível dar a ênfase própria às passagens mais convincentes quando no percurso todo você está gritando com todas as suas forças. Quando não há ouvintes por perto e, todavia, há pessoas paradas e ouvindo do outro lado da rua, não seria melhor atravessá-la e economizar um pouco da energia que agora está sendo gasta? A impressão que se tem é que um estilo sereno, penetrante, coloquial, é dos mais persuasivos. Os homens não berram nem gritam quando estão pleiteando algo com a mais profunda seriedade. Em geral eles têm nessas ocasiões menos vendavais e um pouco mais de chuva; menos declamação e mais lágrimas. Continue sem parar com o grito monótono, e desgastará a toda gente, e você mesmo se desgastará. Portanto, sejam sábios desde já, ó vocês que hão de sair-se bem na proclamação da mensagem do Senhor entre as multidões, e usem a voz segundo os ditames do bom senso. Num folheto publicado por aquela excelente sociedade, "The Open Air Mission" (Missão ao Ar Livre), noto o seguinte: QUALIFICAÇÕES DOS QUE PREGAM AO AR LIVRE 1. Boa voz. 2. Naturalidade nos modos. 3. Domínio próprio. 4. Bom conhecimento da Escritura e das coisas comuns. 5. Capacidade de adaptar-se a qualquer grupo de ouvintes. 6. Boa capacidade para ilustrar. 7. Zelo, prudência e bom senso. 8. Coração grande e amoroso. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 120 9. Crença sincera em tudo que diz. 10. Inteira dependência do Espírito Santo para sucesso. 11. Andar em íntima comunhão com Deus pela oração. 12. Comportamento coerente diante dos homens, por um santo viver. Se alguém tiver todas estas qualificações, seria melhor que a rainha o fizesse bispo de uma vez, se bem que nenhuma destas qualidades é dispensável. É mais que certa a ocorrência de interrupções nas ruas de Londres. Em certos lugares tudo corre bem durante meses, mas em outros pontos a luta começa tão logo o orador abre a boca. Há estações de oposição: diferentes escolas de adversários surgem e caem, e subseqüentemente há desordem ou tranqüilidade. O melhor tato nem sempre serve para impedir distúrbios. Quando os homens estão bêbados, não adianta argumentar com eles, e dos furiosos papistas irlandeses podemos dizer praticamente a mesma coisa. Com tais pessoas pouco se pode fazer, a menos que a multidão em torno coopere, como muitas vezes acontece, removendo o obstrutor. Certos tipos, se percebem que a pregação vai prosseguir, interrompem-na de qualquer maneira. Vão resolutos e, se são contestados uma e outra vez, perseveram ainda. Uma regra constante é ser sempre cortês e manter a calma, pois se você ficar mal humorado e zangado, estará tudo perdido para você. Outra regra é manter-se no seu assunto, e nunca desviar-se para questões partidárias. Pregue a Cristo, ou não pregue nada. Não dispute nem discuta, a não ser com os olhos postos na cruz. Se se desviar por um momento, esteja sempre em guarda para retornar ao seu único tópico. Conte-lhes a velha história e, se não a ouvirem, vá em frente. Todavia, seja esperto, e pegue-os com algum estratagema. Persiga o mesmo objeto por muitos caminhos. Um pouco de habilidade materna é por vezes o melhor recurso e opera maravilhas com uma multidão. Depois da graça, a bonomia é a melhor coisa em tais ocasiões. Um irmão das minhas relações silenciou um violento romanista oferecendo-lhe seu lugar e pedindo-lhe que pregasse. Os companheiros dele, animados pelo aspecto Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 121 divertido da coisa, insistiram com ele que o fizesse, mas, como declinasse, a fábula do invejoso foi narrada e o perturbador desapareceu. Se for um verdadeiro cético que o atacar, será prudente evitar o debate quanto possível, ou devolver-lhe perguntas, pois a sua ocupação não é discutir, mas proclamar o evangelho. Diz o Sr. John McGregor: "Os céticos são de muitas espécies. Uns levantam questões para obter respostas, e outros antepõem dificuldades para confundir as pessoas. Um cético sincero disse-me numa reunião pública no Hyde-Park: "Venho tentando crer durante os últimos dez anos, mas há uma contradição que eu não posso deixar de lado, e é esta: dizem que a imprensa foi inventada há menos de quinhentos anos e, contudo, dizem que a Bíblia existe há cinco mil anos e, por minha vida, não consigo entender como pode ser isto." Não pode ser! – mas a multidão não riu daquele homem. Bem poucas pessoas numa multidão sabem muito mais do que ele sobre a Bíblia. Mas quão profundamente os ouvintes beberam do relato que em meia hora fiz dos manuscritos da Escritura, sua preservação, suas traduções e versões, sua dispersão e colheita, seu exame comparativo e sua transmissão, e a dominadora prova da sua genuína veracidade! Lembro-me de como um incrédulo de Kennington Common foi eficazmente sustado. Ele não parava de apregoar as belezas da natureza e as obras da natureza, até que o pregador perguntou-lhe se ele bondosamente gostaria de dizer o que era a natureza. Replicou que "todo mundo sabia o que era a natureza." O pregador respondeu, "bem então será muito fácil você explicar-nos." "Bem, natureza, - natureza, engasgou, "natureza é natureza." Naturalmente a multidão deu risada e o sábio se aquietou. A ignorância, quando aliada a uma língua grosseira e loquaz, deve ser enfrentada com o recurso de dar-lhe bastante corda. Um sujeito quis saber "como Jacó soube que Esaú o odiava." Dessa vez ficou sem resposta, pois o pregador não lhe deu esclarecimento; do contrário, lhe teria dado munição para encontros futuros. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 122 Nossa tarefa não é suprir os homens de argumentos, informando-os sobre as dificuldades. No processo de responder-lhes os ministros têm posto à mostra os sentimentos dos incrédulos mais amplamente do que os próprios incrédulos poderiam tê-lo feito. Os incrédulos somente "recolhem suas lanças sem ponta e as atiram de novo no escudo da verdade." Nosso objetivo não é vencê-los nas confrontações lógicas, mas salvar as suas almas. As dificuldades reais devemos esforçar-nos para enfrentar. Daí é muito desejável ter-se competente conhecimento dos argumentos comprobatórios. Mas é melhor conversar com os oponentes sinceros a sós, quando não ficam com vergonha de admitir que estão errados, e isto não podemos esperar que suceda no meio da multidão. Cristo deve ser pregado, quer os homens creiam nEle, quer não. A nossa experiência do Seu poder para salvar é o nosso melhor argumento, e o fervor, nossa melhor retórica. Freqüentemente a ocasião sugerirá a coisa mais pertinente para dizer, e também podemos recorrer ao Espírito Santo, que nos instruirá no momento exato em que tivermos que falar. A vocação do orador de praça pública é tão honrosa quanto árdua, tão útil quanto trabalhosa. Somente Deus pode sustentá-lo nela, mas com Ele ao seu lado não terá nada a temer. Se dez mil rebeldes se pusessem diante de você, e uma legião de demônios em cada um deles, você não precisaria tremer. Aquele que está por você é mais do que todos os que estão contra. "Por toda a hoste do inferno sendo combatidos, a toda a hoste do inferno derrotamos. Vencendo-a pelo sangue de Jesus, vertido, à conquista final ainda vamos." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 123 POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC. Os assuntos desta preleção serão: "Postura, Gestos e Atitude na Elocução de Um Sermão." Não tentarei traçar uma rígida e definida linha divisória entre uns e outros. Seria necessário ter mente com alta capacidade de discriminação para mantê-los separados. A verdade é que não é possível fazê-lo, pois eles se fundem naturalmente, uns nos outros. Como achei impossível, depois de grande esforço, manter sequer "postura" e "gestos" num estado absolutamente sem mistura em minha mente, deixei-os andar juntos. Mas espero que não haja confusão nenhuma no resultado. O principal é o sermão propriamente dito; seu conteúdo, seu objetivo e o espírito com o qual é apresentado ao povo, a sagrada unção do pregador e o poder divino aplicando a verdade ao ouvinte – são infinitamente mais importantes do que quaisquer pormenores quanto à maneira de pregar. A postura e a ação são questões relativamente pequenas e insignificantes. Entretanto, mesmo o sândalo da estátua de Minerva precisou ser esculpido corretamente e, no serviço de Deus, mesmo as menores coisas devem ser levadas em consideração com santo esmero. A vida é feita de pequenos incidentes, e o sucesso muitas vezes depende da atenção dada aos mínimos pormenores. Pequenas moscas dão mau cheiro ao ungüento do boticário, e pequenas raposas arruínam as vinhas. Portanto, as pequenas moscas e raposas devem ser mantidas fora do nosso ministério. É fora de dúvida que erros, mesmo numa questão secundária como a da postura, têm prejudicado a mente de muitos, estragando o sucesso de coisas que, doutro modo, teriam sido ministérios dos mais aceitáveis. Um homem de talentos acima da média pode, por atitudes ridículas, ser lançado à última fileira, e ser conservado lá. Isso é uma grande lástima, mesmo que houvesse somente um caso desses; mas é de temer que muitos são prejudicados pela mesma causa. Pequenas excentricidades e disparates na atitude e nos gestos, que os sensatos se esforçam para não notar, não são deixados de lado pelo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 124 público em geral. De fato, a maior parte dos ouvintes fixa os olhos principalmente nessas coisas, enquanto que aqueles que comparecem somente para zombar Não vêem outra coisa. As pessoas ou se desgostam ou se divertem com as singularidades estranhas de certos pregadores; ou então buscam escusa para a sua falta de atenção, e saltam para esta, muito conveniente: Não pode haver razão para que devamos ajudar os homens a resistir aos nossos esforços em beneficio deles. Nenhum ministro cultiva voluntariamente um hábito que inutilizaria as suas setas, ou as desviaria do alvo. Portanto, desde que as questões menores, de movimentos, postura e gestos, podem ter aquele efeito, vocês devem darlhes imediata atenção. Prontamente admitimos que os movimentos na pregação são uma coisa de menor conseqüência; pois alguns que obtiveram êxito no mais elevado sentido foram excessivamente falhos do ponto de vista do retórico. No presente momento há em Boston, Estados Unidos da América, um pregador da mais alta classe de poder, de quem escreve um crítico: "Nas sentenças introdutórias, um braço ou o outro balança ao seu lado em desamparo, como se fosse feito de vértebras caudais interligadas frouxamente. Logo passa a exibir comprometedora falta de jeito, bamboleando para cá e para lá de um modo que faz pensar que uma perna é mais curta que a outra, e sacudindo a cabeça e os ombros, dando ênfase que não convence, Levanta uma sobrancelha de maneira completamente impossível. Mais ninguém consegue entortar o olho daquele jeito." Este é um exemplo da vitória da mente sobre a matéria, e da excelência do ensino desculpando os defeitos da elocução. Mas seria melhor que não existissem tais desvantagens. As maçãs de ouro não ficam mais fascinantes quando colocadas em salvas de prata? Por que o poderoso ensino deveria estar associado a bamboleios e trejeitos? Contudo, é evidente que a atitude ao pregar não é essencial ao sucesso, para dizer o mínimo. Parece que Homero achava que a total ausência de gestos não prejudica o eminente poder da alocução, pois retrata um dos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 125 maiores heróis repudiando aqueles, embora não sem alguma percepção de censura da parte dos ouvintes, como se pode notar: "Mas, erguendo-se Ulisses, todo reflexão, os seus olhos modestos fixou sobre o solo. Parecia sem jeito ou mudo, ali de pé. A fronte não ergueu, nem estendeu o cetro. Mas quando fala, como fluí a elocução! Suaves como os flocos da neve ao cair, os tons copiosos caem com arte serena. Caindo, eles se fundem, e a alma penetram! Com espanto o escutamos, e pasmos, surpresos; nosso ouvido refuta a censura dos olhos." Nem é preciso retornar aos antigos em busca da prova de que uma atitude excessivamente calma pode estar ligada ao mais alto poder da eloqüência, pois nos ocorrem diversos exemplos entre os modernos. Talvez baste um: o nosso Robert Hall, supremamente dotado, não tinha movimentos oratórios, movendo-se raramente no púlpito, exceto num ocasional levantar ou ondular da mão direita e, nos seus momentos de maior calor emotivo, um alternado recuo e avanço. Não lhes compete tanto adquirir a atitude certa no púlpito, quanto 1ivrar-se das atitudes errôneas. Se vocês pudessem reduzir-se a manequins imóveis, melhor seria do que serem ativas e mesmo vigorosas encarnações do grotesco, como alguns dos nossos irmãos têm sido. Alguns homens gradativamente caem num estilo suicida de pregação, e é uma coisa muito rara de se ver, um homem escapar depois de ter-se emaranhado nas malhas de um péssimo maneirismo. Ninguém gosta de falar-lhes dos seus estranhos tiques. Assim, não têm consciência deles. Mas é surpreendente que suas esposas não façam mímica deles e não riam de sua estupidez. Ouvi falar de um irmão que, em seus primeiros dias, era mais aceitável, mas, que, mais tarde, ficou muito atrás na carreira porque aos poucos foi caindo em maus hábitos. Falava com gemidos dissonantes, assumia as atitudes mais esquisitas e fazia tão extraordinárias caretas, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 126 que o povo não tinha prazer em ouvi-lo. Chegou a ser merecedor de estima e honra, mas não de ser ouvido. Excelentes cristãos dizem que não sabiam se deviam rir ou chorar quando o ouviam pregar. Sentiam que pela inclinação da natureza deviam rir, mas que pelos impulsos da graça deviam chorar quando viam um pregador tão bom completamente arruinado por atitudes absurdamente artificiais. Se você não se preocupa com o cultivo de atitudes apropriadas, pelo menos tenha sabedoria suficiente para evitar ridicularias e simulações. Há uma grande distância entre o almofadinha, que ondula e perfuma os cabelos, e aquele que deixa os cabelos penderem como massas de feixes de forro, como a juba de um animal selvagem. Jamais os aconselharemos a praticarem posturas diante do espelho, nem a imitar grandes teólogos, nem a macaquear finos cavalheiros. Por outro lado, não é preciso ser vulgar ou absurdo. As posturas e atitudes são simplesmente uma pequena parte da vestimenta de um discurso, e não é nas vestes que jaz a substância da matéria. Um homem vestido de fustão é "homem apesar de tudo"; assim, um sermão pregado de modo estranho pode ser um bom sermão apesar de tudo. Todavia, como nenhum de vocês usaria roupa de indigente se pudesse obter melhor vestuário, assim não devem ser desmazelados a ponto de vestir a verdade como a um mendigo, quando podem ataviá-la como a uma filha de um príncipe. Alguns são por natureza muito desajeitados em suas pessoas e em seus movimentos. Acho que devemos censurar aquilo a que o camponês chamava seu "jeitão". O passo do rústico é pesado, e seu andar é relaxado. Pode-se ver que o habitat natural dele é a roça. No pavimento ou no tapete, ele desconfia dos seus passos, mas na planície lamacenta, com uma carga de mula de barro em cada bota, avança com facilidade, senão com elegância. Há um "que" informe e rústico nos elementos componentes da constituição de alguns homens. Você não os tornaria elegantes, mesmo que os moesse junto com o trigo num triturador. O treinador militar voluntário é da maior utilidade em nossas escolas, e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 127 aqueles país que acham que o exercício militar é perda de tempo, estão muito enganados. Há uma aparência, uma agilidade, uma propriedade geral de conformação, que o corpo humano adquire com o adequado exercício militar, que raramente vem por qualquer outro meio. Esse exercício corrige a posição dos ombros do sujeito, evita o excessivo balanceio dos braços, expande o peito, mostra-lhe o que fazer com as mãos e, numa palavra, ensina o homem a andar direito, e a adequar-se à uma espécie de posição modelar, sem qualquer esforço consciente para conseguí-lo – esforço que seria segura revelação da sua rusticidade. Gente muito espiritual pensa que estou brincando, mas não estou. Espero o dia em que se considerará parte essencial da educação ensinar o jovem a se locomover e a fazer movimentos sem se mostrar desajeitado. Pode acontecer que os gestos desajeitados decorram de uma fraca elocução, e da nervosa consciência da falta de poder naquela direção. Certos homens esplêndidos do nosso conhecimento são tão modestos que chegam a ser tímidos, e daí se tornam hesitantes no falar e desajeitados nos modos. Talvez não se possa mencionar exemplo mais notável disto do que o do finado Dr. James Hamilton, tão caro a nós. Era o mais amável e virtuoso dos pregadores, mas a sua atitude no púlpito era penosa em grau extremo. Seu biógrafo diz: "Em recursos e aquisições mentais, ele possuía grande riqueza; mas na capacidade de expor os seus pensamentos, com todas as variações de tons e claves requeridas pela natureza deles, e ainda de molde a serem ouvidos por todos num grande edifício, era muitíssimo menos dotado. Neste aspecto, por conseguinte, ele sempre se sentia angustiado por ter consciência de estar longe do seu próprio ideal. O certo é que a falta de força vocal e de pronto controle da entonação, prejudicaram grandemente o poder e a popularidade da sua pregação. Na delicadeza dos conceitos, na feliz escolha das expressões, no domínio de figuras contundentes e originais, e no calor do fervor evangélico que pervagava tudo, poucos se igualavam a ele. Todavia, estas raras qualidades eram tosadas em metade da sua força, no que concerne à sua pregação pública, pela necessidade sob a qual constantemente estava de esforçar-se extremamente para fazerse audível, ficando nas pontas dos pés e atirando as palavras a mancheias, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 128 para ver se alcançavam as fileiras mais distantes. Se os músculos do seu peito fossem tais que o capacitassem a ficar solidamente firme em descanso, enquanto os lábios realizassem a tarefa de articulação sem a ajuda de sopros auxiliares dos pulmões exageradamente inflados, James Hamilton por certo teria sido seguido por multidões maiores e teria tornado a sua mensagem acessível a um círculo mais amplo e mais variado. Mas não sabemos que outro mal ter-se-ia intrometido de contra-peso no curso desse êxito externo. Conquanto – com todas as suas orações e sofrimentos – este espinho tenha sido deixado em sua carne, permaneceu a grande compensação: "A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza." Os talentos todos que ao Senhor aprouve dar-lhe, ele desenvolveu a serviço de Quem lhos deu, e se alguns talentos (he foram negados, Aquele que lhos recusou sabe por que. Ele tudo faz bem." Partilhamos de coração este sentimento, mas lamentaríamos por um jovem que se submetesse por seu desiderato a um defeito semelhante, e o atribuísse à mão do Senhor. O Dr. Hamilton não agiu assim. Fez sérios esforços para vencer as suas desvantagens naturais e, quanto sabemos, tomou lições de mais de um professor de oratória. Não se refugiou na desculpa do preguiçoso, mas trabalhou arduamente para dominar a dificuldade, e só fracassou nisso porque era um defeito físico sem remédio. Onde quer que vejamos atitudes desajeitadas evidentemente inevitáveis, demos-lhes pouca ou nenhuma atenção, cuidando de recomendar ao irmão que faça o melhor que puder nessas circunstâncias, avaliando como realização de não pequena monta um mestre de doutrina cobrir com a riqueza do pensamento e a propriedade da linguagem as condições toscas do homem exterior, fazendo, assim, a alma triunfar sobre o corpo. Se havemos, porém, de afligir-nos por qualquer falha na maneira de pregar, decidamo-nos a dominá-la, pois não é tarefa impossível. Edward Irving é um extraordinário exemplo do poder de melhorar neste sentido. De inicio, seus modos eram desajeitados, constrangidos e forçados. Com diligente cultivo, porém, as suas atitudes e os seus movimentos tornaram-se notáveis auxílios à sua eloqüência. Os púlpitos têm muito que responder pelas maneiras desajeitadas dos pregadores. Que horríveis invenções são eles! Se pudéssemos aboli- Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 129 los, poderíamos dizer deles o que Josué disse de Jericó: "Maldito... seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó", pois os púlpitos tradicionais têm sido maior maldição para as igrejas do que à primeira vista parece. Nenhum advogado usaria um púlpito para defender uma causa no tribunal. Como poderia esperar sucesso, enterrado quase até os ombros? O cliente seria arruinado se o causídico ficasse aprisionado dessa forma. Quão varonil, quão dominadora é a atitude com a qual Crisóstomo é geralmente representado! Esquecendo por ora a sua toga, não se pode senão achar que aquela postura natural é muito mais digna da verdade sublime, do que a de uma pessoa abaixada sobre uma folha de papel, olhando muito ocasionalmente para cima, e então mostrando nada mais que a cabeça e os ombros. Em sua obra Chironomia, Austin diz com muita propriedade: "A liberdade também é necessária à elegância da ação. Nenhum gesto poderá ser elegante se estiver limitado por circunstâncias externas ou se for restringido pela mente. Se um homem fosse obrigado a dirigir-se a uma assembléia postado numa janela estreita, através da qual não pudesse estender os braços e a cabeça, ser-lhe--ia vão tentar gestos elegantes. O confinamento no menor grau sem dúvida será proporcionalmente prejudicial à elegância. Assim, o tribunal apinhado de gente será nocivo à ação do advogado, e o púlpito fechado e fixo que muitas vezes elimina mais da metade do vulto do pregador, é-lhe igualmente nocivo." O finado Thomas Binney era incapaz de suportar plataformas. Sabe-se que ele levava becas e outros materiais para pendurar nos gradis de uma tribuna aberta, se se achasse metido numa delas. Isto só deve ter brotado da força do hábito, pois não pode haver vantagem real em encerrar-se num cárcere de madeira. Sem dúvida, este modo de sentir reterá o púlpito fechado por mais algum tempo, mas futuramente encontrarão um argumento em prol da divindade da nossa fé pois ela sobreviveu aos púlpitos. Os ministros não devem ser censurados por suas posturas e atitudes desengonçadas quando se pode ver apenas uma pequena parte do seu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 130 corpo durante o discurso. Se fosse costume pregar como Paulo pregou em Atenas, os oradores públicos se tornariam modelos de propriedade. A propósito, é interessante notar que Rafael, em sua representação de Paulo em Atenas, sem dúvida tinha em mente a declaração do apóstolo: "Deus... não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas"; daí o delineia erguendo as mãos. Devo esta alusão a G.W. Hervey, M.A., que escreveu um "System of Rhetoric" (Sistema de Retórica) muito eficiente e compreensivo. Notáveis são as formas que os púlpitos têm assumido de acordo com os caprichos da fantasia e da tolice humanas. Há vinte anos alcançaram provavelmente a sua pior forma. Quais poderiam ter sido o seu propósito e a sua finalidade, seria difícil conjeturar. Um alto púlpito de madeira, no velho estilo, podia bem lembrar ao ministro a sua mortalidade, pois não passa de um caixão de defunto posto em pé. Mas, com que base racional havemos de sepultar vivos os nossos pastores? Muitas dessas construções assemelham-se a barris; outras são da forma de tapas para ovos, e copos. Uma terceira categoria evidentemente seguia o modelo de um paiol sobre quatro pernas. E uma quarta variedade pode comparar-se a ninhos de andorinha cravados na parede. Alguns deles são tão altos que fazem rodar as cabeças dos ocupantes, quando estes se atrevem a olhar para as temíveis profundidades abaixo deles, e dão torcicolo naqueles que olham durante qualquer espaço de tempo para o pregador lá no alto. Sinto-me como se estivesse no topo de um mastro, quando estou empoleirado no alto dessas "torres do rebanho." Estas abominações são males em si mesmas, e produzem males. Falando sobre púlpitos, faço uma digressão e observo, em beneficio dos diáconos e dos zeladores, que freqüentemente sinto nos púlpitos um abominável cheiro de gás, que por certo provém de vazamentos nos canos de gás, e que tende a intoxicar o pregador, ou a fazê-lo adoecer. Devíamos ser poupados dessa opressão. Também com freqüência colocam dois grandes lampiões em cada lado da cabeça do ministro, bem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 131 perto. Assim, comprimem os seus movimentos e o colocam entre dois fogos. Se há queixas da cabeça quente nos ministros impetuosos, pode-se explicar prontamente, uma vez que o aparelhamento para produzir aquele efeito é preparado com grande esmero. Ainda a outra noite tive o privilégio, quando me sentei ao púlpito, de sentir como se me tivessem golpeado no cocuruto e, ao olhar para cima, vi um enorme bico de gás aceso, marca de fabricação Argand, com um refletor colocado logo acima da minha cabeça, a fim de lançar um foco de luz sobre a minha Bíblia. Uma invenção atenciosa, sem dúvida, só que o inventor se esquecera de que os seus queimadores estariam despejando um calor terrível sobre um cérebro sensível. O pregador não deseja experimentar uma insolação artificial enquanto prega. Se temos que padecer tal calamidade, que nos venha durante os nossos feriados, e que nos venha do sol mesmo. Parece que ninguém, ao construir um púlpito, considera o pregador como homem de sentimentos e sentidos iguais aos das outras pessoas. O assento no qual você deve repousar a intervalos, freqüentemente não passa de uma simples beirada. O puxador da porta dá em suas costas, enquanto que, quando você se levanta para ir à frente, geralmente há uma bolsa de guta-percha entre você e o púlpito propriamente dito. Esta geringonça de borracha visa caridosamente à assistência de certas pessoas surdas que, espero, são beneficiadas. E devem ser, pois todo mal há de ter uma influência compensadora. Você não pode inclinar-se para a frente sem forçar o fechamento dessa invenção. De minha parte, normalmente deposito sobre ela o meu lenço de bolso. Isso faz com que os surdos tirem dos ouvidos as pontas do tubo – e descubram que me ouvem suficientemente bem sem aquilo. Ninguém conhece o desconforto dos púlpitos, exceto o homem que esteve em muitos, e viu que cada um é pior do que o anterior. Geralmente são tão altos, que uma pessoa de baixa estatura como eu mal pode ver por cima deles, e quando peço algo para subir em cima, trazemme um genuflexório. Pensem num ministro do evangelho equilibrandose num genuflexório enquanto prega: um Boanerges e um Blondin (o Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 132 equilibrista) numa só pessoa. É esperar demais, que mantenhamos o equilíbrio das nossas mentes e o dos nossos corpos ao mesmo tempo. Os esforços para pôr-me nas pontas dos pés, as reviravoltas de tamboretes e genuflexórios que tenho tido que sofrer nas pregações, perpassam por minha memória agora, e reavivam as mais penosas sensações. Seguramente devemos ser poupados dessas pequenas amolações, porquanto o mal que causam não se limita ao nosso desconforto pessoal. Se fosse assim, isso não teria importância. Mas, que lástima! Essas pequenas coisas muitas vezes fazem a nossa mente saltar da engrenagem, embaralham os nossos pensamentos e perturbam o nosso espírito. Deveríamos colocar-nos acima dessas bagatelas, mas, embora o espírito na verdade esteja pronto, a carne é fraca. É espantoso como a mente é afetada pelas coisas mais insignificantes. Não há por que perpetuar desnecessárias causas de desconforto. A historia de Sydney Smith (clérigo inglês, gênio de intelectualidade, autor de Plymley Letters) mostra que não estamos sos em nossa tribulação. "Não posso suportar", disse ele, "ficar aprisionado, à maneira da mais clássica tradição, no meu púlpito, com a cabeça mal despontando por cima dele. Gosto de olhar para baixo, para os meus ouvintes – para fazer fogo neles. As pessoas comuns dizem que sou um pregador valentão, pois gosto de ter os braços livres, e de dar murros no púlpito. Um singular contratempo aconteceu-me uma vez, quando, para conseguir isso, mandei o ajudante empilhar alguns genuflexórios para eu subir neles. O texto do meu sermão era: "Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos." Mal pronunciara estas palavras, e me preparava para ilustrá-las, quando as ilustrei praticamente, e de um modo que absolutamente não previra. A minha estrutura armada com genuflexórios desmoronou-se. Eu caí, e com dificuldade impedi que fosse precipitado aos braços dos ouvintes que, é preciso dizer, portaram-se muito bem, recobrando a seriedade mais depressa do que eu podia esperar." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 133 Mas devo voltar ao nosso assunto, e o farei repetindo a crença em que púlpitos que parecem caixotes são grandemente responsáveis pelas posturas estranhas que alguns dos nossos pregadores assumem quando estão fora das suas jaulas e estão soltos sobre um estrado. Não sabem o que fazer com as pernas e os braços, sentem-se desajeitados e expostos, e daí caem em atitudes ridículas. Quando um homem está acostumado a considerar-se como um "busto animado", sente-se como se tivesse ficado comprido demais quando o fazem aparecer de corpo inteiro. Não se pode duvidar de que muitos ficam desajeitados de medo. Não é sua natureza, nem seu púlpito, mas seu nervosismo que faz dele um sujeito ridículo. Para alguns é demonstração de grande coragem o só ficar de pé diante de pessoas reunidas, e falar é na verdade uma penosa prova. Não admira que a sua atitude seja constrangida, pois se encolhem e tremem sem parar. Cada nervo está em estado de excitação, e o corpo todo está trêmulo de medo. Principalmente ficam perplexos sobre o que fazer com as mãos, e as movem de um lado para outro, de maneira irrequieta, irregular e sem sentido. Se fossem amarradas pendentes aos lados do corpo, eles ficariam alegres com essa libertação. Um clérigo da Igreja Anglicana, defendendo o uso do manuscrito no púlpito, utiliza o notável argumento de que um homem nervoso, tendo que virar as folhas do seu discurso, mantêm com isso as mãos ocupadas, ao passo que, se não tivesse os papéis diante dele, não saberia o que fazer com elas. É um vento mau que sopra sem trazer benefício a ninguém; é uma prática má deveras, que não tem nem remotas e ocasionais vantagens. Porém, para o nervosismo é preciso um tratamento mais eficiente. O pregador deve tentar vencer o mal, em vez de procurar um meio de esconder as suas manifestações externas. A prática é um grande remédio, e um tratamento mais poderoso ainda é a fé em Deus. Quando o ministro se acostuma com o povo, fica à vontade porque está à vontade, sente-se em casa, e quanto às suas mãos e pernas ou quaisquer outras partes do seu corpo, nem pensa. Lança-se ao trabalho de todo o coração, e assume as posições que num homem fervoroso são as mais Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 134 naturais, e estas são as mais apropriadas. Gestos não estudados, aos quais você nunca voltou o pensamento nem por um instante, são os melhores. O mais alto resultado da arte é banir a arte, e deixar o homem tão livre como o antílope nas montanhas. Ocasionais excentricidades de postura e gestos podem decorrer da dificuldade em encontrar a próxima palavra. Há alguns anos, um observador americano disse: "As vezes é interessante ver os diferentes modos pelos quais diferentes indivíduos se saem do mesmo dilema. Nem sempre o Sr. Calhoun se perde por uma palavra mas, ocasionalmente, uma fica enroscada na garganta dele, na pronunciarão, como o 'Amen' de Macbeth. Em tal caso, ele dá um ou dois petulantes puxões no colarinho da camisa, e passa os ossudos dedos pelos cabelos longos e grisalhos, até endireitar tudo de novo. Webster, quando descontente com uma palavra, ou enredado numa sentença, quase invariavelmente esfrega. com cuidado o canto interno do olho esquerdo, com o dedo médio da mão direita. Falhando isso, coça ferozmente o nariz. com o nó do polegar dobrado. Como último recurso curva os joelhos, separando-os, até suas pernas ficarem parecendo uma elipse. Depois, enfiando as mãos nos bolsos até o fundo, lança com vivacidade a seção superior do corpo para a frente, e a palavra está pronta para vir." O homem deve ser perdoado pelo que faz quando está em agonia, mas seria grande lucro se nunca padecesse desses embaraços, e assim escapasse das contorções conseqüentes. Freqüentemente, o hábito também leva os oradores a movimentos singulares, e a estes ficam tão apegados que não podem falar sem eles. Mexer num botão do paletó, ou brincar com os dedos, são coisas que se vêem com freqüência, não como parte da oratória do pregador, mas como uma espécie de livre acompanhamento dela. Addison, no Spectator, narra um divertido incidente desse tipo. "Lembro-me de que quando era jovem, e costumava freqüentar o Westminster Hall (famosa sala de recepções, banquetes e solenidades, em Londres) havia um conselheiro que nunca pleiteava uma causa sem levar na Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 135 mão um pedaço de barbante, que costumava ficar enrolando no polegar ou noutro dedo durante o tempo todo em que falava. Os gaiatos daqueles dias chamavam-lhe o fio do discurso dele, pois não era capaz de dizer uma palavra sem o cordão. Um dos seus clientes, mais brincalhão do que sábio, roubou dele o barbante em pleno discurso, mas seria melhor que o tivesse deixado lá, pois perdeu a causa por causa da brincadeira." Os que ainda estão livres dessas pequenas peculiaridades, estejam vigilantes para que não se rendam gradualmente a elas. Mas, enquanto não passam de insignificâncias que poucos notam e que não prejudicam os esforços do pregador, não há necessidade de atribuir-lhes muita importância. A postura do ministro deve ser natural, mas sua natureza não deve ser de tipo grosseiro; deve ser uma natureza bem educada e elegante. Deve evitar especialmente aquelas posições nada naturais num orador, por obstruírem os órgãos de comunicação e por comprimirem os pulmões. Deve usar o senso comum e não dificultar o seu falar inclinando-se para a frente sobre a Bíblia ou sobre o púlpito. Inclinar-se como se você fosse falar confidencialmente com as pessoas que estão imediatamente embaixo, pode-se tolerar uma vez ou outra, mas como posição costumeira é tão prejudicial como deselegante. Quem pensa em debruçar-se quando fala numa sala de visitas? Que tarefa mortal seria conduzir uma longa conversação com o aparelho respiratório pressionado contra a quina de uma mesa! Mantenha-se reto, tome posição firme, e fale como homem. Alguns poucos oradores erram na outra direção, e atiram a cabeça para trás, como se estivessem discursando aos anjos, ou como se estivessem olhando um manuscrito no teto. Isso também vem do mal e, a menos que uma ocasional e sublime apóstrofe o requeira, de modo nenhum deve ser praticado. Bem diz John Wesley: "A cabeça não deve ser mantida muito para cima, nem comicamente lançada muito para a frente, nem deve descair e ficar pendendo, por assim dizer, sobre o peito; nem deve ficar inclinada para um lado ou para o outro; mas deve ser mantida modesta e decentemente ereta, em seu estado e posição natural. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 136 Demais, não deve permanecer imóvel, como estátua, nem estar continuamente em movimento e lançando-se para todos os lados. Para evitar ambos os extremos, deve voltar-se gentilmente, conforme a ocasião, ora para um lado, ora para outro; noutras ocasiões deve permanecer, fixa, olhando direto para a frente, para o meio do auditório." Muitos assumem uma atitude relaxada, refestelando-se e espreguiçando-se, como se estivessem recostados no parapeito de uma ponte e tagarelando com alguém embaixo, num barco ou no rio. Não vamos ao púlpito para relaxar e para parecer que somos livres e descontraídos; vamos para um serviço muito solene, e a nossa postura deve combinar com a nossa missão. Não é recostando-se indolentemente e relaxando descuidadamente que o pregador vai demonstrar um espírito reverente e zeloso. Dizem que entre os gregos mesmo os lavradores e vaqueiros tomam atitudes elegantes, sem pensar que estão fazendo isso. Creio que o mesmo fato se dá com os italianos, pois, onde quer que eu visse um romano, homem ou mulher – não importa se estavam dormindo sobre os degraus do Spagna, ou sentados num fragmento dos banheiros de Caracalla, ou carregando um fardo na cabeça, ou cavalgando uma mula – pareciam sempre modelos para um artista. No entanto, esta é a última coisa que poderia passar pela cabeça deles. Aqueles pitorescos camponeses nunca receberam aulas de calistenia, nem esquentaram a cabeça sobre como deviam aparecer ao estrangeiro. A natureza pura e simples, livre de maneirismo, de enfeites artificiais e de ostentação, molda os seus hábitos dando-lhes elegância. Seríamos tolos se quiséssemos imitar os gregos e os italianos, a não ser na sua liberdade de toda imitação, mas seria bom copiar-lhes os movimentos espontâneos e naturais. Não há uma só razão pela qual o cristão deva ser palhaço, e há muitíssimas razões pelas quais o ministro não deve ser grosseiro. Como Rowland Hill disse que não podia entender porque Satanás deveria ter as melhores melodias, assim eu também não posso entender por que ele há de ter os mais elegantes oradores! Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 137 Agora, deixando a questão da postura, vamos tratar mais definidamente dos movimentos na pregação. Também é um ponto secundário e, contudo, importante. Nossa primeira observação será: nunca devem ser excessivos. Nesta questão os exercícios físicos são de pouco proveito. Não podemos julgar prontamente quando a movimentação é excessiva, pois o que seria excessivo numa pessoa, pode ser bem pertinente e apropriado noutra. Diferentes raças empregam diferentes movimentações no falar. Dois ingleses conversam com muita calma e sobriedade um com o outro, comparados com um par de franceses. Observem os nossos vizinhos gauleses. Falam o tempo todo, encolhem os ombros e gesticulam com a maior veemência. Muito bem, pois; podemos permitir que um pregador francês seja mais demonstrativo do que um inglês ao pregar, porque é como ele é na conversação comum. Não estou certo de que um teólogo francês seja normalmente assim, mas, se for, isso pode ser explicado pelo hábito nacional. Se eu e vocês puséssemos a conversar à moda parisiense nos exporíamos ao ridículo e, da mesma forma, se nos tornarmos violentos e veementes no púlpito, poderemos correr o mesmo risco. Sim, pois, se Addison for uma autoridade, os oradores ingleses empregam menos gestos do que os de outros países. Como se dá com as raças, assim com os indivíduos. Alguns gesticulam naturalmente mais que outros, e se for de fato natural, vemos pouco erro. Por exemplo, não podemos censurar a maravilhosa gesticulação e idas e vindas de John Gough, pois ele não seria Gough sem isso. Pergunto-me quantas milhas não anda ele no transcurso de uma de suas preleções! Não o vemos escalar as encostas de um vulcão à procura de uma bolha em erupção? Como ficamos com dó dele quando o vemos afundar os tornozelos nas cinzas quentes! Depois ele vai embora, lá para o outro extremo do palco do Exeter Hall, apostrofando um copo d'água. Mas pára ali só um momento e, em pouco, já fez outra carreira pisando nos calos dos irmãos da liga da temperança, sentados na fila da frente. Ora, isso fica bem para John Gough. Mas se você, John Smith ou John Brown, começar a fazer dessas Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 138 perambulações, logo ficará parecido com o judeu errante, ou com o urso polar, dos jardins zoológicos, que vai o tempo todo para cá e para lá em sua cela. Martinho Lutero costumava dar golpes com o punho de tal forma, que se exibe em Eisenach uma tampa de mesa creio que de três polegadas – que ele quebrou quando martelava um texto. A veracidade da lenda tem sido posta em dúvida, pois se afirma que aquelas delicadas mãos, que podiam tocar guitarra de maneira tão fascinante, dificilmente poderiam ter-se dado tão rude tratamento. Mas se a mão for um índice do caráter do dono, bem podemos acreditar na história, porquanto a força e a ternura combinavam maravilhosamente em Lutero. A mente dele era repassada de delicadeza e sensibilidade. Entretanto, estas nunca diminuíam, antes aumentavam a sua tremenda energia. De modo nenhum é difícil crer que ele podia despedaçar uma prancha, com o estilo em que atacava o Papa. E, contudo, podemos imaginar bem que ele podia tocar as cordas da sua guitarra com mão de donzela. Também Davi podia tocar harpa habilmente e, no entanto, quebrou com seus braços um arco de metal. Conta-se que John Knox uma vez estava tão fraco que, antes de chegar ao púlpito se esperava que ele caísse desmaiado de fraqueza, mas, já perante os ouvintes parecia que ia fazer o púlpito em pedaços. Esse era evidentemente o estilo do período em que os protestantes lutavam por sua existência, e o papa e os seus sacerdotes, e o diabo e seus anjos maus eram movidos por extraordinária fúria. Todavia, não creio que Melancthon achava necessário ser assim tão tremendo, e Calvino não martelava nem dava golpes daquela maneira. De qualquer forma, você não precisa estar rebentando tábuas de três polegadas, pois poderia haver um prego numa delas, nem precisa fazer um púlpito em pedaços, pois, fazendo-o, poderia ficar sem púlpito nenhum. Dê trancos nas consciências e procure romper os corações duros pelo poder do Espírito – mas isso requer poder espiritual. A energia física não é o poder de Deus para a salvação. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 139 É muito fácil exagerar a coisa a ponto de você parecer ridículo. Talvez fosse a perspicaz percepção desse perigo que levou o Dr. Johnson a proibir totalmente movimentos no púlpito, e a recomendar enfaticamente o exemplo do Dr. Watts, porque "ele não se esforçava para assessorar a eloqüência com qualquer gesticulação; pois, como nenhuma ação corporal tem qualquer correspondência com a verdade teológica, ele não via como esta poderia ser fortalecida por aquela." A observação do grande lexicógrafo é uma tolice, mas, se houver pensamento com peso suficiente para reduzir o pregador à inação absoluta, será melhor do que assumir pospões exageradas. Quando Natã falou com Davi, suponho que contou a parábola com muita serenidade, e que quando chegou a hora de dizer: "Tu és o homem", dirigiu-lhe um olhar profundamente severo. Mas jovens ministros há que imaginam que o profeta correu a largos passos para o meio da sala e, avançando o pé direito, apontou o dedo como um revólver entre os olhos reais e, batendo fortemente o pé no chão, gritou: "TU ÉS O HOMEM." Tivesse acontecido isso, é de temer que o real véu voltasse os pensamentos de si para o profeta insano, e chamasse a guarda para limpar a sala. Natã estava com seriedade muito solene para agir com violência indecente. E como regra geral podemos anotar aqui que a tendência do sentimento profundo é suavizar os modos, em vez de torná-los demasiado enérgicos. Quem golpeia o ar, e berra, e ruge, e bate o pé, não diz nada. E quanto mais a pessoa comunica o que quer dizer, menos veemência vulgar haverá. João Wesley, em sua obra, Directions Concerning Pronunciation and Gesture (Orientações sobre Pronúncia e Gestos), aperta demais o pregador quando diz: "Nunca deve bater palmas, nem esmurrar o púlpito. Raramente as mãos devem elevar-se acima dos olhos"; mas, provavelmente ele tinha em mira algum deslumbrante caso de extravagância. Todavia, tem razão quando adverte os seus pregadores no sentido de que "as mãos não devem estar em perpétuo movimento, pois a isto os antigos chamavam tagarelice das mãos." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 140 Russell diz com muita sabedoria: "A verdadeira veemência nunca se degenera transformando-se em violência e vociferação. É a força da inspiração – não do furor. Não se manifesta nos guinchos, no espumar frenético, no bater dos pés e nas contorções do excesso vulgar. Em seu mais intenso entusiasmo, é varonil e nobre; eleva – não degrada. Nunca se rebaixa ao tom dos gritos, à vulgaridade dos sons guturais, à ênfase dos berros esganiçados, ao histérico êxtase da entonação, às atitudes de valentão, e aos punhos cerrados da paixão extravagante." Quando o seu sermão parecer exigir de você um pouco de ação imitativa, seja particularmente vigilante para Não ir longe demais, pois isto poderá acontecer antes que o perceba. Ouvi falar de um jovem teólogo que, repreendendo os inconversos, exclamou: "Aí vocês fecham os olhos para a luz (aí fechou os olhos); vocês tapam os ouvidos para a verdade (aí pós um dedo em cada ouvido); e vocês voltam as costas para a salvação" (aí virou as costas para o povo). Acaso lhes causa espanto que, quando os ouvintes viram um homem de pé, com as costas voltadas para eles e com os dedos nos ouvidos, caíram na risada? Os movimentos foram pertinentes, mas foram feitos com exagero, e melhor seria que não fossem feitos. A gesticulação violenta, mesmo quando recomendada por alguns, irá certamente impressionar a outros por seu lado cômico. Quando Burke, na Câmara dos Comuns, arremessou a adaga para mostrar que os ingleses estavam fabricando armas para serem usadas contra os próprios concidadãos, sua atitude me parece notável e muito adequada ao fim em vista. Todavia, disse Sheridan: "O cavalheiro nos trouxe a faca; onde está o garfo?", e Gilray fez uma caricatura maldosa dele. Os riscos de movimentos demasiado pequenos de modo algum são grandes, mas você pode ver claramente que há grandes perigos na outra direção. Portanto, não leve a ação para muito longe, e se você perceber que há naturalmente muita energia na sua apresentação da mensagem, reprima um pouco as suas energias. Agite um pouco menos as mãos, golpeie a Bíblia com um pouco mais de misericórdia e, de modo geral, tome as coisas com mais calma. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 141 Talvez o homem esteja mais perto do meio termo feliz quando os seus modos não provocam observações, quer de louvor, quer de censura, porque estão integrados tão completamente no discurso que absolutamente não são notados como um item à parte. A movimentação que recebe atenção exagerada, provavelmente é desproporcional e excessiva. O Sr. Hall, numa recepção, esteve com a Sra. Hannah More, e seu julgamento das maneiras daquela senhora bem poderia servir de crítica aos maneirismos dos ministros. "Nada de extraordinário, senhor, certamente que não. Suas maneiras são demasiados perfeitamente próprias para serem extraordinárias. Maneiras extraordinárias são más, a senhora sabe. Ela é uma perfeita dama, e diligentemente evita aquelas excentricidades que constituem as maneiras extraordinárias." Em segundo lugar, os movimentos no púlpito devem ser expressivos e apropriados. A movimentação expressa menos coisas do que a linguagem, mas, é possível expressar essas poucas coisas com maior força ainda. Abrir com indignação uma porta e apontar para ela é uma ação quase tão enfática como dizer: "Saia da sala!" Negar a mão quando outro estende a sua é marcante declaração de má vontade, e provavelmente produzirá amargor mais duradouro do que as palavras mais severas. Um pedido para fazer silêncio sobre certo assunto pode ser transmitido muito bem cruzando os lábios com o dedo. Um meneio da cabeça indica desaprovação de modo marcante. Sobrancelhas erguidas expressam surpresa em estilo categórico. E cada parte do rosto tem sua eloqüência, exprimindo prazer ou pesar. Que volumes podem ser condensados num encolher de ombros, e que lamentáveis danos esse mesmo encolher tem produzido! Daí, visto que a gesticulação e a postura podem falar poderosamente, devemos ter o cuidado de fazê-las falar de modo correto. Jamais teremos que imitar o famoso grego que gritava, "O céu!", com o dedo apontando para a terra; nem descrever uma fraqueza mortal com murros no púlpito. Os oradores nervosos parecem atirar ao acaso com os seus gestos. Você os vê torcer as mãos enquanto se estendem falando das Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 142 alegrias da fé, ou agarrar-se convulsivamente às bordas do púlpito quando estão ordenando que, com relação aos bens da terra, tenham mão aberta. Mesmo quando já não estão mais temerosos, nem sempre os irmãos manobram os seus gestos fazendo-os ir paralelamente às suas palavras. Podem-se ver homens denunciando com punhos ameaçadores as próprias pessoas que eles estão se esforçando para consolar e fortalecer. Espero que nenhum irmão dentre vocês seja estúpido a ponto de cruzar os dedos das mãos enquanto diz: "Não é propósito do evangelho limitar-se a poucos. Seu espírito é generoso, tendendo a expandir-se amplamente. Abre os braços para os homens de todas as classes e nações." Seria igual erro se você abrisse os braços com largueza e clamasse: "Irmãos, concentrem as suas energias! Reúnam-nas como o comandante reúne suas tropas junto ao estandarte real no dia da batalha." Portanto, ponha os gestos no devido lugar e veja como a difusão pode ser expressa pelas mãos separadas, e a concentração pelas mãos unidas. Os movimentos e a entonação juntos podem contradizer absolutamente o significado das palavras. O abade Mullois fala-nos de um gaiato malicioso que, ao ouvir o pregador pronunciar as terríveis palavras, "Apartai-vos, malditos", da maneira mais branda, voltou-se para o companheiro e disse: "Venha cá, meu rapaz, e deixe-me abraçá-lo; é o que o clérigo acaba de expressar." É uma coisa triste, mas de modo nenhum rara. Quanta força a linguagem da Escritura pode perder pela transmissão mal feita pelo pregador! Aquelas palavras que o pregador francês pronunciou de modo tão ruim são terríveis, e foi como as senti quando, há pouco tempo, eu as ouvi lançadas entre dentes, com temível seriedade, por um insano que se julgava profeta enviado para lançar maldição sobre mim e minha igreja. As palavras, "Apartai-vos, malditos" vieram dos seus lábios como o ribombar do trovão, e a última palavra pareceu corroer-me o âmago da alma, quando com olhos flamejantes e mão estendida o fanático a fez relampejar sobre a assembléia. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 143 Numerosos pregadores parecem ter recebido aulas de Bendigo, ou de algum outro mestre da nobre arte da auto-defesa, pois usam os punhos como se estivessem prontos para um turno de luta. Não é agradável ver irmãos pregarem o evangelho da paz nesse estilo belicoso. Contudo, de modo nenhum é raro ouvir um evangelista pregar com os punhos cerrados um Cristo livre. É divertido ver tais pregadores assumindo certa atitude, e dizendo: "Vinde a mim" e, depois, com movimentos giratórios de ambos o punhos, acrescentarem: "e eu vos darei – descanso." Seria bom que essas idéias ridículas não fossem sugeridas, mas têm sido sugeridas mais de uma vez por homens que fervorosamente desejam, acima de todas as coisas, levar os seus ouvintes a pensarem nas melhores coisas. Cavalheiros, não me surpreende que riam, mas é infinitamente melhor que dêem bastante risada desses absurdos aqui, do que o povo das suas igrejas rir-se de vocês no futuro. Não lhes estou dando um quadro imaginário, mas um quadro que já vi, e receio que verei de novo. Aquelas mãos desajeitadas, uma vez trazidas à sujeição, tornam-se os nossos melhores aliados. Podemos falar com elas quase tão bem como com a língua, e fazer uma espécie de música silente com elas, que aumentará o encanto das nossas palavras. Se ainda não leram Charles Bell sobre The Hand (A Mão), comprometam-se a fazê-lo, e notem bem o seguinte passo: "Não podemos deixar de falar da mão como instrumento da expressão. Escreveram-se dissertações formais sobre isso, mas, se fôssemos constrangidos a procurar autoridades, poderíamos tomar os grandes pintores em evidência, desde que pela posição das mãos, conforme a figura, eles expressam toda sorte de sentimentos. Quem, por exemplo, pode negar a eloqüência das mãos nas Madalenas de Guido, e sua expressividade nos desenhos de Rafael ou na "Última Ceia", de Leonardo Da Vinci? Vemos ali expresso tudo que Quintiliano afirma que a mão é capaz de expressar. "Quanto a outras partes do corpo", diz ele, "competem ao orador, mas estas, podemos dizer, falam por si mesmas. Por meio delas pedimos, prometemos, invocamos, despedimos, ameaçamos, rogamos, abjuramos, expressamos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 144 medo, alegria, pesar, nossas dúvidas, nosso assentimento, nosso arrependimento; demonstramos moderação ou prodigalidade; indicamos número e tempo." O rosto, e principalmente os olhos, desempenham um papel muito importante em toda movimentação apropriada. É uma verdadeira infelicidade os ministros não poderem olhar para as pessoas da sua igreja. É estranho ouvi-los argumentar com pessoas que eles não vêem. Eles imploram que olhem para Jesus sobre a cruz! Você fica a perguntar onde estão os pecadores. Os olhos do pregador voltam-se para o seu livro, ou para o teto, ou para o espaço vazio. Parece-me que você precisa fixar os olhos nos ouvintes quando exorta. Há partes do sermão em que a sublimidade da doutrina talvez requeira a elevação do olhar, e há outras partes que permitem que os olhos vagueiem como você quiser. Mas quando chega a hora de exortar, é impróprio olhar para qualquer lugar, senão às pessoas às quais está falando. Irmãos que nunca fazem isso perdem grande poder. Quando o Dr. Wayland esteve doente, escreveu: "Se hei de recuperar a saúde, não sei. Todavia, se me for dado voltar a pregar, certamente farei tudo que puder para aprender a dirigir-me diretamente aos ouvintes, olhando-os nos rostos, e não no papel sobre o púlpito." O homem que quiser aperfeiçoar-se na postura e na gesticulação, deve regular toda a sua estrutura, pois, num caso, o movimento mais adequado será o da cabeça, noutro, o das mãos e, num terceiro caso, o do tronco apenas. Diz Quintiliano: "Os lados devem ter sua parte na gesticulação. O movimento do corpo todo também contribui muito para o efeito de comunicação; tanto que Cícero é de opinião que se pode fazer mais com a gesticulação do corpo do que mesmo com as mãos. Assim diz ele em sua obra, De Oratore (Do Orador): "Não haverá movimentos artificiais dos dedos, nem cascatear dos dedos para ajustar-se à cadência calculada da linguagem; mas ele fará gestos com movimentos de todo o seu corpo e com varonil inflexão do seu lado." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 145 Poderia multiplicar ilustrações sobre o sentido de ação apropriada, mas estas devem bastar. Faça a gesticulação condizer com as palavras e funcionar como uma espécie de consecutivo comentário e exegese de natureza prática do que você está dizendo. Aqui devo fazer uma pausa, esperando continuar o assunto em minha próxima preleção. Mas estou tão consciente de que muitos acham o meu assunto tão secundário que não tem nenhuma importância, que encerro dando um exemplo da maneira cuidadosa como os grandes pintores atentam para as minúcias mínimas, apenas extraindo esta inferência que, se eles são assim atentos quanto a coisas pequenas, muito mais o devemos ser. Diz Vigneul Marville: "Quando estive em Roma, muitas vezes vi Claude, que era então patrocinado pelas pessoas mais eminentes daquela cidade. Com freqüência o encontrava às margens do Tibre, ou vagando pelas cercanias de Roma, em meio às veneráveis relíquias da antigüidade. Já era idoso, e, contudo, vio voltar de um passeio com o lenço cheio de musgo, flores, pedras etc., que poderia examinar em casa com aquela infatigável atenção que fez dele tão exato retratista da natureza. Perguntei-lhe um dia por que meios chegara a tão excelente categoria entre os pintores, mesmo da Itália. "Não poupo esforços, seja no que for, mesmo nas mínimas insignificâncias", foi a modesta resposta desse venerável gênio." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 146 POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC. (Segunda Preleção) Esta preleção começa com o terceiro ponto. Lembram-se de que falamos que a movimentação não deve ser excessiva e, em segundo lugar, que ela deve ser apropriada. Agora vem a terceira regra: a movimentação e os gestos nunca devem ser grotescos. Isso é bastante evidente, e não insistirei no ponto, exceto dando alguns espécimes do grotesco para que vocês não somente evitem as situações idênticas, mas também as que tenham características semelhantes. Parece que em todas as épocas os gestos absurdos têm sido muito numerosos, pois num velho autor encontro uma longa lista de excentricidades, algumas das quais é de esperar que tenham abandonado este mundo, enquanto que outras são descritas em termos tão violentos que provavelmente não passam de caricaturas dos fatos reais. O referido escritor diz: "Alguns mantêm a cabeça imóvel e virada para um lado, como se fosse feita de chifre; outros fitam os olhos de modo horrível, como se tivessem a intenção de assustar toda gente; alguns estão sempre torcendo a boca e mexendo o queixo enquanto falam, como se estivessem mascando nozes o tempo todo; alguns, como o apóstata Juliano, respiram insultos, e exprimem desdém e insolência em seus semblantes. Outros, como se personalizassem os heróis fictícios das tragédias, escancaram tremendamente a boca e esticam os maxilares tão amplamente como se fosse engolir a todos; acima de tudo, quando rugem furiosos, espalham espuma para todo lado e ameaçam com a testa enrugada e com olhos que parecem Saturno. Estes, como se estivessem praticando algum jogo, estão continuamente fazendo movimentos com os dedos e, pelo extraordinário trabalho das mãos, esforçam-se para formar no ar, quase posso dizê-lo, todas as figuras usadas pelos matemáticos; aqueles, ao contrario, têm mãos tão pesadas e tão presas em baixo pelo terror, que poderiam mover mais facilmente vigas de madeira. Muitos labutam tanto com os cotovelos que é evidente que, ou foram outrora sapateiros, ou não viveram em outra sociedade que a dos remendões. Alguns são tão instáveis nos movimentos do corpo que parecem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 147 estar falando numa canoa; outros ainda são tão pesados e grosseiros em seus movimentos, que você poderia pensar que são sacos de estopa pintados para parecerem homens. Vi alguns que davam saltos na plataforma e pulavam até quase caírem fora; homens que exibiam a dança do forrador, e, como diz o velho poeta, expressavam com os pés a sua aptidão. Mas quem é capaz de, num curto espaço, enumerar todos os defeitos de gesticulação, e todos os absurdos da má elocução?" Certamente esse catálogo poderia contentar o mais voraz colecionador a serviço da câmara de horrores, mas não incluí a metade do que pode ser visto em nossos tempos por alguém capaz de vaguear de uma igreja a outra. Como as crianças parecem não esgotar nunca as suas travessuras maldosas, assim os pregadores parecem nunca chegar ao fim dos seus gestos estranhos. Mesmo os melhores caem neles ocasionalmente. A primeira espécie de ação grotesca pode ser denominada, a ação rígida; e é muito comum. A impressão que se tem é que os homens que exibem este horror Não têm dobras no corpo e têm as juntas enrijecidas. Os braços e as pernas se movem como se estivessem presas a gonzos de ferro, e como se fossem feitos de metal excessivamente duro. Um boneco anatômico de madeira, como os usados pelos artistas, poderia representar bem os seus braços e pernas, tão retos e rígidos, mas isto não mostraria os puxões com que esses braços e pernas são atirados para cima e para baixo. Não há nada que seja circular nos movimentos desses irmãos; tudo é angular, agudo, mecânico. Se eu tivesse que expor o que pretendo colocando-me nas atitudes retangulares deles, poderiam pensar que eu estava fazendo caricatura de mais um teólogo da região setentrional, tremendamente hábil, e, tendo o temor disto diante dos meus olhos, e, ainda mais, tendo o máximo respeito por aqueles irmãos, não ouso entrar em pormenores muito insignificantes. Contudo, é de supor que esses bons homens têm ciência de que suas pernas não deviam apresentar-se como se pertencessem a um cavalo de cânhamo, ou a uma enorme tenaz, e de que os seus braços não deviam ser absolutamente rígidos como atiradores. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 148 Já se sugeriu óleo para as juntas, mas parece que falta óleo nos próprios braços e pernas, que se movem para cima e para baixo como se pertencessem a uma máquina, e não a um organismo vivo. O certo é que nenhum exercício poderia curar esse defeito que, em alguns pregadores, quase chega a ser uma deformidade. No palco do Exeter Hall, cavalheiros afligidos por rigidez natural não somente fornecem material para o habilidoso caricaturista, mas também, infelizmente, desviam a atenção dos seus ouvintes, dos seus admiráveis discursos para os seus execráveis movimentos. Em certa ocasião, ouvimos cinco ou seis observações feitas sobre a grosseria da postura do mestre, e apenas um ou dois elogios ao seu excelente discurso. "O povo não nota semelhantes insignificâncias", observa o nosso amigo Philo. Mas o povo nota sim essas insignificâncias, devessem fazê-lo ou não, e, portanto, é melhor não exibi-las. É provável que algumas pessoas excelentes considerem toda esta preleção como indigna de sua atenção e como tendo humor questionável. Mas, não posso deixar de fazê-la, pois, embora eu não atribua tanto valor à movimentação como Demóstenes ao desenvolver o primeiro, o segundo e o terceiro ponto da oratória, é certo que muito bom discurso carece de poder por causa do comportamento desajeitado do orador. Portanto, se eu puder em alguma medida reparar o mal, alegremente agüentarei a crítica dos meus irmãos mais melancólicos. Por mais jocosas que as minhas observações pareçam, ajo com profunda seriedade. A melhor maneira de atacar essas loucuras é com as leves setas do ridículo, pelo que as emprego, não tendo a mesma opinião daqueles "Que acham toda a virtude no ar de gravidade, e nos sorrisos vêem sintomas de maldade." A segunda forma do grotesco não difere propriamente da primeira, e pode distinguir-se melhor como o tipo mecânico metódico. Neste caso, os homens se movem como se não fossem seres vivos possuídos de Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 149 vontade e intelecto, mas como autômatos formados para seguirem a intervalos precisos, movimentos prescritos. Nos fundos do Tabernáculo um sitiante instalou sobre sua casa uma espécie de cata-vento com forma de soldadinho, que levanta um braço e depois o outro à menor brisa. Muitas vezes isso me fez sorrir porque irresistivelmente me recorda Fulano que alternadamente sacode os braços, ou, se deixa parado um braço, movimenta o outro para cima e para baixo tão persistentemente como se o homem fosse acionado pelo vento ou por um maquinismo de relógio. Para cima e para baixo, para cima e para baixo vai a mão, sem virar nem para a direita, nem para a esquerda, todo movimento sendo repudiado, exceto este monótono subir e descer. Pouco importa quão inquestionável um movimento seja em si mesmo, virá a ser intolerável se for feito continuadamente, sem variação. Ludovicus Cresollius, da Bretanha (1620) em seu tratado sobre os movimentos e a pronúncia do orador, fala um tanto fortemente de um culto e polido pregador parisiense que o irritara com a enfadonha monotonia da sua movimentação. "Quando ele se voltava para a esquerda, falava algumas palavras acompanhadas por um moderado gesto da mão. Depois, inclinando-se para a direita, desempenhava aquele mesmo papel. Depois virava para a esquerda, e logo para a direita de novo. A intervalos medidos e quase iguais, executava o gesto usual e prosseguia em sua única espécie de movimento. Somente podia comparar-se aos bois da Babilônia que, com os olhos vendados, avançavam e retornavam pelo mesmo caminho. Isso me desgostou tanto, que fechei os olhos, mas mesmo assim não pude eliminar a desagradável impressão causada pela atitude do orador." O estilo predominante na Câmara dos Comuns, na medida em que o tenho visto nas sessões públicas, consiste de um movimento das costas e da mão para cima e para baixo. O ouvinte parece ver o parlamentar inclinar-se perante o Presidente e a honorável câmara como um garçom o faz no restaurante ao receber o pedido de um prato primoroso. "Sim senhor", "Sim senhor", "Sim senhor", sacudindo o corpo a cada Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 150 exclamação. A divertida trova seguinte, com seus versos curtos, traz muitos oradores parlamentares à minha memória: "Sr. Parlapatão, Não alise o chapelão; a sua argumentação amassa o chapéu doutro varão." Isto tem bastante afinidade com o que foi descrito com precisão como estilo de manejo de bomba. É testemunhado com freqüência, e consiste de uma longa série de movimentos de braço, visando, talvez, a aumentar a ênfase, nada conseguindo, porém. Oradores desse tipo lembram-nos o enigma de Moore: "Por que uma bomba é parecida com o lorde Castlereagh?" "Porque é coisa de tábua, e bem delgada, que alteia e abaixa o seu braço grosseiro e frio fala, fala, o tempo inteiro, numa eterna torrente, fraca e aguada." Ocasionalmente se vê um movimento tipo serrote, em que o braço se estira e se contrai alternadamente. Este movimento é levado à perfeição quando o orador se inclina sobre o gradil ou sobre a parte da frente do púlpito, e se dobra para baixo, para o povo, como o serrador em andaimes, trabalhando em vigamentos. É admirável, quantas vigas o homem serraria se estivesse de fato trabalhando na madeira, em vez de estar serrando o ar. Damos graças pela conversão de serradores, mas confiamos em que se sintam livres para deixar para trás os seus serrotes. Coisa bem parecida se pode dizer dos numerosos malhadores que trabalham entre nós, que golpeiam e batem com grande rapidez, arruinando as Bíblias e espanando os forros dos púlpitos. Os precursores desses cavalheiros foram celebrados pelas linhas freqüentemente citadas de Hudibras: "E o púlpito é batido – bombo eclesiástico, Não com baqueta, mas, com o punho do bombástico." Seu único movimento é malhar, malhar, malhar, sem sentido e sem motivo, quer o tema seja alegre ou dramático. Pregam com a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 151 apresentação de provas e com poder, mas a manifestação é sempre a mesma. Não ousamos afirmar que eles batem com o punho da impiedade, mas o certo é que batem, e com o maior vigor. Exibem as doces influências da poesia das Plêiades* e os gentis galanteios do amor com golpes dos punhos; e se esforçam para fazer com que você sinta a beleza e a ternura do tema deles por meio de pancadas do seu malho que não pára nunca. Alguns deles são tolos, realmente, e nem sequer martelam com real boa vontade – e então a coisa fica intolerável. A gente gosta de ouvir um bom ruído, e de ver um homem malhar com veemência, se é que isso tem que ser feito afinal. Mas o cavalheiro que temos em mente raramente ou nunca é ardoroso em seu trabalho, e bate simplesmente porque esse é seu modo de agir. "O malho enorme escuta-se vibrar em cadenciado e lento golpear." Se o individuo tem que golpear, que o faça com ardor. Mas não é preciso ficar batendo perpetuamente. Há melhores meios de tornar-se pregador contundente do que imitar o teólogo a respeito de quem o seu assessor litúrgico disse que tinha despedaçado as partes internas de uma Bíblia e já ia indo longe com outra. Em certos sermões latinos que constam de manuscritos antigos, com notas marginais, recomenda-se ao pregador que sacuda o crucifixo e malhe o púlpito com ele, como se malhasse o próprio Satanás! Deste modo poderia reunir os seus pensamentos. Mas não deve se dar muito valor a pensamentos coligidos assim. Terão alguns desses nossos amigos visto esses manuscritos, apaixonando-se por sua orientação? É o que parece. Agora, os puxões, os movimentos de serrote, de manejo de bomba, e de bater poderiam ser suportáveis e até apropriados, se fossem combinados. Mas a repetição de um deles é cansativa e sem sentido. As * Plêiades. Mitologia: sete filhas de Atlas, foram transformadas em estrelas. Daí o nome da constelação das Plêiades ou do Sete-estrelo, mencionada em Jó 38:31. Deu-se também o titulo de Plêiades a sete poetas da antigüidade. Nota do Tradutor. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 152 figuras dos mandarins numa casa de chá, continuamente meneando a cabeça, e das damas de cera que giram com movimentos uniformes na vitrina do cabeleireiro, não são bons modelos para homens que têm diante de si a importante obra de conquistar pecadores para viverem na esfera da graça e da virtude. Vocês devem ser tão fiéis, tão verdadeiros, tão profundamente ardorosos, que lhes sejam impossíveis os movimentos meramente mecânicos, e tudo que lhes diz respeito significará vida, energia, aptidão concentrada e zelo intenso. Outro método de grotesco pode ser corretamente denominado, método dos laboriosos. Certos irmãos nunca falharão no ministério por falta de esforço. Quando sobem à tribuna sacra tencionam dar duro, e dentro de pouco tempo estão bufando e resfolegando, como se fossem operários trabalhando por peça. Entram num sermão com a resolução de romper caminho através dele, empurrando tudo à sua frente. O reino dos céus sofre violência da parte deles num sentido diverso daquele que é visado pela Escritura. "Como vai indo o seu novo pastor?", perguntou um amigo curioso a um ouvinte simples. "Ora", respondeu o outro, "claro que vai para a frente, pois toca o pecado como se estivesse abatendo um boi." Excelente coisa para se fazer espiritualmente, não porém literalmente. Quando ocasionalmente ouço contar que um rude irmão tirou o colarinho e a gravata num dia muito quente, e que chegou a tirar o paletó, acho que ele estava simplesmente se pondo em condições favoráveis ao orador de físico vigoroso, pois é evidente que esse tipo de irmão considera o sermão como uma batalha ou como uma luta de competição. Um furacão irlandês que conheço quebrou uma cadeira durante uma declamação contra o papado, e fiquei a tremer pela mesa também. Um distinguido ator que se converteu e se fez pregador em avançada idade, costumava golpear a mesa ou o assoalho com a bengala quando se acalorava no discurso. Fez-me desejar tapar os ouvidos quando as violentas pancadas do seu cajado se repetiam com rapidez e força crescente. Qual a utilidade peculiar do barulho não sei dizer, pois Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 153 estávamos todos despertos, e a voz dele era bastante forte. Contudo, não há porque importar-nos com essa atitude do grande ancião, pois ele se prestava ao "belo frenesi" do seu dedicado entusiasmo, mas não seria desejável tal barulho partindo de algum de nós. A ação laboriosa é freqüentemente uma relíquia herdada da atividade exercida pelo pregador no passado. Como o velho caçador não pode esquecer inteiramente os cães de caça, assim o bom homem não pode livrar-se dos hábitos do estabelecimento em que trabalhava. O irmão que foi especialista na fabricação de rodas, prega sempre como se estivesse fazendo rodas. Se você entende da arte de fabricar carros e rodas, pode perceber a maior parte dos processos ilustrada durante um dos discursos mais vigorosos dele. Poderá detectar o engenheiro noutro irmão, o tanoeiro num terceiro, e o merceeiro com sua balança num quarto irmão. O colega que trabalhou no matadouro certamente nos mostrará como se abate um boi de corte, quando chegar ao auge da argumentação. Quando vejo o discurso ir de força em força, e o pregador acalorar-se em seu trabalho, penso comigo mesmo: "Aí vem o açougueiro com a sua machadinha, ali vai a gorda vaca, e caí por terra o boi cativo." Ora, essas reminiscências das ocupações anteriores nunca são muito censuráveis e sempre são menos detestáveis do que a falta de jeito por completo indesculpável dos cavalheiros que viveram nas câmaras do saber desde a juventude. Às vezes estes labutam muitíssimo, mas com muito menor semelhança a ocupações úteis. Esmurram o ar e dão duro no trabalho de não fazer nada. Cavalheiros procedentes das universidades são, com freqüência, mais abomináveis em suas atitudes do que as pessoas comuns. Talvez a instrução recebida os tenha privado da confiança em si, tornando-os nervosos e desajeitados. Ocorre-me que alguns oradores imaginam que estão batendo tapetes, ou cortando varetas, ou picando carne para lingüiça, ou passando manteiga, ou enfiando os dedos nos olhos das pessoas. Ah, se eles pudessem ver-se a si próprios como os outros os vêem, poderiam parar Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 154 de representar diante do público, economizando os seus exercícios físicos para outras ocasiões. Afinal, prefiro as demonstrações vigorosas e laboriosas aos ares mais calmos e pomposos de certos oradores cheios de si. Um esfrega as mãos muito satisfeito consigo mesmo, "Lavando suas mãos com sabão invisível, em água imperceptível", e, enquanto isso, proclama as mais típicas trivialidades com ares de quem sobrepuja Robert Hall ou Chalmers (famosos pregadores). Outro faz pausa e olha em volta com nobre semblante, como se tivesse comunicado inestimável informação a um grupo de indivíduos altamente favorecidos, dos quais razoavelmente se poderia esperar que atingissem um estado de intenso entusiasmo e expressassem o seu irresistível senso de obrigação. Nada do que foi dito, foi além da mais simples conversa de colegiais. Mas o ar de dignidade, a atitude de autoridade, e mesmo a entonação dada pelo homem – tudo mostra quão completamente satisfeito está. Esta pregação não é do tipo laborioso, mas me ocorreu mencioná-la por ser o inverso dela, merecendo muito maior condenação. Alguns simplórios se iludem, sem dúvida, e imaginam que quando alguém fala de maneira pomposa, só pode estar dizendo algo grandioso. Mas os sensatos primeiro se divertem, e depois se aborrecem com o modo grandiloqüente, "a la grand seigneur" – à grande senhor. Uma das grandes vantagens do treinamento da nossa Escola Bíblica é a certeza de que o maneirismo inflado será por certo, destruído pela amável violência com que todos os nossos estudantes se deleitam em livrar o irmão desse perigo. Muitas pessoas cheias de vento foram derrubadas nesta sala, pelo toque gracioso de vocês, para nunca mais inflar-se retomando as dimensões antigas – espero eu. No ministério de todas as igrejas há alguns que seriam beneficiados maravilhosamente por um pouco da franca, senão rude, crítica suportada por florescentes oradores que caíram em suas mãos. Gostaria que qualquer ministro a quem tenha faltado esse martírio deveras instrutivo, encontrasse um Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 155 amigo suficientemente sincero para apontar-lhe quaisquer excentricidades nos modos, em que possa ter caído sem perceber. Mas aqui é preciso não passar por alto outro orador do tipo laborioso que temos em mente. Vamos denominá-lo, o pregador motocontínuo, que é todo ação, e levanta o dedo, ou agita a mão, ou bate palmas a cada palavra. Nunca está em repouso, nem por um momento. É tão ansioso por ser enfático, que na verdade anula o seu objetivo, pois, quando cada palavra do discurso recebe ênfase mediante um gesto, nada é enfático. Esse irmão desvia a atenção dos ouvintes, das suas palavras para os seus movimentos. Os olhos realmente levam os pensamentos para longe do ouvido e, assim, pela segunda vez, o pregador perde o fim em vista. Essa movimentação contínua agita alguns ouvintes e irrita os nervos. E não é de admirar, pois quem agüenta ver esse incessante afagar, e apontar, e sacudir? Na movimentação, como em tudo mais, "seja a vossa moderação conhecida de todos os homens." Mencionei, pois, três espécies do grotesco – o rígido, o mecânico e o laborioso – dando uma vista de olhos ao indolentemente engrandecido. Encerrarei a lista mencionando outras duas. Existe o tipo marcial, que também faz limites com o grotesco a ponto de merecer ser incluído nesta categoria. Alguns pregadores parecem estar combatendo o bom combate da fé toda vez que se levantam diante de um grupo de ouvintes. Assumem atitude belicosa e, ou ficam em guarda contra um inimigo imaginário, ou então atacam o adversário invisível com inflexível determinação. Não poderiam ter aparência mais feroz se estivessem à frente de um regimento de cavalaria, nem pareceriam mais satisfeitos no fim de cada divisão do discurso, se tivessem combatido numa série de Waterloos (vencendo outros tantos Napoleões). Curvam a cabeça para um lado, com ar triunfante, como se prestes a dizer: Derrotei aquele inimigo, e nunca mais ouviremos falar dele." A última singularidade de movimentos que colocarei sob este ponto é a do tipo descompassado. Neste caso, as mãos não estão no mesmo compasso dos lábios. O bom irmão é um pouco tardio em seus Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 156 movimentos e, daí, toda a operação fica desordenada. No princípio você não consegue decifrar o homem. Parece socar e tocar sem pé nem cabeça, mas, por fim, você percebe que os movimentos que ele faz – agora são próprios para o que ele disse segundos antes. O efeito é estranho ao extremo. É um enigma incompreensível para os que não têm a chave para decifrá-lo e, quando plenamente compreendido, não perde nada da sua esquisitice. Além destas excentricidades, há um tipo de movimentação que, para usar a expressão mais branda, deve ser descrita como completamente feia. Para os deste caso, uma plataforma é "geralmente necessária", pois ninguém consegue fazer-se tão inteiramente ridículo quando oculto por um púlpito. Agarrar-se a um gradil e curvar-se cada vez mais para baixo até quase tocar o piso é o cúmulo do absurdo. Talvez seja uma posição apropriada como prelúdio de uma proeza de ginástica de agilidade, mas como acompanhamento da eloqüência, é monstruosa. Entretanto, eu já vi isso mais de uma vez. Acho difícil descrever com palavras essa posição fora do comum, mas um retrato mostraria como é ridícula e tornaria obsoleta a atitude. Um ou dois irmãos se divertiram na minha tribuna dessa maneira extravagante, e são bem-vindos para repetirem o ato, para ver se, ao ver-se traçados deste modo rude, considerem aquela postura imponente e impressionante. Seria muito melhor para tais atores que se relatasse deles o que se registrou sobre o grande wesleyano Richard Watson: "Ele ficava perfeitamente ereto, e quase toda a movimentação que empregava era um ligeiro movimento da mão direita e um significativo meneio ocasional da cabeça." O hábito de encolher os ombros chega a dominar alguns pregadores. Certo número de homens tem ombros largos por natureza, e muitos outros mais parecem determinados a dar essa impressão, pois quando não têm algo de peso para transmitir, apóiam-se, elevando as costas. Um excelente pregador de Bristol, recentemente falecido, fazia ressaltar a corcova, primeiro de um ombro e depois do outro, enquanto Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 157 os seus grandiosos pensamentos lutavam para sair e, quando conseguia expressá-los, parecia um corcunda, até o esforço esvair-se. Que lástima um hábito desses tornar-se inveterado! Quão desejável evitar a sua formação! Diz Quintiliano: "Algumas pessoas levantam os ombros quando falam, mas isso é um erro na gesticulação. Para curar-se disso, Demóstenes costumava ficar numa tribuna estreita e praticar a oratória com uma lança pendurada sobre o ombro de modo que, se no calor da alocução ele deixasse de evitar aquele defeito, seria corrigido ferindo-se contra a ponta." Este é um remédio agudo, mas valeria a pena uma ferida ocasional, se os que destorcem a forma humana fossem curados desse erro. Numa reunião pública certa ocasião, um cavalheiro que parecia muito em casa, falando com elevada dose de superioridade familiar, pôs as mãos para trás, debaixo da dupla cauda do fraque, e o resultado foi uma figura muito singular, especialmente para os que o viam de perfil, estando ao lado da tribuna. À medida que o orador ficava mais animado, movia as pontas do fraque com maior freqüência, lembrando ao espectador a rabeta-ferreira (ave de cauda inquieta). É preciso ver para apreciá-lo, mas uma só exibição será suficiente para convencer qualquer pessoa sensata de que, por mais gracioso que um fraque seja, de modo nenhum contribuí para a solenidade da ocasião ver as pontas da cauda desse traje projetando-se por trás do orador. Vocês também devem ter visto nas reuniões o cavalheiro que põe as mãos nos quadris e, ou olha como se desafiasse o mundo, ou como se estivesse suportando considerável dor. Esta posição lembra muito mais a Billingsgate e as mulheres que ali gritam anunciado a venda de peixes, do que a eloqüência sacra. Os braços "akimbo", creio que é como dizem (descrevendo o movimento de colocação das mãos nas cadeiras, com os cotovelos voltados para fora), e o próprio som da palavra sugerem o ridículo, não o sublime. Podemos ceder a isso no momento próprio, mas fazer um discurso com aquela postura é absurdo. Pior ainda é meter as Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 158 mãos nas calças, como as pessoas que se vêem nas estações ferroviárias francesas que, provavelmente, enfiam as mãos nos bolsos porque nNão há nada neles, e a natureza detesta o vácuo. Ninguém será criticado por colocar um dedo no colete por um instante, mas enfiar as mãos nas calças é ultrajante. Haverá a sensação de completo desprezo pelos ouvintes e pelo tema, diante de um homem que chegue a fazer isso. Cavalheiros, porque vocês são cavalheiros, nunca precisarão ser advertidos contra essa prática, pois não se rebaixarão a ela. Uma vez ou outra, perante ouvintes excessivamente delicados e emproados, um homem pode ser tentado a causar choque à estulta afabilidade deles adotando liberdade e certo relaxamento, visando ao protesto de uma rude varonilidade. Ver, porém, um homem pregar com as mãos nos bolsos não nos lembrará nem um profeta, nem um apóstolo. Há irmãos que estão sempre fazendo isso, e o fazem confiados no poder da sua personalidade. Pois são estes mesmos que não deveriam fazer coisa alguma dessa espécie, porque o seu exemplo é poderoso e eles são um tanto responsáveis pelos fracotes que os imitam. Outro estilo indecente é quase ligado ao precedente, embora não seja tão condenável. Pode-se ver nos jantares públicos da classe comum, onde os alvos coletes precisam de uma pequena exibição extra, e nas reuniões de operários, em que um empregador oferece um banquete aos seus homens, e está respondendo ao brinde da "firma". Ocasionalmente se exibe em reuniões religiosas, onde o orador é homem de importância local e se sente monarca sobre todos os que estão sob suas vistas. Neste caso, os polegares são inseridos nas cavas do colete, e o orador atira para trás o casaco, pondo a descoberto a parte inferior da camisa. A isto dei o nome de estilo de pingüim, e não consigo achar comparação melhor. Para um lacaio ou cocheiro num soirée (sarau), ou para um membro da Ordem dos Sujeitos Estrambóticos, essa atitude pode ser adequada e digna; e um venerando senhor numa reunião familiar pode falar aos seus meninos e meninas naquela posição. Mas, para um orador público, e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 159 muito mais para um ministro, como hábito usual, está tão fora das boas qualidades requeridas quanto uma postura pode estar. Companheiro desse modo de agir é o costume de segurar o paletó perto da gola, como se o orador considerasse necessário manter-se bem seguro pelas mãos. Alguns agarram firmemente o vestuário nessa parte, e depois esfregam as mãos para cima e para baixo como se pretendessem dobrar o paletó em algum ponto, ou alongar a gola. Parecem pender da parte dianteira do paletó, como um homem agarrado em duas cordas. É de admirar que a roupa não se rasgue por trás, à altura do pescoço. Esta prática não acrescenta nada à força ou à clareza do estilo do orador, e sua provável significação é: "Estou tranqüilo à bessa, e ouvir a minha voz me deleita grandemente." Supondo que seria bom eliminar tantas feiúras quantas for possível, mencionarei mesmo aquelas que são um tanto raras. Lembro-me de um ministro competente, que estava acostumado a fitar a palma da sua mão esquerda enquanto, com a direita, parecia ir tirando dali as suas idéias. Divisões, ilustrações, pontos de exposição, pareciam brotar em sua palma como outras tantas flores, que ele parecia arrancar cuidadosamente pela raiz, uma por uma, exibindo-as ao público. Isso tinha pouca importância, pois o pensamento daquele pregador era da mais alta ordem de excelência, mas o certo é que aqueles movimentos não tinham graça nenhuma. Um pregador de classe nada inferior costumava levantar o punho até à própria testa e tocar de leve na fronte, como se precisasse bater à porta da mente para despertar os seus pensamentos. Isso também era mais peculiar do que eficaz. Fincar na mão esquerda o indicador da direita, como que abrindo pequenos buracos na palma, ou usar dito dedo em riste, como se você estivesse apunhalando o ar, é outra atitude extravagante que não deixa de ter o seu lado cômico. Passar a mão pela testa quando o pensamento é profundo e não está fácil encontrar a palavra exata, é um movimento muito natural, mas Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 160 copar a cabeça não é igualmente aconselhável embora talvez perfeitamente natural. Vi esta última cena levada a consideráveis extensões, mas nunca me enamorei dela. Não posso deixar de mencionar uma ridicularia acidental que é demasiadamente comum. Alguns irmãos sempre dão ordens com a mão espalmada, que continuam movendo para cima e para baixo ao ritmo de cada sentença. Ora, este movimento é excelente a seu modo, se não for executado de maneira muito monótona, mas infelizmente está sujeito a acidentes. Se o ardoroso orador continua a mover a mão para cima e para baixo, corre o grande perigo de apresentar uma aparência com implicações deploráveis. O objetivo da ação é o simbólico, mas, infelizmente, o símbolo está um tanto vulgarizado, e tem sido descrito como "pôr o dedão do despeito no nariz da desfeita." Alguns há que tolamente cometem esse erro uma série de vezes durante um discurso. Vocês deram risada destes retratos que procurei esboçar para sua edificação. Cuidado, que ninguém venha a rir-se de vocês por caírem nestas atitudes absurdas ou noutras semelhantes. Devo confessar, porém, que não penso tão mal de qualquer delas, ou de todas juntas, como penso do estilo superfino, inteiramente desprezível e abominável. É pior do que o vulgar comum, pois é a própria essência da vulgaridade, aromatizada com ostentações e ares de fidalguia. Rowland Hill esboçou a coisa que estou condenando no retrato que fez do Sr. Taplash. É certo que é uma representação mais correta de características de cinqüenta anos atrás, do que de agora, mas nos traços principais ainda é suficientemente exata. "O orador, em sua primeira apresentação, vinha empertigado e vestido com a mais consumada elegância. Nem um fio de cabelo se achava fora de lugar em seu crânio vazio, no qual o barbeiro estivera exercendo o seu oficio toda a manhã de domingo; e empoado até ficar alvo como a neve. Assim elegantemente decorado, e cheirando como um gato almiscarado, pela abundância de perfume, impregnava o ar de aroma quando passava. Então, com o mais vaidoso saltitar, subiu ao púlpito como se estivesse saindo de uma chapelaria. E ali tinha de exibir Não somente a sua elegante produção Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 161 como também a sua elegância pessoal, sua mão alva e delicada exibindo um anel de diamante, enquanto o seu lenço branco, recendendo a finos aromas, era desdobrado e manuseado com admirável destreza e arte. Seu frasco de sais aromáticos era levado ocasionalmente ao nariz, dando ao dono diversas oportunidades para exibir o cintilante anel. Tendo desse modo ajustado a importante questão do lenço e do frasco de sois, em seguida tirava os óculos, para poder reconhecer a nata do seu auditório, pessoas com as quais talvez tivesse agido galantemente, entretendo-as com sua conversa barata no dia anterior. A estas, tão logo lhes encontrava os olhos, favorecia com um olhar sorridente e com um aceno gentil." Esta é uma pungente versão de uma resenha publicada por Cooper sobre certos "mensageiros da graça" que "voltavam a si" quando acabava o sermão. Pequeninas personalidades, devem ter sido. "Sai o espelho de bolso, e primeiro riscamos a sobrancelha; logo o cabelo aprumamos. Em seguida, com ar graciosamente armado, na poltrona caímos e o braço estendemos e o pousamos gentis no braço da poltrona com o lenço estirado e pendendo da mão. Mais ocupada, a destra oferece ao nariz seu perfume, ou ajuda presta aos olhos gratos com binóculos para ver moventes cenas e olhar a exposição que devagar se esvai. Ora, isto é repugnante, e a mim me ofende mais do que, no homem da igreja, a ociosa negligência e a grosseria rústica." "Grosseria rústica" é algo reanimador, depois de se estar cansado da vaidade fútil. Bem fazia Cícero, exortando os oradores a adotarem antes os gestos do quartel ou da arena, do que os dos dançarinos com suas finuras efeminadas. Nunca se deve sacrificar a varonilidade à elegância. Os operários nunca serão levados sequer a pensar na verdade do evangelho por mestres que são finos almofadinhas. O trabalhador britânico admira a virilidade e prefere dar ouvidos a alguém que fala num estilo natural e sincero. Na verdade, os operários de todas as nações Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 162 tendem mais a ser tocados por uma negligência bravia do que por uma presunçosa atenção à aparência pessoal. A história contada pelo abade Mullois é – suspeitamos – apenas uma dentre uma série numerosa. Um operário parisiense convertido, homem de boa disposição mas franco, cheio de energia e de espírito, que tinha falado muitas vezes com grande sucesso em agremiações compostas de homens da sua classe, foi abordado pelo pregador que o levara a Deus. Pediu-lhe que lhe informasse por qual instrumentalidade ele, que antes fora tão alienado da religião, chegara a ser restaurado à fé. "Dai-me a informação", disse o interrogador, "pode ser-me útil nos esforços que faço para recuperar outros." "Acho que não", replicou o homem, "pois devo dizer-lhe francamente que o senhor não figura de modo notável no caso." "Não importa", disse o outro, "Não será a primeira vez que ouço a mesma observação." "Bem, se quer ouvir, posso contar-lhe em poucas palavras como se deu o fato. Uma boa senhora me havia importunado, insistindo que lesse o seu livrinho – perdoe-me a expressão; eu costumava falar nesse estilo naqueles tempos. Ao ler umas poucas páginas, fiquei tão impressionado que tive grande desejo de vê-lo. "Disseram-me que o senhor pregava em certa igreja, e fui ouvi-lo. Seu sermão acrescentou algum efeito em mim, mas, para falar com franqueza, muito pouco. Na verdade, comparativamente, nada. O que fez muito mais por mim foi a sua maneira aberta, simples e descontraída. Acima de tudo, o seu cabelo mal penteado; pois sempre detestei aqueles clérigos cujas cabeças lembram a de um cabeleireiro; e disse a mim mesmo: 'Visto que esse homem se esquece de si próprio em nosso benefício, devemos, portanto, fazer alguma coisa a favor dele.' Daí resolvi visitá-lo, e o senhor me embolsou. Foi assim que a coisa começou e acabou." Existem tolas senhoritas arrebatadas por algum jovem cujo principal pensamento é a sua preciosa pessoa. É de esperar que estas estejam escasseando cada dia que passa. Mas, os homens sensatos, e especialmente os robustos trabalhadores das nossas grandes cidades, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 163 detestam completamente qualquer sinal de vaidade num ministro. Onde quer que você encontre ostentação presunçosa, encontrará ao mesmo tempo uma barreira entre aquele homem e a multidão dotada de bom senso. Poucos ouvidos se deleitam com a voz do pavão. É uma lástima não podermos persuadir todos os ministros a serem homens, pois é difícil ver como doutro modo serão verdadeiros homens de Deus. É igualmente deplorável que não possamos induzir os pregadores a falarem e gesticularem como outras pessoas sensatas, pois lhes será impossível cativar as massas enquanto não o fizerem. Todas as estranhas questões de atitude, entonação e vestuário do barricadas entre nós e o povo. Temos que falar como homens, se queremos ganhar homens. A recente volta ao uso de chapéu na Igreja Anglicana é, por esta razão, bem como por razões mais graves, um passo na direção errada. Há cem anos, o vestuário dos clérigos era quase tão distinto como agora, mas não tinha sentido doutrinário, e não passava de vaidade no vestir, se se deve crer em Lloyd, quanto ao que diz em sua Súplica Métrica em Favor dos Eclesiásticos. Ele ataca os párocos com muita franqueza e, dentre os restantes, descreve um janota canônico: "Veja o Nugavã, seus enredos e meneios, um fantoche de igreja, nada mais que autômato ordenado. Olhe o seu andar miúdo e tênue. A religião é creme e capa no seu rosto! É todo religião, desde a cabeça aos pés! Os chapeleiros e os barbeiros fazem isto. Emprega a religião imitando o modista; é ortodoxa somente em coisas exteriores: faixas, luvas, anéis, chapéus, batinas, túnicas. Sinal do seu saber é a touca de doutor, e prova a sua bondade – porque a roupa é boa." Este apego às vestes garbosas levou a uma empertigada nobreza no púlpito. Chamavam-lhe "dignidade", e se orgulhavam dela. Distinção e decoro eram sua principal preocupação, e estas se mesclavam com Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 164 pompa ou com ostentação tola e risonha, conforme as peculiaridades de cada criatura, até que os sinceros se cansaram das suas representações ocas, e partiram para longe daquelas ministrações bombásticas. Os pregadores também estavam preocupados demais com sua apresentação à altura para terem qualquer interesse por serem úteis. Não iriam condescender em utilizar os gestos que tornariam as suas palavras um pouco mais inteligíveis, pois, que lhes interessava o vulgar? Se as pessoas de bom gosto ficavam satisfeitas, eles tinham toda a recompensa que desejavam, e enquanto isso as multidões pereciam por falta de conhecimento. Deus nos livre do comportamento fino e das maneiras distintas e gentis, se isto mantém o povo alienado do culto público que a Deus prestamos. Em nossos dias essa ostentação doentia é muito mais rara, esperamos, mas sobrevive ainda. Tivemos a honra de conhecer um ministro que não podia pregar sem suas luvas de pelica preta. Certa vez, vendo-se sem elas num certo púlpito, desceu e foi à procura delas no gabinete pastoral. Infelizmente, um dos oficiais tinha ido acomodar-se nos bancos levando não só o seu chapéu, como tencionava, mas também o chapéu e as luvas do pregador, e enquanto se descobria isto, o teólogo estava em terrível agitação, exclamando: "Nunca prego sem luvas. Não posso fazê-lo. Não poderei ir ao púlpito enquanto não as achar." Gostaria que não as tivesse encontrado nunca, pois se daria melhor atrás do balcão de uma loja de confecções do que numa tribuna sacra. Toda sorte de desalinho deve ser evitada por um ministro, mas os dotados de varonilidade caem mais freqüentemente neste erro do que no outro defeito de tipo efeminado. Portanto, façam o máximo para fugir deste erro pior. Cowper diz: "Aborreço de alma toda afetação." Assim deve ser com todos os homens sensatos. Todos os estratagemas e efeitos teatrais são insuportáveis quando se deve transmitir a mensagem do Senhor. É melhor ter vestes rotas e fala tosca, de modo sincero e sem arte, do que o pedantismo clerical. É melhor Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 165 violar todas as regras da elegância do que ser apenas um intérprete teatral, um ator consumado, um artista num palco. O caricaturista de vinte anos atrás favoreceu-me com o título de Enxofre, e colocou lado a lado comigo um declamador pedante a quem chamou Melado. Fiquei inteiramente satisfeito com a sorte que me tocou, mas não poderia dizer tanto se fosse representado com o retrato do meu companheiro. Melaços e outras substâncias açucaradas me fazem adoecer. Um janota no púlpito faz-me sentir como Jeú quando viu a cabeça enfeitada e o rosto pintado de Jezabel, e gritou indignado: "Lançai-a daí abaixo." Eu ficaria muito aborrecido se alguma das minhas observações sobre as atitudes grotescas levasse um de vocês a ensaiar posturas e representações. Isto seria fugir do ruim para o pior. Dissemos que o Dr. Hamilton recebeu aulas de um mestre a fim de livrar-se de sua falta de firmeza, mas ficou evidenciado que o resultado não foi muito animador, e temo seriamente que os mestres profissionais produzem mais males do que curas. Talvez o mesmo resultado decorra da minha tentativa de amador, mas, pelo menos, quero impedir quanto possível aquela desventura com minhas severas advertências. Não pensem em como vão gesticular quando pregarem, mas aprendam a arte de fazer a coisa certa sem dedicar-lhe um pensamento sequer. Nossa última regra resume todas as outras: sejam naturais em suas atitudes. Fujam até da aparência de gestos estudados. A arte é fria; somente a natureza tem calor. Que a graça os livre de toda falsa aparência e, em todos os movimentos e em todos os lugares sejam autênticos, ainda que tenham que ser considerados rudes e incultos. Que o seu maneirismo seja seu mesmo. Que nunca seja uma polida mentira, ou o arremedo da amabilidade, o fingimento da paixão, a simulação da sensibilidade emotiva, ou a imitação do modo alheio de pregar – o que é na prática uma mentira. "Foge, pois, de qualquer atitude ou olhar, e teatral movimento ante o espelho ensaiados." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 166 Nosso objetivo é remover as excrescências da natureza tosca, não produzir artificialismo e afetação. Queremos podar a árvore; de modo nenhum tencionamos aparelhá-la, dando-lhe forma fixa. Queremos que os nossos estudantes pensem na questão das atitudes no púlpito enquanto estão conosco na escola, para que nunca mais tenham necessidade de pensar nisso posteriormente. A matéria é imponderável demais para fazer parte do seu programa semanal de estudos quando entrarem de fato na luta da vida ministerial. É preciso que atentem para o assunto agora, e de modo cabal. Vocês não são enviados por Deus para pedir sorrisos, mas para ganhar almas. Seu mestre não é o professor de dança, mas o Espírito Santo, e a maneira de se conduzirem no púlpito só requer um pensamento momentâneo, porque pode estorvar o seu bom êxito levando os ouvintes a fazerem observações sobre o pregador quando o que vocês querem é que todo o pensamento deles esteja centralizado no assunto da pregação. Se a melhor atitude tivesse aquele efeito negativo, eu os exortaria a renegá-la, e se a pior gesticulação impedisse aquele resultado, eu os aconselharia a praticá-la. Tudo que pretendo é recomendar movimentos serenos, delicados, espontâneos, porque têm maior probabilidade de não desviar a atenção. Toda a questão da entrega da mensagem deve ser una. Tudo deve estar em harmonia. O pensamento, o espírito, a linguagem, a entonação e os movimentos devem constituir uma peça só, visando tudo, não à conquista de honra para nós, mas à glória de Deus e ao bem dos homens. Se for assim, não há por que temer que vocês violem a norma quanto a serem naturais, pois não lhes ocorrerá ser doutro modo. Tenho porém um temor, que é o seguinte: vocês podem cair numa estulta imitação de algum ministro admirado, e isto em alguma extensão os tirará da trilha certa. Cada movimento de um homem deve corresponder a ele e brotar da sua personalidade. O estilo do Dr. Golias, de mais de dois metros de altura, não se adapta à estatura e à personalidade do nosso amigo Baixote, que é um Zaqueu entre os pregadores: Tampouco o maneirismo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 167 de um idoso e venerando teólogo serve para o jovem Apolo, mal saído da adolescência. Ouvi dizer que durante bom tempo muitos jovens ministros congregacionais imitaram o pastor que pregava na Capela de Weigh House, em Londres, e assim havia pequenos Binney por toda parte copiando o grande Thomas em tudo, menos em sua pregação impregnada de pensamento. Corre o boato de que há por aí um ou dois jovens Spurgeon. Se é assim, espero que a referência seja aos meus dois filhos, que têm direito ao nome por nascimento. Se alguns de vocês vierem a ser copistas de mim, vou considerá-los espinhos na carne, e os classificarei entre aqueles que, como Paulo diz, "suportamos alegremente." Contudo, tem-se dito com sabedoria que todo principiante deve necessariamente ser imitador por algum tempo. O artista segue o seu mestre enquanto adquire com simplicidade os rudimentos da arte, e talvez continue sendo a vida toda um pintor da escola à qual se ligara no princípio. Mas, conforme vai ganhando proficiência, desenvolve a sua individualidade, chega a ser um pintor com seu próprio estilo – e lhe foi melhor, e nem um pouco ruim, que nos seus primeiros dias se contentasse em sentar-se aos pés de um mestre. Acontece necessariamente a mesma coisa na oratória. Portanto, pode ser demasiado dizer: nunca imitem ninguém; mas talvez seja melhor exortá-los a imitarem a melhor atitude que possam encontrar, a fim de que o estilo de cada um de vocês, durante a sua formação, seja modelado corretamente. Corrijam a influência de qualquer pessoa com aquilo que vejam de excelente em outras. Todavia, tratem de criar o seu próprio modo de se conduzir. Imitação servil é prática de macaco, mas seguir outro por onde ele conduz direito, e somente ali, é sabedoria do homem prudente. Nunca, porém, deixem que a originalidade natural seja malograda por sua imitação dos melhores modelos da antigüidade ou dos mais apreciados dentre os modernos. Em conclusão, não permitam que as minhas críticas a várias posturas e movimentações grotescas os persigam no púlpito. Seria Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 168 melhor praticá-las todas do que ficar com medo, pois isto os faria acanhados mentais e desajustados. Lancem-se a isso, quer seja asneira, quer não. Nesta matéria, poucos erros conterão a metade do mal que existe no erro do nervosismo. Pode acontecer que, o que seria excêntrico em outrem, seja muitíssimo apropriado em você. Daí, não tome o dito de qualquer pessoa como aplicável a todos os casos, nem ao seu mesmo. Você vê como John Knox é retratado na bem conhecida gravura. Sua postura é elegante? Talvez não. Todavia, não é exatamente o que devia ser? Poderá achar algum defeito nela? Não é parecida com Knox, e repleta de poder? Não se enquadraria bem num homem dentre cada cinqüenta. Na maioria dos pregadores pareceria forçada, mas no grande reformador é característica, e combina com a obra que lhe absorveu a vida. Você deve recordar a pessoa, os tempos e as circunstâncias, e então o maneirismo passa a ser visto transformado num pregador e herói enviado para realizar a obra de um Elias e a proclamar as suas admoestações na presença de uma corte papista que odiava as reformas que ele exigia. Seja você mesmo, como Knox foi ele próprio. Ainda que tenha que ser rude e desajeitado, seja você mesmo. Suas roupas, embora de confecção caseira, servem-lhe melhor do que as de outro homem, mesmo que estas sejam feitas da melhor fazenda. Se quiser, poderá seguir a moda do vestuário do seu preceptor, mas não tome emprestado o casaco dele. Contente-se com um que seja seu mesmo. Acima de tudo, seja tão cheio de interesse, fervoroso e gentil, que os ouvintes liguem pouco para o modo como você veicula a palavra, pois, se perceberem que ela é recém-chegada do Céu, e a acharem agradável e abundante, terão em pequena monta o cesto em que lhes é trazida. Deixe que digam, se lhes aprouver, que a sua presença física é fraca, mas ore no sentido de que confessem que o seu testemunho tem peso e poder. Encomende-se à consciência de cada pessoa, à vista de Deus, e então a simples questão das essências da postura raramente será levada em conta. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 169 FERVOR: SUA DEFORMAÇÃO E SUA PRESERVAÇÃO Se me perguntassem: Qual a qualidade deveras essencial de um ministro cristão que assegura êxito na conquista de almas para Cristo? Eu responderia: "fervor". E se me fizessem a mesma pergunta uma segunda e uma terceira vez, não mudaria a minha resposta, pois a observação pessoal me leva a concluir que, em regra, o verdadeiro sucesso é proporcional ao grau em que o pregador é ardoroso. Tanto os grandes homens como os de menor vulto obtêm bom êxito se vivem inteiramente para Deus, e, se não, falham. Conhecemos homens eminentes que alcançaram alta reputação, atraem multidões de ouvintes e são muito admirados, mas, não obstante, estão em baixo grau na escala dos conquistadores de almas. Isso porque tudo o que fazem naquela direção poderiam aplicar sendo preletores de anatomia ou oradores políticos. Ao mesmo tempo, temos visto seus companheiros de habilidades sendo tão benéficos à atividade ligada à conversão dos pecadores que, evidentemente, as suas capacidades adquiridas e os seus dons não lhes constituem obstáculos, e, sim, o inverso. Sim, porquanto, pelo intenso e devotado uso das suas capacidades, e pela unção do Espírito Santo, levaram muitos a volver-se para a justiça. Temos visto irmãos de habilidades muito limitadas, terríveis carretões na igreja, que se mostram tão ineficientes em suas esferas de ação como os cegos num observatório. Por outro lado, porém, homens dotados de potencial igualmente pequeno, são-nos conhecidos como poderosos caçadores diante do Senhor, mediante cuja santa energia muitos corações foram capturados para o Salvador. Delicia-me a observação de McCheyne: "O que Deus abençoa não é tanto o grande talento, como a grande semelhança com Cristo." Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 170 Em muitos casos se rastreia e se encontra a explicação quase total do sucesso ministerial num zelo intenso, numa consumidora paixão pelas almas e num ardente entusiasmo pela causa de Deus; e cremos que em cada caso, estando as outras coisas presentes em igual medida, os homens prosperam no serviço divino na proporção em que os seus corações estejam inflamados de santo amor: "O deus que responder por fogo esse será Deus"; e o homem que tiver língua de fogo, esse será ministro de Deus. Irmãos, como pregadores, vocês e eu devemos ser sempre fervorosos com referência ao nosso trabalho de púlpito. Nisto devemos labutar para atingir de fato o supremo grau de excelência. Freqüentemente digo a meus irmãos que o púlpito do as Termópilas da cristandade; ali a batalha será ganha ou perdida. Para nos ministros, a preservação do nosso poder no púlpito deve ser a nossa grande preocupação. Temos que ocupar aquela torre de vigia com os nossos corações e mentes alertados e em pleno vigor. Não nos adiantará sermos laboriosos pastores se não formos pregadores fervorosos. Receberemos o perdão de muitos pecados na questão das visitas pastorais, se as almas forem realmente alimentadas no dia de santo repouso. Mas, alimentadas é o que devem ser, e nenhuma outra coisa compensará isso. Os fracassos de muitos ministros que vão água abaixo podem ser explicados pela ineficácia no púlpito. A principal atividade de um capitão do mar é saber dirigir o seu navio; nada pode ressarcir a deficiência nisso. Assim os nossos púlpitos devem receber o nosso maior cuidado, ou tudo andará torto. Os cães brigam com freqüência porque o suprimento de ossos é escasso, e freqüentemente os membros das igrejas brigam porque não recebem alimento espiritual suficiente para mantê-los felizes e pacíficos. A razão aparente da insatisfação pode parecer alguma outra coisa, mas, nove vezes em dez a deficiência nas rações é a causa das dissensões que ocorrem em nossas igrejas. Como todos os outros animais, os homens sabem quando estão bem alimentados, e geralmente se sentem bem dispostos depois de uma refeição. Assim, quando os ouvintes vêm à casa Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 171 de Deus e obtêm "alimento conveniente para eles", esquecem muitas ofensas na alegria da festa, mas se forem mandados embora com fome, estarão irritadiços como uma ursa cujas crias lhe foram roubadas. Agora, para sermos aceitáveis, precisamos ser fervorosos quando aplicados à pregação propriamente dita. Bem disse Cecil que o espírito e os modos do pregador muitas vezes produzem mais efeito do que o conteúdo da mensagem. Ir para o púlpito com o ar negligente daqueles cavalheiros que se refestelam aqui e acolá, e se recostam na almofada como se tivessem encontrado afinal um tranqüilo lugar de repouso, é, creio eu, extremamente censurável. Levantar-se diante do povo para distribuir lugares comuns que não custaram nada ao pregador, como se qualquer coisa servisse para um sermão, não apenas deprecia a dignidade do nosso oficio, mas é ofensivo à vista de Deus. Temos que ser fervorosamente zelosos no púlpito por amor de nós mesmos, pois não conseguiremos manter por muito tempo a nossa posição de líderes da igreja de Deus se formos insípidos. Além disso, temos que ser dinâmicos por amor dos membros da igreja e dos conversos, pois, se não formos zelosos, nem eles o serão tampouco. Não é da ordem da natureza que os rios corram morro acima, e não acontece com freqüência que o zelo suba dos bancos dos ouvintes ao púlpito. O natural é que flua de nós para os nossos ouvintes. Portanto, o púlpito deve estar em nível mais alto de ardor, se é que havemos de, sob Deus, tornar os crentes mais fervorosos, e conservá-los assim. Aqueles que acompanham o nosso ministério têm muito que fazer durante a semana. Muitos deles têm provações na família e pesadas cargas pessoais para transportar, e freqüentemente entram na reunião frios e desligados, com os pensamentos perambulando para lá e para cá. Compete-nos apanhar aqueles pensamentos e lançá-los ao formo do nosso zelo fervoroso, fundi-los mediante contemplação santa e apelos intensos, despejando-os depois no molde da verdade. O ferreiro não pode fazer nada depois que se apaga o fogo, e, neste aspecto, é o tipo do ministro. Se todas as luzes do mundo exterior se Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 172 extinguem, a lâmpada que arde no santuário deve permanecer chamejante; por este fogo jamais deve repicar o toque de recolher. Devemos considerar os freqüentadores como a madeira e o sacrifício, bem embebidos duas ou três vezes pelas preocupações da semana, e sobre os quais devemos, como o profeta, rogar fogo dos céus. Um ministro molenga cria um auditório de molengas. Você não pode esperar que os oficiais e os membros da igreja viajem a vapor se o próprio pastor que elegeram ainda dirige a velha carroça de rodas grandes. Cada um de nós devia ser como aquele reformador descrito como, "Vividus vultus, vividi occuli, vividae manus, denique omnia vivida", que prefiro traduzir livremente assim: "Figura irradiando vida, olhos e mãos cheios de vida; em suma, um pregador vívido, totalmente vivo." "A tua alma precisa transbordar, se alcançar a alma de outrem é o que quer. A fim de dar aos lábios bem falar, coração transbordante se requer." Como a igreja, o mundo também sofrerá, se não formos fervorosos. Não podemos esperar que um evangelho vazio de fervor exerça poderoso efeito sobre os inconversos ao nosso redor. Uma das desculpas mais soporíferas para a consciência de uma gerarão iníqua é a indiferença do pregador. Se o pecador nota que o pregador está meio dormindo enquanto fala do juízo vindouro, concluí que esse juízo é algo sobre o que o pregador está sonhando, e resolve considerar isso tudo como simples ficção. Todo o mundo exterior é objeto de sério perigo a que o submete o pregador de coração frio, pois ele deduz a mesma conclusão a que chega o pecador individual: persevera em sua negligência, dedica suas energias aos seus bens transitórios, e se considera sábio por agir assim. Como poderia ser de outro modo? Se o profeta deixa para trás o coração quando professa falar em nome de Deus, que poderá esperar, senão que os ímpios ao seu redor fiquem persuadidos de que não há nada na mensagem dele, e que sua comissão evangélica é uma farsa? Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 173 Ouçam como Whitefield pregava, e nunca mais ousem ser letárgicos. Winter diz dele que "às vezes chorava copiosamente, e freqüentemente ficava tão dominado que, por alguns segundos, você suspeitaria que ele nunca mais se recuperaria; e ao recuperar-se, a natureza exigia um pouco de tempo para recompor-se. Mal sei se houve alguma ocasião em que ele foi até o fim do sermão sem chorar pouco ou muito. Sua voz muitas vezes era interrompida por seus impulsos de afeto. Eu lhe ouvi dizer no púlpito: "Vocês me censuram por chorar. Mas, como posso deixar de fazê-lo, quando vocês não choram por si mesmos, apesar de que as suas almas estão à beira da destruição, e algo me diz que vocês estão ouvindo um sermão pela última vez e pode ser que nunca mais tenham oportunidade de receber o oferecimento de Cristo?" O fervor no púlpito deve ser real. Não deve ser um arremedo. Nós o vimos falsificado, mas qualquer pessoa com um pingo de discernimento podia detectar o embuste. Bater os pés, golpear o púlpito, suar, gritar, vociferar, citar trechos patéticos de sermões alheios, ou derramar voluntárias lágrimas de olhos aguacentos, nunca substituirão a verdadeira agonia de alma e real ternura de espírito. A melhor peça de representação não passa de representação. Os que só olham as aparências podem agradar-se dela, mas os que amam a realidade terão desgosto. Que presunção! Que hipocrisia é, com habilidoso controle da voz, imitar a paixão que é a obra genuína do Espírito Santo! Tenham cuidado os meros atores, para não serem achados pecando contra o Espírito Santo com as suas representações teatrais. Devemos ser fervorosos no púlpito porque somos fervorosos em toda parte. Precisamos flamejar em nossos discursos porque estamos continuadamente inflamados. O zelo que fica armazenado para ser posto em ação somente nas ocasiões grandiosas é um gás que um dia destruirá o seu proprietário. Nada senão a verdade pode aparecer na casa do Senhor. Toda afetação é fogo estranho e provoca a indignação do Deus da verdade. Seja fervoroso, e parecerá fervoroso. Um coração ardente Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 174 logo achará para si uma língua flamejante. Fingir fervor é um dos mais desprezíveis artifícios empregados para cortejar a popularidade; detestemos até o pensar nisso. Pode ir, e seja negligente no púlpito, se é o que você é no coração. Seja lerdo no falar, arrastado na entonação e monótono na voz, se é assim que expressa melhor a sua alma. Mesmo isso seria infinitamente melhor do que fazer do seu ministério uma mascarada, e de você mesmo um ator. Entretanto, o nosso zelo durante o ato de pregar deve ser seguido por intensa solicitude quanto aos resultados posteriores. Se não for assim, teremos razão para questionar a nossa sinceridade. Deus não enviará uma colheita de almas aos que nunca vigiam nem regam os campos que semearam. Concluído o sermão, só temos que lançar a rede que depois arrastaremos para a praia mediante a oração e a vigilância. Aqui penso que não posso fazer melhor do que deixar que um advogado mais hábil argumente com vocês, e cito as palavras do dr. Watts: "Seja muito solícito acerca do sucesso dos seus trabalhos no púlpito. Regue a semente semeada, não somente com oração pública, mas também com oração em secreto. Rogue a Deus importunamente que Ele não permita que você trabalhe em vão. Não seja como a estulta avestruz que põe os ovos na terra e ali os deixa, sem considerar se chegarão à vida ou não (Jó 39:14-17). Deus não deu entendimento àquela ave, mas não permita que essa insensatez seja o seu caráter ou sua prática. Trabalhe, vigie e ore, para que os seus sermões e o fruto dos seus estudos se transformem em palavras de vida divina para as almas. Uma observação do piedoso Sr. Baxter (que li algures em suas obras) é que ele jamais conheceu qualquer sucesso considerável dos talentos mais brilhantes e mais nobres, nem da mais excelente espécie de pregação, nem mesmo quando os pregadores eram verdadeiramente religiosos, se não tinham solícito interesse pelo êxito das suas ministrações. Que o terrível e importante pensamento nas almas salvas mediante a nossa pregação, ou deixadas a perecer condenadas ao inferno Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 175 por nossa negligência – digo, que esse temível e tremendo pensamento habite para sempre os nossos espíritos. Fomos feitos atalaias sobre a casa de Israel, como Ezequiel; e, se não dermos aviso da aproximação do perigo, as almas de multidões podem perecer devido à nossa negligência; mas o sangue das almas será terrivelmente requerido das nossas mãos (Ezequiel 3:17 etc.). Tais considerações deveriam fazer-nos insistentes a tempo e fora de tempo, e levar-nos a manter-nos vestidos de zelo o tempo todo, como de um manto. Devemos estar todos com o ânimo desperto e sempre estar assim. Uma coluna de luz e de fogo deve ser o emblema próprio do pregador. O nosso ministério tem que ser enfático, ou nunca influirá nestes tempos caracterizados pela irreflexão. E para esse fim os nossos corações precisam estar habitualmente ardendo, e toda a nossa natureza precisa estar inflamada de consumidora paixão pela glória de Deus e pelo bem dos homens. Agora, irmãos, é tristemente certo que, uma vez obtido, o santo fervor pode ser facilmente levado ao desânimo. E como questão de fato esfria-se com maior freqüência na solidão de um pastorado de aldeia do que no meio de uma sociedade composta de cristãos ardorosos de coração. Adam, autor de Private Thoughts (Pensamentos Privados) observou uma vez que "um pobre pároco rural, lutando com o diabo em sua paróquia, tem idéias mais nobres do que as de Alexandre, o Grande, em toda a sua vida." E acrescentarei que ele precisa de algo mais que o ardor de Alexandre para capacitar-se a prosseguir vitorioso em sua guerra santa. Sleepy Hollow e Dormer's Land (A Cova do Dorminhoco e A Terra do Dormitório) serão demasiadas para nós, a menos que oremos rogando que Deus nos anime diariamente. Contudo, a vida da cidade também tem os seus perigos, e o zelo está sujeito a arder com fogo brando devido a numerosos envolvimentos, como fogo espalhado, em vez de concentrado numa pilha. Aquelas incessantes batidas à porta, e as perpétuas visitas de gente ociosa, são outros tantos baldes de água fria atirados sobre o nosso devotado zelo. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 176 De algum modo precisamos garantir a meditação não interrompida, ou perderemos poder. Londres é um campo de ação peculiarmente tentador neste sentido. O zelo também se restringe mais depressa depois de longos anos de permanência no mesmo serviço, do que quando a novidade dá encanto ao trabalho. João Wesley diz, no décimo quinto volume dos seus Diários e Cartas (Journals and Letters): "Sei que, se eu tivesse que pregar um ano inteiro num lugar só, tanto o pregador como a maioria dos ouvintes acabaria adormecido." Que será, então, se se tem que ocupar o mesmo púlpito durante muitos anos?! Neste caso, não é o passo que mata, mas a extensão da corrida. Nosso Deus é sempre o mesmo, existindo perpetuamente, e somente Ele pode capacitar-nos a resistir até o fim. Aquele que ao final de vinte anos de ministério exercido entre as mesmas pessoas está mais animado que nunca, é grande devedor ao Espírito vivificante. O fervor pode ser diminuído pela negligência nos estudos, e freqüentemente o é. Se não nos exercitamos na Palavra de Deus, Não pregaremos com o fervor e o garbo espiritual daquele que se alimenta da verdade que prega e, portanto, é forte e ardoroso. Segundo algumas autoridades, o ânimo de um inglês em combate depende de estar ele bem alimentado; não terá estômago para a batalha, se estiver faminto. Se formos bem nutridos pelo saudável alimento do evangelho, seremos vigorosos e cheios de ardor. Um velho e obtuso comandante em Cadiz é descrito por Selden como tendo-se dirigido aos seus soldados da seguinte maneira: "Que vergonha será, vocês ingleses, que se alimentam de boa carne e de cerveja, deixar-se bater por esses desprezíveis espanhóis que não comem nada mais que laranjas e limões!" A filosofia dele e a minha concordam: ele esperava entusiasmo e coragem daqueles que estavam bem alimentados. Irmãos, nunca negligenciem as suas refeições espirituais, ou terão falta de vigor e os seus espíritos afundarão. Alimentem-se das substanciais doutrinas da graça, e sobreviverão e suplantarão em Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 177 produtividade aqueles que se deleitam com os bolos e com as beberagens de vinho e leite do "pensamento moderno." Por outro lado, o zelo pode ser amortecido por nossos estudos. Existe, sem dúvida, algo como alimentar o cérebro às custas do coração, e muitos, em suas aspirações a serem literatos, qualificam-se mais para escrever revistas do que para pregar sermões. Um fantástico evangelista costumava dizer que Cristo foi crucificado embaixo do grego, do latim e do hebraico. Não devia ser assim, mas acontece muitas vezes que o estudante juntou lenha na escola, mas perdeu o fogo para fazê-la inflamar-se. Será para a nossa eterna desgraça, se enterrarmos as nossas chamas debaixo da lenha reunida para sustentá-las. Se degenerarmos, transformando-nos em escravos dos livros, será para a satisfação da antiga serpente, e para a nossa desgraça. O verdadeiro fervor pode ser grandemente enfraquecido pelas conversas levianas, e principalmente pelas piadas partilhadas com colegas de ministério, em cuja companhia freqüentemente tomamos mais liberdade do que gostaríamos de fazer quando reunidos com outros cristãos. Há excelentes motivos para sentir-nos em casa quando estamos com colegas, mas se esta liberdade for levada longe demais, logo perceberemos que nos sobreveio dano por meio do nosso linguajar fútil. Jovialidade é uma coisa, frivolidade é outra. É sábio quem, mediante séria felicidade na conversação, navega entre as negras rochas da carranca e as areias movediças da leviandade. Muitas vezes nos vemos em perigo de deteriorar-nos quanto ao zelo devido aos cristãos frios com quem entramos em contato. Que terríveis desmancha-prazeres alguns crentes professos são! Suas observações depois de um sermão bastam para deixar você tonto. Você pensa que certamente comoveu os corações de pedra mas dolorosamente vê que aqueles ouvintes não foram influenciados de modo nenhum. Vocês ferviam, e eles se congelavam. Vocês vinham lutando por uma questão de vida ou morte, e eles calculavam quantos segundos o sermão ia demorar, resmungando pelos cinco minutos que acaso foram além da Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 178 hora usual – tempo adicional que o seu fervor os impeliu a ocupar pelejando em favor das almas humanas. Se acontecer que esses indivíduos enregelados forem oficiais da igreja, de quem vocês naturalmente esperam a mais calorosa simpatia, o resultado será esfriamento ao máximo grau, quanto mais se vocês forem jovens e inexperientes. É como se um anjo ficasse confinado numa geleira flutuante. "Não porás o boi e o jumento sob o mesmo jugo", era um preceito misericordioso. Mas quando um ministro que dá duro como um boi fica no mesmo jugo com um oficial que não é outro boi, o trabalho de arar fica difícil. Alguns doutores impertinentes terão muito que responder a Deus nesta matéria. Um desses, não faz muito tempo, foi a um jovem e zeloso evangelista que estava fazendo o melhor que podia, e lhe disse: "Jovem, você chama isso de pregação?" Considerava-se fiel, mas foi cruel e descortês e, embora o bom irmão tenha sobrevivido ao golpe, este não foi menos brutal por isso. Tais ofensas contra os pequeninos do Senhor são muito raras, espero, mas são mortificantes, e tendem a afastar os nossos jovens esperançosos. Muitas vezes os ouvintes como um todo tenderão a enfraquecer o seu zelo. Você pode ver pelo olhar e pela atitude deles, que não estão apreciando os seus sinceros e calorosos esforços, e ficará desanimado. Aqueles bancos vazios do uma grave provação também, e se o recinto for grande e pequeno o número de freqüentadores, a influência será muito deprimente. Não é todo homem que pode agüentar ser "uma voz que clama no deserto." Desordem entre os ouvintes também aflige dolorosamente os oradores sensíveis. O caminhar de uma mulher com ruidosos saltos de sapatos, o ranger de um par de botas novas, a queda freqüente de guarda-chuvas e bengalas, o choro de crianças, e especialmente o atraso da metade dos componentes da reunião – isso tudo tende a irritar a mente, a desviá-la do seu objetivo e a diminuir o ardor. Dificilmente gostamos de confessar que os nossos corações são logo prejudicados por essas bagatelas, mas é assim, e não há motivo para Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 179 admirar-nos disso. Como os frascos do mais precioso ungüento são mais freqüentemente corrompidos por moscas mortas do que por camelos mortos, assim coisas insignificantes destroem o fervor mais depressa do que as maiores contrariedades. Quando se vê em grande desalento, o homem impulsiona-se a si próprio sem interrupção, e então se atira a seu Deus, e recebe força divina; mas quando sofre depressões menores é possível que ele se aflija, e a picuinha causará irritação e se inflamará, até acontecerem conseqüências mais graves. Perdoem-me dizer que vocês devem atentar para as condições dos seus corpos, especialmente na questão de comer, pois qualquer medida de excesso pode prejudicar a sua digestão e deixá-los aturdidos quando deviam estar ardendo de fervor. Das memórias de Duncan Matheson recolho uma historieta muito pertinente: "Em certo lugar onde se estavam fazendo reuniões evangelísticas, os pregadores leigos, entre os quais estava o Sr. Matheson, foram tratados suntuosamente na casa de um cavalheiro cristão. Depois do jantar, foram para a reunião, não sem alguma diferença de opinião quanto ao melhor método de dirigir os trabalhos da norte. 'O Espírito foi entristecido; Ele não está aqui, de modo algum; é o que sinto', disse um dos mais jovens, com um gemido que de alguma forma contrastava com o imenso prazer anterior, quando desfrutava as luxúrias da mesa. 'Tolice', replicou Matheson, que detestava toda espiritualidade chorosa e mórbida. 'Não é nada desse tipo. Vocês simplesmente comeram muito na janta, e agora sentem o peso da indigestão.' " Duncan Matheson estava certo, e um pouco mais do seu bom senso seria grande ganho para alguns que são ultra-espirituais e atribuem todas as suas modalidades de disposição de ânimo e de sentimento a alguma causa sobrenatural, quando a verdadeira razão está muito mais perto, à mão. Não tem acontecido muitas vezes que a dispepsia é confundida com apostasia, e a má digestão é repreendida como dureza de coração? Não digo mais nada; para bom entendedor uma palavra basta. Muitas causas físicas e mentais podem agir para criar letargia aparente onde há intenso fervor no coração. Em alguns de nós uma noite Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 180 mal dormida, uma alteração no tempo, ou uma observação indelicada produzirão o mais lamentável efeito. Mas geralmente aqueles que se queixam de falta de zelo são os mais zelosos do mundo, e a confissão de falta de vida é em si mesma um argumento de que a vida existe, e não sem vigor. Não se poupem, nem se deixem levar pela auto-satisfação; mas, por outro lado, não se difamem a si próprios, nem se afundem no desânimo. Sua opinião a respeito de si mesmos não tem muito valor; peçam ao Senhor que os sonde. Trabalho realizado continuamente por muito tempo sem sucesso visível é outro freqüente estrago para o zelo fervoroso, conquanto, retamente compreendido, devesse constituir incentivo para diligência sete vezes maior. O original Thomas Fuller observa que "nisto Deus tem humilhado muitos pastores laboriosos fazendo deles nuvens de chuva, não sobre a Arábia feliz, mas sobre a Arábia deserta e pedregosa." Se o insucesso nos humilha, está bem, mas se nos desanima, e especialmente nos leva a pensamentos amargos sobre os colegas mais prósperos, devemos olhar em torno de nós com grave preocupação. É possível que tenhamos sido fiéis, e que tenhamos adotado métodos sábios, e que estejamos no lugar certo, sem contudo atingir o alvo; provavelmente nos curvaremos e nos sentiremos incapazes de continuar a obra. Mas, se tratarmos de arrancar coragem e de aumentar o nosso fervor, teremos um dia abundante colheita, que nos recompensará além da expectativa por nossa espera. "O lavrador espera pelos preciosos frutos da terra." E com a santa paciência gerada pelo zelo devemos esperar, sem jamais duvidar de que o tempo de Sião ser favorecida ainda chegará. Também é preciso não esquecer nunca que a carne é fraca e naturalmente inclinada à sonolência. Necessitamos de constante renovação do impulso divino que nos iniciou na carreira do serviço cristão. Não somos como flechas, que acham caminho para o alvo somente graças à instrumentalidade da força com que partiram do arco. Nem como os pássaros, que levam dentro de si a sua energia motora. Temos que ser impelidos para a frente como caravelas no mar, pelo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 181 constante poder dos ventos celestiais, ou não avançaremos. Os pregadores enviados por Deus não são como caixas de música que, uma vez acionadas, tocam as melodias programadas; são, porém, como trombetas, completamente mudas até que o sopro vigoroso os faz emitir certo som. Lemos sobre alguns que não passam de cães broncos, dados a cochilar, e seria esse o caráter de todos nós, se não o impedisse a graça de Deus. Temos necessidade de lutar contra o espírito descuidado e indiferente. Se não o fizermos, logo seremos mornos como Laodicéia. Lembrando, pois, diletos irmãos, que devemos ter fervor, que não podemos usar imitações dele nem achar-lhe substituto, e que é muito fácil perdê-lo, consideremos por um pouco os modos e meios de conservar todo o nosso fervor e obter mais. Se havemos de prosseguir, o nosso fervor deve ser inflamado por uma chama eterna, e só conheço uma – a chama do amor de Cristo, que mesmo muitas águas não conseguem apagar. Uma centelha do sol celestial será imorredoura como a fonte da qual provém. Se a pudermos obter, sim, se a tivermos, continuaremos cheios de entusiasmo, por mais tempo que vivamos, por mais que sejamos provados e por mais numerosas sejam as razões para ficarmos desanimados. Para continuarmos fervorosos no transcurso desta vida, temos que possuir o fervor da vida celeste com que começar. Temos esse fogo? É preciso que a verdade arda em nossas almas, ou não arderá em nossos lábios. Entendemos isto? As doutrinas da graça devem ser parte integrante de nós, entretecidas com a urdidura e a trama do nosso ser, e isto somente pode ser efetuado pela mão que originalmente fez o tecido. Jamais perderemos o nosso amor a Cristo e o nosso amor às almas, se foi o Senhor que no-los deu. O Espírito Santo faz que o zelo por Deus seja um permanente princípio de vida, em vez de uma paixão; será que o Espírito Santo repousa em nós, ou o nosso presente fervor é um simples sentimento humano? Sobre este ponto devemos fazer sério exame dos nossos corações, fazendo-nos a nós mesmos a pergunta: Temos nós o fogo santo oriundo da verdadeira vocação para o ministério? Se não, por Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 182 que estamos aqui? Se alguém pode viver sem pregar, que viva sem pregar. Se alguém pode estar satisfeito sem ser um conquistador de almas – quase ia dizer que seria melhor não tentar fazer esse trabalho, mas, em vez disso digo – procure ver que a pedra seja tirada do seu coração, para que possa ter sensibilidade quanto aos que perecem. Antes disto, na qualidade de ministro, ele pode cometer um engano total, ocupando o lugar de alguém que poderia ter tido êxito na bendita obra em que aquele será por certo um fracasso. O fogo do nosso fervor deve arder no centro vital da fé nas verdades que pregamos, e da fé no poder que elas têm de abençoar a humanidade quando o Espírito as aplica ao coração. Aquele que proclama uma coisa que pode ser verdade ou não, e aquilo que, no todo, considera bom como qualquer outro tipo de ensino, necessariamente dará um pregador muito fraco. Como poderá ser zeloso sobre aquilo de que não está seguro? Se não conhece nada do poder interior da verdade em seu coração, se nunca provou nem tocou a Palavra da vida, como pode ser entusiasta? Mas, se o Espírito Santo nos ensinou nos lugares secretos, e fez a nossa alma compreender no seu íntimo a doutrina que nos cabe proclamar, então falaremos sempre com língua de fogo. Irmão, não comece a ensinar outros enquanto o Senhor não o tenha ensinado. Deve ser um trabalho enfadonho papaguear dogmas que não interessam ao seu coração nem levam convicção ao seu entendimento. Eu preferiria catar estopa ou girar manivelas para conseguir o meu café da manhã, como fazem os mendigos aqui e ali, a ser escravo de um grupo de freqüentadores de igreja e levar-lhes alimento espiritual que eu mesmo nunca provei. E depois, que terrível há de ser o fim dessa carreira! Que temíveis contas deve prestar no final aquele que ensina publicamente aquilo em que não crê de coração, praticando em nome de Deus esta detestável hipocrisia! Irmãos, se o fogo vem do lugar certo para o lugar certo, temos bom começo; e temos os principais elementos de um final glorioso. Inflamados por uma brasa viva, trazida do altar aos nossos lábios pelo Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 183 querubim alado, o fogo começou a ser mantido no íntimo do nosso espírito, e ali manterá vivas as chamas, ainda que o próprio Satanás labute para apagá-las com os pés. Mesmo a melhor chama na palavra precisa ser renovada. Ignoro se os espíritos imortais, como os anjos, bebem do vento e se alimentam de algum maná superior preparado no céu para eles. Mas o provável é que nenhum ser criado, embora imortal, esteja completamente livre da necessidade de receber de fonte externa o sustento de suas forças. Certamente a chama de zelo no coração renovado, conquanto divina, precisa ser constantemente alimentada de novo combustível. Mesmo as lâmpadas do santuário precisavam de azeite. Alimente a chama, meu irmão, alimente-a freqüentemente. Alimente-a com pensamento santo e santa contemplação, especialmente com o pensamento sobre a sua obra, os motivos que o levam a procurar realizá-la, e os grandes resultados dela, se o Senhor estiver com você. Firme-se no amor de Deus aos pecadores, na morte de Cristo em favor deles e na obra do Espírito nos corações humanos. Pense no que tem que ser efetuado no coração dos homens antes de estes poderem ser salvos. Lembre-se, você não é enviado para caiar túmulos, mas para abri-los, e esta é uma obra que homem nenhum pode realizar, a menos que, como fez o Senhor Jesus junto ao sepulcro de Lázaro, se agite no espírito; e mesmo assim você não tem poder, sem o Espírito Santo. Irmãos, meditem com profunda solenidade no destino do pecador perdido e, como Abraão, quando se levantarem de manhã para ir ao local de sua comunhão com Deus, dêem uma olhada para os lados de Sodoma e vejam a fumaça que sobe de lá, como a fumarada de uma fornalha. Evitem todas as idéias sobre a punição vindoura que a faça parecer menos terrível e assim embotem a sua ansiedade por salvar seres imortais do fogo inextinguível. Se os homens são apenas uma espécie mais nobre de macaco e expiram como os animais irracionais, você pode muito bem deixá-los perecer sem dó. Se, porém, sua criação à imagem de Deus incluí a imortalidade, e há algum temor de que por sua Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 184 incredulidade trarão infelicidade sobre si, ponham-se à altura das agonias desse acontecimento, e envergonhem-se da simples suspeita de desinteresse. Pensem muito também na bem-aventurança do pecador salvo, e em como o piedoso Baxter apresenta valiosos argumentos em favor do zelo fervoroso, derivando-os do "sempiterno repouso dos santos." Subam aos montes celestiais e recolham lenha lá. Empilhem as gloriosas achas de madeira do Líbano, e o fogo arderá livremente e dará um suave perfume quando cada pedaço de cedro seleto rebrilhar nas chamas. Não haverá por que temer que caiam na letargia, se mantiverem permanente intimidade com as realidades eternas. Acima de tudo, alimentem a chama com íntima comunhão com Cristo. Ninguém que tenha vivido com Jesus nos termos em que viveram João e Maria jamais foi frio de coração, pois Ele faz arder o coração. Nunca encontrei um pregador desanimado que estivesse em muita comunhão com o Senhor Jesus. O zelo da casa de Deus consumia a nosso Senhor, e quando entramos em contato com Ele, o mesmo zelo começa a consumir-nos também – e vemos que não podemos senão falar das coisas que temos visto e ouvido em Sua companhia. Nem podemos deixar de falar dessas coisas com o fervor que provém da real familiaridade com elas. Aqueles de nós que têm estado pregando durante estes vinte cinco anos, às vezes sentem que a mesma obra, o mesmo assunto, o mesmo povo e o mesmo púlpito, juntos, são capazes de gerar um sentimento de monotonia, e a monotonia logo pode levar à fadiga. Mas aí trazemos à memória outra mesmice, que vem a ser a nossa completa libertação – o Salvador é o mesmo, e podemos ir a Ele do mesmo modo como o fizemos da primeira vez, visto que "Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente." Em Sua presença bebemos vinho novo e renovamos a nossa mocidade. Ele é a fonte que mana para sempre a refrescante e restauradora água da vida. Em comunhão com Ele teremos nossas almas vivificadas para o usufruto de energia perpétua. Sob o seu sorriso o trabalho de há muito costumeiro é sempre agradável, e mostra mais encanto do que aquele que a novidade poderia conferir. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 185 Colhemos novo maná para o nosso povo cada manhã, e quando vamos distribuí-lo, sentimos a unção de novo óleo destilando sobre nós. "... os que esperam no Senhor renovarão as suas forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão." Recém-vindos da presença dAquele que anda entre os candeeiros de ouro, estamos prontos para escrever ou falar no poder que somente Ele pode dar. Soldados de Cristo, vocês somente poderão ser dignos do Capitão que os comanda, permanecendo em comunhão com Ele e ouvindo a Sua voz, como fez Josué quando se pós junto ao Jordão e indagou : "Que diz meu Senhor a Seu servo?" Abanem o fogo, além de alimentá-lo. Abanem-no com muitas súplicas. Não há como sermos demasiado insistentes uns com os outros neste ponto; nenhuma linguagem pode ser veemente demais quando se trata de implorar aos ministros que orem. Para nós e para os nossos colegas há necessidade absoluta de oração. Necessidade! – Não gosto muito de falar desse modo; prefiro falar da delícia da oração – o maravilhoso dulçor e a divina felicidade advinda à alma que vive na atmosfera da oração. John Fox dizia: "O tempo que passamos com Deus em secreto é o mais ameno e o mais bem aproveitado. Portanto se amas tua vida, enamora-te da oração." O devoto Sr. Herve, tomou a seguinte resolução no leito de enfermidade: "Se Deus poupar a minha vida, lerei menos e orarei mais." John Cooke, de Maidenhead, escreveu: "O exercício, o prazer, a honra e o beneficio da oração premem meu espírito com força crescente, todo dia." Um finado pastor, ao se aproximar do fim, exclamou: "Desejaria ter orado mais." Este desejo muitos de nós poderíamos exprimir. Deve haver períodos especiais de devoção, e é bom mantê-los com regularidade. Mas o espírito de oração é ainda melhor do que o hábito de orar. Orar sem cessar é melhor do que orar a intervalos. Será uma feliz circunstância se nos pudermos com freqüência dobrar os joelhos junto com irmãos consagrados, e creio que deveria ser uma regra para nós ministros, nunca separar-nos sem uma palavra de oração. Muita Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 186 intercessão mais subiria ao Céu se fizéssemos disso um ponto para cumprir particularmente quanto àqueles dentre nos que foram colegas de estudos. Se possível, que a oração e o louvor santifiquem cada encontro de amigo e amigo. Uma prática revigorante é ter um minuto ou dois de súplicas ao Senhor no gabinete pastoral antes da pregação, se vocês puderem reunir ali três ou quatro diáconos de coração ardente, ou outros irmãos. Isto sempre me anima para a luta. Mas, com tudo isso, para abanar o seu fervor até torná-lo uma chama vigorosa vocês devem buscar o espírito de continua oração, de modo que estejam orando no Espírito Santo, em todo lugar e sempre: no estudo, no gabinete pastoral e no púlpito. É bom estar pleiteando o tempo todo com Deus – sentados ao púlpito, de pé para anunciar um hino, lendo a passagem bíblica, pregando o sermão; erguendo uma das mãos vazia para Deus a fim de receber, e com a outra repartindo ao povo o que Deus dá. Na pregação sejam como um tubo de transmissão entre os eternos e infinitos suprimentos do Céu e as necessidades humanas, quase ilimitadas. Para fazer isso, vocês precisam alcançar o Céu e manter a comunicação, sem interrupção. Orem pelas pessoas enquanto lhes pregam. Falem com Deus a favor delas enquanto lhes falam a favor de Deus. Só assim poderão esperar, manter-se em contínuo fervor. Poucas vezes uma pessoa se levantará sem fervor depois de pôr-se de joelhos; ou, se acontecer isso, o melhor que faz é voltar a orar até que a chama sagrada desça sobre a sua alma. Adam Clarke disse uma vez: "Morra de estudar, e então ore para tornar a viver." É uma sabia sentença. Não tentem a primeira realização sem a segunda; e não pensem que a segunda pode ser levada a efeito honestamente sem a primeira. Trabalhem e orem, como também vigiem e orem. Mas orem sempre. Agitem o fogo também, mediante freqüentes tentativas para realizar novos serviços. Sacudam-se para livrar-se da rotina, saindo dos costumeiros campos de trabalho e exigindo solo virgem. Sugiro-lhes, como um meio subordinado mas muito útil para manter o coração Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 187 robusto, o freqüente acréscimo de novas obras aos seus compromissos habituais. Gostaria de dizer aos irmãos que estão prestes a deixar a escola para estabelecer-se em ambientes onde terão contato com apenas umas poucas mentes superiores, e talvez estejam quase sozinhos nas mais altas alamedas da espiritualidade: olhem bem por vocês mesmos, para que não se tornem rasos, insípidos e inúteis; conservem sua capacidade de cativar as almas mantendo espírito empreendedor. Terão boa parte do trabalho para fazer, poucos os ajudarão, e os anos vão rolando e rolando pesadamente. Estejam vigilantes contra isso, e empreguem todos os meios possíveis para impedir que se tornem fastidiosos e sonolentos, e entre os meios usem aquele que a experiência me induz a impor-lhes. Acho bom ter sempre à mão algum trabalho novo. Os velhos e habituais empreendimentos têm que ser mantidos, mas algo deve ser-lhes acrescentado. Deve dar-se conosco o que se dá com os intrusos que usurpam terreno público. A cerca do nosso jardim deve avançar meio metro ou mais, abrangendo um pouco mais do terreno comum cada ano. Nunca digam: "Já basta", nem aceitem a política de "Repousem e sejam agradecidos." Façam tudo que puderem, e depois façam um pouco mais. Não ser por qual processo o cavalheiro que anuncia que pode tornar baixotes mais altos procura fazer isso, mas imagino que, se se há de obter algum resultado no sentido de acrescentar um côvado à estatura de alguém, seria a pessoa erguer-se todas as manhãs o mais alto que pudesse na ponta dos pés e, tendo feito isso, tentar dia após dia atingir um ponto um pouco mais alto. Certamente é esta a maneira de crescer mental e espiritualmente – "avançando para as (coisas) que estão diante de mim." Se o antigo vai ficando um tanto gasto, irmão, junte-lhes novos esforços, e a massa toda será elevada de novo. Prove-o, e logo descobrirá a virtude de abrir novos terrenos invadindo novas províncias do inimigo e escalando alturas antes não atingidas para ali hastear o estandarte do Senhor. Com relação aos expedientes de que temos tratado, este é por Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 188 certo secundário. Contudo, é muito útil e pode beneficiá-lo grandemente. Numa cidade campestre, digamos de dois mil habitantes, você, depois de algum tempo, irá pensar: "Bem, agora, fiz quase tudo que podia neste lugar." Que fazer então? Há um lugarejo a alguns quilômetros. Planeje abrir ali uma sala. Encontrando-se ocupado um vilarejo, excursione a outro, espie a terra, e faça do socorro à indigência espiritual exposta diante de você uma ambição sua. Suprida a primeira localidade, pense numa segunda. É o seu dever, e será também a sua salvaguarda. Toda gente sabe do interesse que há por uma obra nova. O jardineiro se cansará do seu labor, a menos que lhe permitam introduzir novas flores na estufa de plantas, ou dar nova forma aos canteiros do jardim. Todo trabalho monótono é antinatural e cansativo para a mente. Portanto, é sábio dar variedade ao seu labor. De muito maior peso é este conselho: fiquem perto de Deus, e fiquem perto dos seus semelhantes aos quais vocês querem comunicar bênçãos. Habitem à sombra do Onipotente, habitem onde Jesus se manifesta, e vivam no poder do Espírito Santo. Sua própria vida depende disso. Whitefield menciona um rapaz que tinha tão vívida consciência da presença de Deus, que geralmente andava sem chapéu pelas estradas. Como eu gostaria que sempre fosse essa a nossa maneira de sentir! Neste caso, não haveria dificuldade nenhuma em manter o fervor. Cuidem também. para manter-se nos mais amistosos termos com aqueles de cujas almas vocês têm a responsabilidade de zelar. Fiquem na corrente e pesquem. Muitos pregadores ignoram completamente como vive a grande maioria das pessoas. Estão em casa entre os livros, mas em alto mar entre os homens. Que pensariam vocês de um botânico que raramente viu flores de verdade, ou de um astrônomo que nunca passou uma noite observando os astros? Seriam dignos do nome de homens de ciência? Assim também o ministro do evangelho não passará de um charlatão, a menos que se misture com os homens e estude pessoalmente o caráter deles. "Estudos a partir da vida" – cavalheiros; precisamos ter muitos destes, se havemos de fazer fiel pintura da vida em nossos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 189 sermões. Leiam os homens como lêem os livros, e amem as pessoas antes que as opiniões, ou, do contrário, serão pregadores inanimados. Fiquem perto dos que se encontram em estado de ansiedade. Observem as suas dificuldades, as suas angústias e as suas dores de consciência. Ajudará a fazê-los fervorosos ver-lhes a avidez com que buscam paz. Por outro lado, ver quão pouco fervorosos os homens são, na maioria, pode ajudá-los a ter maior zelo para o despertamento deles. Regozijem-se com aqueles que estão se encontrando com o Salvador; este é um importante meio de avivar-lhes a alma. Quando puderem levar a Jesus uma pessoa que chora a perda de um ente querido, sentir-se-ão jovens de novo. Será como óleo nos ossos ouvir um pecador arrependido chorar e exclamar: "Agora vejo tudo! Creio, e minha carga se foi. Estou salvo!" Às vezes o arrebatamento das almas recém-nascidas de novo os eletrizarão levando-os a terem ardor apostólico. Quem não se sentiria capaz de pregar depois de ver pecadores convertidos? Estejam a postos quando finalmente a graça prende a ovelha perdida, a fim de que, pela participação no regozijo do grandioso Pastor, vocês possam renovar a sua mocidade. Morram de trabalhar em favor dos pecadores, e serão recompensados por ir após eles em fatigante busca, talvez depois de seguí-los durante meses e anos. Segurem-nos com os firmes laços do amor, e digam : "Sim, pela graça de Deus, ganhei realmente estas almas" – e o seu entusiasmo se inflamará. Se você tiver que trabalhar numa grande cidade, recomendo-lhe que, seja onde for o local de culto, procure familiarizar-se com a pobreza, a ignorância e as condições de alcoolismo do lugar. Se puder, vá junto com um obreiro que já conheça a parte mais pobre da cidade, e o que vai ver enchê-lo-á de espanto, e a própria visão da doença irá torná-lo ansioso para revelar o remédio. Há muitos males para se verem, mesmo nas melhores ruas das nossas grandes cidades, mas há indescritível profundidade de horror nas condições dos cortiços e favelas. Assim como o médico percorre os hospitais, você deve percorrer Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 190 os becos e pátios dos cortiços para ver os danos causados pelo pecado. Será suficiente para fazer um homem derramar lágrimas de sangue contemplar as desolações que o pecado tem feito na terra. Um dia junto com um consagrado missionário seria uma bela maneira de concluir o seu curso acadêmico, e uma adequada preparação para a obra que terá que realizar em seu próprio campo. Observe as massas vivendo em seus pecados, envilecidas pela bebida e pela quebra do dia do Senhor, entregues aos vícios e blasfemando. Veja-as morrendo curtidas e empedernidas, ou aterrorizadas e cheias de desespero. Certamente isto reacenderá o zelo que fenece, se nada mais puder fazê-lo. O mundo está repleto de pobreza que oprime e de aflição que esmaga. A vergonha e a morte são a porção de milhares, e é necessário um grande evangelho para satisfazer as medonhas necessidades das almas humanas. Verdadeiramente assim é. Você duvida? Vá e veja com os seus próprio olhos. Assim aprenderá a pregar uma grandiosa salvação, e a engrandecer o grandioso Salvador, Não com a boca somente, mas de todo o coração. Deste modo se casará com o seu trabalho além de toda a possibilidade de abandoná-lo. Os leitos de morte do grandes escolas para nós. Estão determinados a agir como tônicos para fazer-nos apegados ao nosso labor. Tenho voltado dos quartos dos moribundos achando que toda gente é doida, e eu mais que todos. Tenho lamentado o empenho que os homens dedicam às coisas terrenas, quase dizendo a mim mesmo: Por que esse homem corria tanto? Por que aquela mulher se enfeitava daquele jeito? Visto que todos haveriam de morrer logo, eu achava que nada valia a pena, senão preparar-se para encontrar-se com o seu Deus. Estar com freqüência onde os homens morrem ajuda-nos a ensiná-los a morrer e a viver. McCheyne costumava visitar os seus ouvintes enfermos ou moribundos sábado à tarde, pois, como contou ao Dr. James Hamilton: "Antes de pregar, ele gostava de olhar por cima do limite final." Rogo-lhes, além disso, que meçam o seu trabalho à luz de Deus, Você é servo de Deus ou Não? Se é, como pode ter coração frio? Você Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 191 foi ou não foi enviado pelo Salvador crucificado, para proclamar o Seu amor e receber a recompensa das Suas feridas? Se foi, como pode afrouxar-se? O Espírito de Deus está sobre você? Ungiu-o o Senhor para pregar boas novas aos pobres? Se não o ungiu, não pretenda fazê-lo. Se o ungiu, "vai nessa tua força, e o Senhor será a tua força." Sua ocupação não é comércio ou profissão. Seguramente, se você a avaliar pela medida do comerciante, é o negocio mais pobre sobre a face da terra. Considerea como profissão: quem não preferiria qualquer outra, no que concerne a lucros monetários ou a honras terrestres? Mas se se trata de vocação divina, sendo você um operador de milagres, habitando no sobrenatural e trabalhando, não para o tempo mas para a eternidade, você pertence a outra associação mais nobre – a uma fraternidade mais elevada do que qualquer outra que proceda da terra e lide com o tempo. Olhe bem, e reconhecerá que é grande coisa ser pobre como seu Senhor, se, como Ele, você puder enriquecer a muitos; verá que é glorioso ser ignorado e desprezado como o foram os primeiros seguidores do seu Senhor, porque você está tornando conhecido Aquele que é a vida eterna. Você ficará satisfeito sendo qualquer coisa, ou nada, e o pensamento acerca de si próprio não entrará em sua mente, ou somente a cruzará para ser reconhecido como uma coisa mesquinha que o homem consagrado não deve tolerar. Este é o ponto. Avalie o seu trabalho como deve, e não temerei que o seu zelo diminua. Contemple-o à luz do dia do juízo e tendo em vista as eternas recompensas da fidelidade. Ah, irmãos, a presente alegria de ter conduzido uma alma à salvação é sobremodo agradável. Vocês a sentiram, creio, e a conhecem agora. Salvar uma alma de cair na perdição traz-nos um pouco do céu, mas, como há de ser no dia do juízo, encontrar os espíritos redimidos por Cristo, os quais ouviram dos nossos lábios as novas da sua redenção! Nosso olhar fita adiante um bem-aventurado céu em comunhão com o nosso Mestre e Senhor, mas também conheceremos a alegria adicional de encontrar aqueles amados que levamos a Jesus mediante o nosso Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 192 ministério. Suportemos todas as cruzes, e desprezemos toda a vergonha pela alegria que Jesus coloca diante de nós – a alegria de ganhar os nossos semelhantes para Ele. Mais um pensamento que pode ajudar-nos a manter o nosso zelo fervoroso: considerem o grande mal que por certo virá sobre nós e nossos ouvintes se formos negligentes em nosso labor. "Eles perecerão" – não é esta uma sentença terrível? Para mim é tão terrível como a que se lhe segue – "mas o seu sangue da tua mão o requererei." Como descreveremos o destino ruinoso do ministro infiel? E todo ministro destituído de zelo é infiel. Eu preferiria infinitamente ser entregue a Tofete como assassino de corpos humanos, a ser condenado como destruidor de almas humanas. Também não sei de nenhuma condição que leve o homem a perecer de modo tão fatal e infinito como a do homem que prega um evangelho em que não crê, e assume o ofício de pastor sobre um povo cujo bem não deseja intensamente. Oremos no sentido de que sejamos achados fiéis sempre e para sempre. Permita Deus que o Espírito Santo nos torne e nos mantenha assim fiéis. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 193 CEGO DE UM OLHO E SURDO DE UM OUVI DO Tendo dito muitas vezes nesta sala que o ministro deve ter um olho cego e um ouvido surdo, provoquei a curiosidade de vários irmãos, que pediram explicação porque lhes parece, como também a mim, que quanto mais vivos forem os nossos olhos e quanto mais finos forem os nossos ouvidos, melhor. Bem, cavalheiros, desde que o texto é um tanto misterioso, terão uma exegese dele. Parte do significado foi expresso em linguagem simples por Salomão no livro de Eclesiastes (7:21): "Não apliques o coração a todas as palavras que se dizem, para que não venhas a ouvir o teu servo a amaldiçoar-te." Outra versão diz: "Não dês o coração a todas as palavras ditas" Não as leves ao coração ou não lhes dê importância, não atentes para elas, nem procedas como se as tivesse ouvido. Você não pode deter a língua das pessoas; portanto, a melhor coisa é deter os seus ouvidos, e não ligar para o que digam. Há um mundo de falatório ocioso por aí, e aquele que lhe dá atenção tem bastante trabalho. Verá que mesmo aqueles que convivem com ele não estão sempre a cantar-lhe loas e que, ao causar desagrado aos seus criados mais fiéis, eles, num acaloramento momentâneo dos ânimos, dizem palavras cruéis que lhe seria melhor não escutar. Quem é que, sob irritação passageira, não diz coisas como essas de alguém, das quais se arrepende mais tarde? Faz parte da generosidade tratar as palavras ditas com exaltada paixão como se nunca tivessem sido pronunciadas. Quando uma pessoa está zangada, é sábio andar longe dela e evitar briga, em vez de se envolver nela. Se formos compelidos a ouvir linguajar precipitado, devemos esforçar-nos para apagá-lo da memória, dizendo com Davi: "Mas eu, como surdo, não ouvia, e como mudo, não abri a boca. Assim eu sou como homem que não ouve, e em cuja boca não há reprovação." Tácito descreve o sábio como dizendo a alguém que o criticou: "Você é senhor da sua língua, mas eu também sou senhor dos meus ouvidos" – você pode dizer o que lhe agradar, mas ouvirei só o que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 194 eu escolher. Não podemos fechar os ouvidos como fechamos os olhos, pois Não temos pálpebras de ouvidos, e, todavia, como lemos daquele que "cerra os seus ouvidos para não ouvir de sangue", sem dúvida é possível fechar os portais dos ouvidos de modo que nenhum contrabando entre. Diríamos dos mexericos comuns da aldeia e das inadvertidas palavras de amigos irritados – não as ouçam, ou, se tiverem que ouvi-las, não se impressionem com elas, pois vocês também falavam com frivolidade e com raiva em seus dias, e se poriam ainda em posição difícil, se fossem chamados para explicar cada palavra que tenham dito, mesmo do seu mais caro amigo. Assim Salomão argumentou ao concluir a passagem que citamos: "Porque o teu coração também já confessou muitas vezes que tu amaldiçoaste a outros." Alargando-me sobre o texto da minha preleção, permitam-me dizer primeiro – quando iniciarem o seu ministério, façam sua mente começar com uma folha em branco: sejam surdos e cegos para as velhas divergências que sobrevivam na igreja. Irmão, tão logo entre no seu pastorado talvez tenha acolhida por pessoas ansiosas por assegurar a sua adesão ao lado delas numa rixa de família ou numa controvérsia eclesiástica. Seja surdo e cego para essa gente, e dê-lhes a certeza de que o que passou, passou, e de que, como você não herdou o guarda-louça do seu antecessor, não pretende comer a sua comida fria. Se foi praticada alguma flagrante injustiça, seja diligente em corrigi-la, mas se for apenas uma contenda, mande o partido briguento parar com ela, e diga-lhe uma vez por todas que você não tem nada que ver com isso. A resposta de Gálio quase lhe serve: "Se houvesse, ó judeus, algum agravo ou crime enorme, com razão vos sofreria. Mas, se a questão é de palavras e de nomes, e da leí que entre vós há, vede-o vós mesmos: porque eu não quero ser juiz dessas coisas." Quando vim para a Capela da rua New Park como pastor eleito, sendo eu então um jovem procedente do campo, logo tive entrevista com um bom homem que tinha abandonado a igreja porque, disse ele, fora "tratado Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 195 vergonhosamente." Mencionou os nomes de meia dúzia de pessoas, todas elas proeminentes membros da igreja, que tinha agido de maneira muito anticristã para com ele – com ele, pobre sofredor inocente, modelo de paciência e santidade. Fiquei sabendo logo como era o seu caráter pelo que falou dos outros (modo de julgar que nunca me enganou), e me preparei mentalmente sobre como agir. Disse-lhe que a igreja estivera num triste estado de agitação e que o único modo de sair da confusão era cada um esquecer o passado e ter novo começo. Ele disse que o transcurso de anos não alteraria os fatos, e eu repliquei que alteraria a maneira como uma pessoa os encara, se nesse período tivesse ficado mais sábia e melhor. Contudo, acrescentei, todo o passado se fora com os meus predecessores, e ele teria que ir atrás deles nos seus novos campos de trabalho e resolver os problemas com eles, pois, nem usando tenazes eu tocaria na questão. Ele ficou um tanto acalorado, mas eu deixei que irradiasse o calor até esfriar-se de novo, e apertamos as mãos e nos despedimos. Era um bom homem, mas edificado sobre um princípio molesto, de sorte que, às vezes, atravessava o caminho de outros de modo grosseiro. Se eu tivesse penetrado a fundo a narrativa dele e tivesse examinado o caso, a luta não terminaria nunca. Estou absolutamente certo de que, para o meu sucesso pessoal e para a prosperidade da igreja, segui o curso mais sábio ao aplicar o meu olho cego a todas as contendas anteriores á minha chegada. É o cúmulo da imprudência um jovem recém-formado, ou recém-chegado de outro campo de trabalho, deixar-se envolver em intrigas por uma facção, e ser subornado por tratamento amável e por lisonja, para tornar-se partidário dessa facção, e assim arruinar-se com a metade do povo da sua igreja. Não queira nada com partidos e facções, mas, seja o pastor do rebanho todo, cuidando de todos por igual. Bem-aventurados os pacificadores, e um modo seguro de pacificar é isolar o fogo da contenda. Não o sopre, nem o agite, nem lhe ponha lenha, mas deixe que se apague sozinho. Comece o seu ministério, cego de um olho e surdo de um ouvido. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 196 Devo recomendar-lhes o uso da mesma faculdade, ou falta dela, com relação às finanças, na questão do seu salário. Há algumas ocasiões, principalmente quando se está formando uma nova igreja, em que talvez não haja um oficial capaz de dirigir esse departamento, e, portanto, você pode sentir-se chamado a fazê-lo. Neste caso, não deve ser censurado; deve até ser elogiado. Muita vez também a obra chegaria ao fim total se o pregador não agisse como seu próprio oficial, e encontrasse suprimentos temporais e espirituais por seus próprios esforços. Quanto a estes casos excepcionais nada tenho que dizer, senão que admiro o obreiro lutador e tenho profunda simpatia por ele, pois está sobrecarregado e sujeito a ter menos sucesso como soldado do Senhor porque está enredado nos negócios desta vida. Nas igrejas bem estabelecidas que oferecem sustento decente, o ministro fará bem em supervisionar todas as coisas, mas, não interferindo em nada. Se os oficiais não merecem fé, não deviam ser oficiais, mas se são dignos do seu ofício, são dignos da nossa confiança. Sei que ocorrem casos em que são lamentavelmente incompetentes e, apesar disso, devem ser mantidos. Num tal estado de coisas, o pastor deve manter aberto o olho que, doutro modo, deveria ficar fechado. Antes que a administração dos fundos da igreja se torne um escândalo, precisamos intervir resolutamente, mas, se não houver necessidade urgente da nossa interferência, será melhor acreditarmos na divisão do trabalho e deixar que os oficiais executem o seu serviço. Temos o mesmo direito dos outros oficiais de lidar com as questões financeiras, se nos agradar, mas, se outros o fizerem por nos, teremos sabedoria em deixá-los sós, quanto possível. Quando a carteira está vazia, a esposa está doente, e os filhos são numerosos, o pregador tem que falar, se a igreja não o provê adequadamente do necessário; mas, levar constantemente à igreja pedidos de aumento dos honorários não é sábio. Quando o ministro é remunerado pobremente, e acha que merece mais, e que a igreja poderia dar-lhe mais, deve falar primeiro com os oficiais, com delicadeza, coragem e firmeza. Se eles não derem a devida Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 197 atenção, ele o mencionará aos demais irmãos em termos práticos, como quem trata de um negocio; não como quem suplica uma caridade, mas procurando despertar o senso de honra deles com o fato de que "o trabalhador é digno do seu salário." Que diga diretamente o que pensa, pois não há de que se envergonhar. Haveria, porém, muito mais motivo para vergonha se ele se desonrasse, e à causa de Deus, enterrando-se em dividas. Fale ele, pois, tocando no ponto com espírito apropriado ás pessoas apropriadas, e ali encerre a questão, sem recorrer a queixas secretas. A fé em Deus concilia-se com os nossos interesses temporais, e nos capacita a praticarmos o que pregamos, a saber: "Não andeis pois inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?... De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas." Alguns que fingem viver pela fé têm empregado meios astutos para arrancar donativos, girando um saca-rolhas indireto, mas vocês, ou pedirão simplesmente, como homens, ou deixarão o caso entregue ao sentimento cristão dos membros de sua igreja, voltando para os itens e métodos financeiros da igreja um olho cego e um ouvido surdo. O olho cego e o ouvido surdo serão extremamente próprios para os mexericos locais. Toda igreja, e, nesse sentido, toda vila e toda família estão praguejadas de certas senhoras que bebem chá e despejam ácido sulfúrico pela conversação. Nunca se aquietam, mas cochicham por todo lado, para contrariedade dos que são consagrados e práticos. Ninguém precisa mover-se muito; basta observar-lhes as línguas. Nas reuniões de chá, nas reuniões de costura e em outros encontros, elas praticam a vivisseção no caráter dos seus vizinhos, e é claro que ficam ansiosas por provar o gume das suas facas no ministro, na esposa dele, nos seus filhos, no chapéu da mulher do ministro, no vestido da filha dele, e em quantas fitas novas ela usou nos últimos seis meses, e assim por diante, ad infinitum. Também há certas pessoas que nunca estão tão felizes como quando "se angustiam de coração" por terem que contar ao ministro que o Sr. A. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 198 é uma serpente no gramado, que erra muito em ter boa opinião sobre os Srs. B. e C., e que elas ouviram de muitas bocas que o Sr. D. e sua esposa estão em péssimas relações. Seguem-se depois fileiras de observações sobre a Sra. E., que diz que ela e a Sra. F, ouviram casualmente a Sra. G. dizer à Sra. H. que a Sra. I. devia dizer que o Sr. J. e a Srta. K. iam sair da capela e ouvir o Sr. L. – e tudo por causa do que disse o velho M. ao jovem N. a respeito daquela Srta. O. Jamais dê ouvidos a essa gente. Faça como Nelson fez quando colocou o seu olho cego no telescópio e declarou que não via o sinal e, portanto, continuaria a batalha. Os que quiserem murmurar, que murmurem, mas não os escute, a não ser que murmurem tanto acerca de uma pessoa que haja a ameaça de que a questão é séria. Neste caso, é bom fazê-los registrar tudo e falar-lhes com prudente austeridade. Afirme-lhes que você é obrigado a ter os fatos colocados de forma bem definida, que a sua memória não é das melhores, que você tem muitas coisas em que pensar, que você sempre receia cometer enganos nessas questões, e que, se tivessem a bondade de escrever o que tinham para dizer, você poderia ter uma visão mais completa do caso e dedicar mais tempo à sua consideração. A dona Maroca Difama não fará isso; opõe-se fortemente a fazer afirmações claras e definidas. Prefere falar ao acaso. Eu gostaria imensamente que, por algum processo, puséssemos fim aos mexericos, mas suponho que jamais se conseguirá isso, enquanto a raça humana for o que é, pois Tiago nos diz que "toda natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode domar a língua, é um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal." O que não se pode curar, temos que suportar, e a melhor maneira de suportá-lo é não lhe dar ouvidos. No alto de um dos nossos velhos castelos, um antigo proprietário inscreveu estas linhas: Eles falam. Falam o quê? Deixe que falem. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 199 Pessoas muito sensíveis deveriam aprender de cor esse lema. Não vale a pena dar atenção às prosas da aldeia, e você nunca deve interessarse por elas, exceto quanto a lamentar a malícia e dureza de coração de que elas muitas vezes são indicadoras. Em sua obra, Plain Preaching (Pregação Direta), Mayow diz com grande energía: "Se você visse uma mulher matar patos e gansos só para obter uma de suas penas, estaria vendo uma pessoa agir como nós quando falamos mal de alguém só pelo prazer que sentimos ao falar mal. Pois o prazer que sentimos não vale nem uma pena, e o pesar que causamos é maior do que o que sente um homem ao perder os bens que possui." Encaixe uma observação dessa natureza aqui e ali num sermão, quando não há no ar nenhum mexerico específico, e talvez seja de algum beneficio aos mais sensatos; quanto aos demais, não tenho esperança alguma. Sobretudo, nunca se junte ao mexeriqueiro, e rogue à sua esposa que se abstenha disso também. Alguns são tagarelas demais, e me fazem lembrar o moço que foi enviado a Sócrates para aprender oratória. Quando foi apresentado ao filósofo, ficou falando sem parar, e tanto que Sócrates lhe cobrou taxa dupla. "Por que me cobras o dobro?", perguntou o jovem. "Porque", disse o orador, "preciso ensinar-lhe duas ciências: uma, como segurar a língua; a outra, como falar." A primeira ciência é a mais difícil, mas procure alcançar proficiência nela, ou sofrerá muito, e criará problemas sem fim. Evite com toda a sua alma aquele espírito de suspeita que azeda a vida de algumas pessoas, e, para todas as coisas das quais você pode inferir algo intratável, volte um olho cego e um ouvido surdo. A suspeita faz do homem um tormento para si próprio e um espião dos demais. Uma vez que você comece a suspeitar, as causas da desconfiança se multiplicarão ao seu redor, e o seu próprio espírito de suspeita criará a maior parte delas. Muitos amigos foram transformados em inimigos por terem sido objeto de suspeita. Portanto, não fique olhando em volta com os olhos da desconfiança, nem se ponha à escuta como um abelhudo com Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 200 o apressado ouvido do medo. Ir pelo meio do rebanho cavoucando para arrancar deslealdade, como um caçador em busca de coelhos, é uma atividade sórdida, geralmente recompensada do modo mais triste. O lorde Bacon sabiamente aconselha: "O previdente deixa de investigar aquilo que detestaria descobrir." Quando não há nada para descobrir que nos ajude a amar o próximo, é melhor deixar de investigar, pois poderíamos trazer à luz algo que talvez desse início a anos de contenda. Não me refiro, é claro, aos casos que requerem disciplina, os quais precisam ser averiguados completamente e tratados com coragem, mas tenho em mente apenas as questões pessoais em que o principal sofredor é você mesmo. Aqui, é sempre melhor não saber, não querer saber, o que dizem de você, amigos e inimigos. Os que nos elogiam provavelmente estão tão enganados como os que nos ofendem, e aqueles podem ser considerados como contrapeso destes, se é que vale a pena levar em conta o julgamento feito pelos homens. Se temos a aprovação do nosso Deus, atestada pela consciência em paz, podemos permitir-nos ser indiferentes às opiniões dos nossos semelhantes, quer nos recomendem, quer nos condenem. Se não conseguimos atingir este ponto, somos bebês, e não homens. Alguns têm o desejo infantil de saber a opinião que seus amigos têm deles, e, se esta contêm o menor elemento de dissentimento ou censura, passam logo a considerá-los inimigos. Decerto não somos papas, e não queremos que os nossos ouvintes nos considerem infalíveis! Conhecemos homens que ficaram com raiva quando lhes fizeram uma observação perfeitamente válida e razoável, e que consideram um amigo sincero como um opositor que tem prazer em achar falha neles. Esta errônea representação de um lado, logo produziu cólera no outro, e o resultado foi briga. Quanto melhor é o espírito indulgente! Você deve ser capaz de agüentar críticas, ou não está apto para estar á frente de uma igreja. E deve deixar partir o crítico sem incluí-lo entre os seus inimigos mortais, ou provará que não passa de um fraco. É mais sábio mostrar dobrada bondade quando você foi severamente sacudido por alguém que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 201 achava que tinha o dever de fazer isso, pois ele provavelmente é uma pessoa sincera que vale a pena cativar. Aquele que nos primeiros dias do seu pastorado duvida que você sirva para ser pastor ali, poderá tornar-se o seu mais firme defensor, se notar que você cresce na graça e progride na qualificação para a obra. Portanto, não o considere inimigo por expressar sinceramente as suas dúvidas. Seu coração não confessa que os temores dele não eram completamente sem base? Volva o seu ouvido surdo para aquilo que você julga ser uma áspera crítica feita por ele, e trate de esforçar-se para pregar melhor. O gosto por mudanças, o melindre, os gostos avançados, e outras causas, podem levar as pessoas a ficarem inquietas sob o nosso ministério, e será bom para nós ignorar isso tudo. Percebendo o perigo, é preciso não revelar a nossa descoberta, mas, movimentar-nos para melhorar os nossos sermões, na esperança de que a boa gente seja mais bem alimentada e esqueça a sua insatisfação. Se forem pessoas realmente bondosas, o mal incipiente logo passará, e nenhum descontentamento verdadeiro surgirá – ou, se surgir, não há por que provocá-lo pela suspeita. Onde eu soube que havia alguma medida de desafeto para comigo, não tomei conhecimento, a não ser quando isso me foi imposto à força; mas, ao contrário, agi para com a pessoa antagônica com o máximo de cortesia, e de forma a mais amigável – e nunca mais ouvi falar da questão. Se eu tivesse tratado o bom homem como um opositor, ele teria feito o melhor que pudesse para interpretar o papel que lhe fora atribuído, e o executaria para seu próprio prestígio. Mas eu achei que ele era cristão e tinha direito de não me apreciar, se o julgava justo, e que, se agiu assim, eu não devia pensar mal dele. Portanto, tratei-o como a um amigo do meu Senhor, se não meu, incubi-o de fazer algum trabalho que implicava em confiança nele, coloquei-o à vontade, e aos poucos ganhei nele um amigo do peito e um companheiro no trabalho. As melhores pessoas às vezes perdem as estribeiras; nós ficaríamos contentes se os nossos amigos pudessem esquecer por completo o que Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 202 dissemos quando estávamos mal humorados e raivosos, e seria cristão agir para com os outros neste assunto como gostaríamos que eles agissem para conosco. Nunca faça um irmão lembrar que uma vez disse uma palavra pesada em referência a você. Se o vê com melhor disposição, não mencione a ocasião mais penosa de antes; se ele for um homem de espírito reto, no futuro não quererá irritar um pastor que o tratou tão generosamente, e se for apenas um tipo grosseiro, será uma lástima sequer argumentar com ele, e, portanto, será melhor deixar o passado ir à revelia. Seria melhor ser enganado cem vezes do que viver uma vida de suspeição. É intolerável. O avarento que passa a noite em claro e ouve um assaltante em cada folha que caí, não é mais infeliz do que o ministro que crê que andam armando conspirações contra ele, e que andam esparramando boatos para prejudicá-lo. Lembro-me de um irmão que acreditava que o estavam envenenando, e estava persuadido de que até o assento em que se sentava e as roupas que usava tinham ficado saturados de morte, graças a alguma química sutil; sua vida era um perpétuo sobressalto – e é desse jeito a existência – de um pastor quando desconfia de tudo e de todos que o cercam. E a suspeita não é apenas fonte de inquietação; é um mal moral, e prejudica o caráter do homem que a alberga. Nos reis a suspeita produz tirania, nos maridos ciúme, e nos ministros amargor; e esse amargor de alma dissolve todos os laços da relação pastoral, comendo como ácido corrosivo o âmago da própria alma do ofício e fazendo deste uma maldição em vez de uma bênção. Quando este mal terrível coalha o leite da bondade humana no coração de um homem, este fica mais apto para formar nas fileiras dos investigadores da polícia do que para o ministério. Como uma aranha, põe-se a lançar suas linhas, e forma uma teia de fios trêmulos, que o envolvem e o advertem do menor toque da mais diminuta mosca. Ali está ele sentado ao centro, massa de sensações, todos nervos e feridas em carne viva, sensível e sensibilizado, um mártir auto-imolado, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 203 arrastando ao redor de si achas de lenha inflamadas, e aparentemente ansioso para ser queimado. O mais fiel amigo não está seguro em tais condições, o maior cuidado em evitar causar ofensa não assegurará imunidade à desconfiança, mas provavelmente será transformado em astúcia e covardia. A sociedade corre quase tanto perigo com um homem desconfiado, como com um cachorro louco, pois morde por todos os lados sem razão, e espalha a torto e a direito a espuma de sua loucura. É inútil arrazoar com a vítima dessa loucura, pois, com perversa engenhosidade, desvia todos os argumentos, levando-os por caminhos errados, e faz do seu pedido de confiança outro motivo para suspeita. É triste que não possa ver a iniqüidade da censura sem base que faz a outros, especialmente àqueles que foram os seus melhores amigos e os mais firmes sustentáculos da causa de Cristo. "Eu não censuraria virtude assim julgada por sombras de dúvida. A indevida suspeita é abjeção mais vil que a culpa suspeitada." Ninguém deveria ser transformado em ofensor por causa de uma palavra. Mas, quando a suspeita impera, até o silêncio vira crime. Irmãos, evitem esse erro renunciando ao amor próprio. Julguem coisa de pequena importância o que os homens pensem ou digam de vocês, e cuidem somente do tratamento que dão ao Senhor. Se vocês forem sensíveis por natureza, não sejam indulgentes para com essa fraqueza, nem permitam que outros joguem com ela. Não seria grande degradação do seu ministério se vocês mantivessem por sua conta um exército de espiões para coligir informações sobre tudo que o povo da sua igreja diz de vocês? Contudo, quase chega a isso, permitir que certos intrometidos lhes tragam todos os mexericos do lugar. Mandem embora essas criaturas. Detestem esses elementos nocivos, que manipulam murmurações produzindo brigas. Quem traz, leva, e, sem dúvida, os mexeriqueiros saem da sua casa e divulgam cada observação saída dos seus lábios, com abundância de enfeites acrescentados por conta deles. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 204 Lembrem-se de que, assim como o receptador é tão mau como o ladrão, quem dá ouvidos ao escândalo participa da sua culpa. Se não existissem ouvidos que escutam, não existiriam línguas portadoras de boatos. Enquanto vocês forem compradores de mercadorias de má qualidade, a demanda produzirá o suprimento, e as fábricas de falsidade trabalharão com tempo integral. Ninguém quer ser criador de mentiras, e, todavia, quem ouve com prazer os maledicentes e prontamente acredita neles, chocará muita ninhada levando-a à vida ativa. Salomão diz: "o difamador separa os maiores amigos" (Pv. 16:28). Lançam-se insinuações, provocam-se invejas, até que "o resultado é a frieza recíproca, sem que se possa entender o porquê; cada um quer saber qual teria sido a possível causa. Assim, as ligações mais sólidas, longas, calorosas e confiantes, as fontes das mais doces alegrias da vida, rompem-se talvez para sempre", (diz o Dr. Wardlaw comentando Provérbios.) Esta é obra digna do chefe dos demônios, mas nunca poderia ser levada a cabo se os homens vivessem fora da atmosfera da suspeita. Sendo como é, o mundo está cheio de tristeza por essa causa, tristeza tão aguda quão supérflua a sua causa. Isto é deveras doloroso! Campbell observa eloqüentemente: "As ruínas de velhas amizades, para mim são um espetáculo mais melancólico do que as de velhos palácios. Mostram um coração outrora iluminado pela alegria, já amortecido e deserto, freqüentado por aquelas aves de mau agouro que fazem os seus ninhos nas ruínas." Ó suspeita, que desolações tens feito na terra! Aprendam a descrer dos que não confiam nos seus irmãos em Cristo. Desconfiem daqueles que querem levá-los a desconfiar dos outros. Uma resoluta descrença em todos os traficantes de escândalos fará muito para reprimir as suas energias malévolas. Em sua Cripplegate Lecture, diz Matthew Poole: "A fama comum perdeu sua reputação há muito tempo, e não sei de nada que tenha feito em nossos dias para recuperá-la; portanto, não deve merecer crédito. Quão poucos relatos de qualquer espécie há que, bem examinados, vemos que não são falsos! De minha parte, confesso que, se Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 205 de vinte relatos acredito num, faço uma concessão muito liberal. Desconfie particularmente das informações ruins, porque estas se espalham mais depressa, sendo agradáveis a muitas pessoas que supõem que a sua própria reputação nunca estará bem alicerçada como quando construída sobre as ruínas da reputação de outros homens." Porque as pessoas que gostariam de levá-los a desconfiar dos seus amigos formam um triste grupo, e porque a suspeita em si mesma é um vício vil e atormentador, decidam-se a voltar para todo esse negocio o seu olho cego e o seu ouvido surdo. Preciso dizer uma ou duas palavras sobre a sabedoria de nunca ouvir o que não lhes foi destinado. O xereta é um individuo medíocre, pouco melhor, se tanto, do que o informante comum; e se pode pensar que aquele que ouviu algo por acaso, ouviu o caso mais do que devia. Jeremias Taylor observa com sabedoria e justiça: "Nunca fique escutando atrás da porta ou da janela, pois, além do perigo e da armadilha que há nisso, é também uma invasão da vida particular do meu próximo, e uma abertura forçada daquilo que ele fecha para que não se abra." É pertinente o provérbio que diz que os que vivem à escuta raramente ouvem falar bem deles, ouvir assim é uma espécie de furto, mas os bens roubados nunca dão vero prazer ao gatuno. A informação obtida por meios clandestinos, em todos os casos menos nas situações extremas, fará mais dano que benefício a uma causa. O magistrado pode julgá-lo um recurso expedito obter provas por tais meios, mas não posso imaginar um caso em que o ministro deva proceder assim. A nossa missão é de graça e paz. Não somos promotores em busca de provas condenatórias, mas amigos cujo amor pode cobrir multidão de ofensas, os olhos curiosos de Cão, pai de Canaã, nunca se metam em nosso trabalho. Preferimos a piedosa delicadeza de Sem e Jafé, que andaram de costas e cobriram a vergonha que o filho do mal publicara com regozijo. Como regra geral, volte igualmente o olho cego e o ouvido surdo para as opiniões e observações a seu respeito. Os homens públicos têm que esperar crítica pública, e, como não se pode considerar infalível o Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 206 público, os homens públicos podem esperar que os critiquem de modo nem nobre, nem agradável. Somos obrigados a dar atenção em alguma medida às observações sinceras e justas, mas, para o cruel veredito do preconceito, para as críticas frívolas feitas por homens subservientes à moda, para as tolas afirmações dos ignorantes e para a feroz denúncia feita pelos adversários, podemos sem risco voltar o ouvido surdo. Não podemos esperar que nos aprovem aqueles que nós condenamos mediante o nosso testemunho contra os seus pecados favoritos. Se nos recomendassem isto mostraria que erramos o nosso alvo. Naturalmente, esperamos ser aprovados por nosso povo, pelos membros das nossas igrejas e pelos interessados no evangelho que freqüentam a igreja. Quando eles fazem observações reveladoras de que não são grandes admiradores nossos, somos tentados a desanimar-nos, senão a irritar-nos. Aí jaz uma armadilha. Quando eu estava prestes a deixar meu cargo no interior para servir em Londres, um dos idosos varões orou no sentido de que eu ficasse "livre do balido das ovelhas". Durante a minha vida não pude imaginar o sentido dessa expressão, mas agora o enigma está claro, e aprendi a fazer eu mesmo aquela oração. Demasiada consideração dada ao que o nosso povo diz, em louvor ou depreciação, não nos faz bem. Se habitamos nas alturas com "o grande Pastor das ovelhas", ligaremos pouco para todos os balidos confusos ao redor de nós, mas se somos "carnais" e andamos "segundo o homem", teremos pouco sossego se dermos ouvidos a isto, àquilo e a tudo mais que cada pobre ovelha possa lançar-nos balindo em volta de nós. Talvez seja verdade que você estava incomumente cansativo domingo passado de manhã, mas não havia necessidade alguma de que a Sra. Sirena fosse contar-lhe que o diácono Jones pensava assim. É mais que provável que, tendo percorrido a zona rural durante toda a semana anterior, a sua pregação tenha sido um pouco água com açúcar, mas você não precisa girar daqui e dali entre as pessoas para verificar se elas notaram isso ou não. Já não basta que a sua consciência fique intranqüila sobre esse ponto? Esforce-se para melhorar no futuro, mas não queira Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 207 ouvir tudo o que cada João, José e Maria tenha para dizer sobre isso. Por outro lado, você cavalgou brioso corcel em seu último sermão, e o concluiu com floreados de trombetas. Sente-se agora consideravelmente ansioso para saber que impressão causou. Reprima a sua curiosidade. Não lhe fará bem inquirir. Se acontecer que os ouvintes concordam com o seu próprio veredito, servirá somente para alimentar a sua lamentável vaidade, e se pensarem diferente, a sua pesca de elogios o prejudicará no conceito deles a seu respeito. Em qualquer caso, tudo girará em torno de você, e este é um pobre tema para se ficar ansioso por causa dele. Banque homem, e não se rebaixe procurando cumprimentos como crianças com roupa nova, que dizem: "Veja só que bonito o meu vestido novo!" Você não descobriu ainda que a adulação é tão prejudicial como agradável? Afrouxa a mente e o torna mais sensível à calúnia. Na proporção em que o elogio o agrada, a censura o faz sofrer. Além disso, é crime afastar-se do seu grande objetivo de glorificar o Senhor Jesus por mesquinhas considerações quanto ao seu pequeno ser, e, se não houvesse outra razão, isto deveria pesar muito para você. O orgulho é um pecado mortal, e crescerá sem que tome emprestado o carro de irrigação da paróquia para cultivá-lo. Esqueça as expressões que fomentem a sua vaidade. Se você se surpreender saboreando manjares malsãos, confesse o pecado com profunda humildade. Payson mostrou que era poderoso no Senhor quando escreveu à mãe: "Minha querida mãe, certamente a senhora não deve dizer uma palavra que sequer pareça uma insinuação de que pensa que estou progredindo na graça. Não posso tolerar isso. Todos daqui, amigos e inimigos, conspiram para arruinar-me. Satanás e o meu próprio coração não deixam de dar sua ajuda. Se a senhora se juntar a eles, temo que toda a água fria que Cristo possa atirar sobre o meu orgulho não impedirá que este irrompa em chamas destruidoras. Na medida em que me adulem e me agradem, meu Pai celestial tem que me apoiar; e por uma indescritível misericórdia é que condescende em fazê-lo. Posso reunir cem razões por que não devo ser orgulhoso, mas o orgulho não atende à razão, nem a nada mais, exceto a Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 208 uma boa sova. Mesmo neste momento sinto-o formigar na ponta dos meus dedos, procurando guiar a minha caneta." Conhecendo por experiência própria aquelas surras secretas que o nosso bondoso Pai aplica a Seus servos quando os vê indevidamente exaltados, cordialmente acrescento as minhas advertências solenes contra os afagos à carnalidade, afagos que consistem em dar ouvidos aos elogios dos seus mui gentis amigos. São insensatos, e você precisa ter cuidado com eles. Um amigo sensato que não lhe poupe crítica semana após semana, ser-lhe-á bênção maior do que mil admiradores sem discernimento, se você tiver suficiente bom senso para agüentar aquele tratamento, e suficiente graça para ser-lhe agradecido. Quando eu pregava nos Jardins de Surrey (Surrey Gardens), um censor anônimo dotado de grande habilidade costumava mandar-me uma lista semanal de meus erros de pronúncia e outros deslizes na elocução. Nunca apôs o seu nome às listas, o que foi o único motivo de queixa que tive contra ele, pois me deixava com uma dívida pela qual eu não podia mostrar o meu reconhecimento. Aproveito esta oportunidade para confessar as obrigações que lhe devo, pois, com humor genial, e com evidente desejo de me beneficiar, anotava implacavelmente tudo que supunha que eu dissera de modo incorreto. Quanto a algumas dessas correções, ele estava errado, mas na maior parte estava certo, e suas observações me capacitaram a perceber e evitar muitos erros. Eu buscava o seu memorando com muito interesse, e tinha o cuidado de melhorar quanto às observações que vinham. Se eu tivesse repetido uma sentença dita dois ou três domingos antes, ele dizia: "Ver a mesma expressão em tal sermão", mencionando número e página. Certa ocasião anotou que eu repetia vezes demais o verso: "Nada trago em minhas mãos", e, acrescentou, "estamos suficientemente informados da vacuidade das suas mãos." Exigia-me que mostrasse com que autoridade chamava um homem de "ambicioso" e assim por diante. É possível que alguns jovens ficassem desanimados, senão zangados, Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 209 com tão severas críticas, mas seriam muito tolos reagindo assim, pois, ofendendo-se com essa correção estariam jogando fora um valioso auxilio ao progresso. Nenhum dinheiro pode comprar um julgamento sincero e franco, e quando o podemos ter por nada, vamos utilizá-lo em sua máxima extensão. O pior é que dos que oferecem os seus julgamentos, poucos estão qualificados para formá-los, e seremos importunados por observações tolas e impertinentes, a menos que lhes voltemos o olho cego e o ouvido surdo. No caso das informações falsas a seus respeito, na maior parte use o ouvido surdo. Infelizmente os mentirosos ainda não são espécimes extintos, e, como Richard Baxter e John Bunyan, você poderá ser acusado de crimes que a sua alma aborrece. Não vacile por isso, pois essa provação sobreveio aos melhores homens, e mesmo o seu Senhor Não escapou à venenosa língua da falsidade. Em quase todos os casos o caminho mais sábio a seguir é deixar que essas coisas morram de morte natural. Uma grande mentira, se despercebida, é como um grande peixe fora d'água – pula, enterra-se e se esbate, e morre em pouco tempo. Responder-lhe é supri-la do seu próprio elemento e ajudá-la a ter vida mais longa. As falsidades geralmente levam consigo a sua própria refutação e se atormentam a si mesmas até morrer. Algumas mentiras, em especial, têm um cheiro peculiar, que revela a sua podridão a todo nariz honesto. Se você fica perturbado com elas, o objetivo da sua invenção é parcialmente atendido, mas se você agüentar em silêncio, isto desapontará a malicia e dará a você uma vitória parcial, e Deus, que o tem sob Seus cuidados, a transformará numa libertação completa. Sua vida inculpável será sua melhor defesa, e aqueles que a têm observado não permitirão que você seja condenado tão depressa como os seus caluniadores esperam. Somente se abstenha de disputar as suas lutas pessoais e, em nove de dez casos, os seus acusadores não lucrarão nada com a maledicência deles, a não ser desgosto próprio e desprezo alheio. Processar o caluniador raramente é sábio. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 210 Lembro-me de um amado servo de Cristo que em sua juventude era muito sensível e, sendo acusado falsamente, processou a pessoa. Houve pedido de desculpa em que se retiraram todos os itens da acusação de forma a mais ampla, mas o bom homem insistiu em que a escusa fosse publicada nos jornais, e o resultado o convenceu da sua insensatez. Multidões que de outro modo nunca teriam ficado sabendo da difamação perguntavam de que se tratava e faziam comentários, concluindo em geral com a atilada observação de que ele só tinha que ter feito alguma coisa imprudente para provocar tal acusação. Dizem que lhe ouviram dizer que nunca mais voltaria a recorrer a esse método, pois viu que a escusa pública lhe causou mais mal do que a própria calúnia. Ocupando como ocupamos uma posição que faz de nós excelentes alvos para o diabo e seus aliados, o melhor curso a seguir é defender a nossa inocência com o nosso silêncio e deixar com Deus a nossa reputação. Todavia, há exceções a esta regra geral. Quando se fazem acusações públicas, definidas e marcantes a um homem, é sua obrigação dar-lhes resposta, e da maneira mais clara e mais franca. Declinar a toda investigação num caso desses é praticamente declarar-se culpado, e seja qual for o modo de colocar a coisa, o grande público normalmente considera uma recusa a responder como prova de culpa. Quando se trata de simples importunação e contrariedade, a melhor coisa é a passividade total, mas quando a questão assume proporções mais serias, e o nosso acusador nos desafia a defender-nos, somos obrigados a enfrentar as suas acusações com honesta exposição dos fatos. Em cada caso deve-se procurar o conselho do Senhor quanto à maneira de lidar com as línguas difamadoras e no desfecho a inocência será vindicada e a falsidade será levada à convicção da sua culpa. Alguns ministros foram quebrantados em seu espírito, expulsos de sua posição, e até prejudicados em seu caráter por terem dado atenção a algum escândalo provinciano. Conheço um fino jovem, para quem eu previra uma carreira benéfica, que caiu em grande dificuldade porque ele de início admitiu Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 211 que era uma dificuldade, e depois teve que dar duro para fazer com que assim fosse. Procurou-me queixando-se de que tinha recebido uma grande ofensa; e era, mas tudo se resumia a algo que meia-dúzia de mulheres diziam do seu comportamento depois da morte da sua esposa, originalmente era uma coisa pequena demais para merecer atenção – uma Sra. Q, tinha dito que não se espantaria se o ministro se casasse com a empregada que morava na casa dele; outra a representou como tendo dito que ele devia desposá-la, e uma terceira, com maliciosa habilidade, encontrou nas palavras um sentido mais profundo, e as elaborou transformando-as numa acusação, o pior de tudo foi que o caro e sensível pregador teve que pôr a boca no mundo e acusar uma ou duas vintenas de pessoas de espalharem calúnias contra ele, chegando a ameaçar algumas delas com demandas judiciais. Se tivesse orado sobre aquilo em secreto, ou se tivesse feito ouvidos moucos, nenhum prejuízo teria resultado daquele palavrório. Mas esse caro irmão não era capaz de tratar uma calúnia com sabedoria, pois não possuía o que com empenho recomendo, isto é, um olho cego e um ouvido surdo. Ainda, meus irmãos, o olho cego e o ouvido surdo ser-lhes-á útil com relação a outras igrejas e seus pastores. Delicia-me sempre que um pastor queima os dedos ao meter-se nas atividades de outras pessoas. Por que não atende a seus próprios interesses, deixando de bancar bispo na diocese de outro? Muitas vezes membros de outras igrejas me pedem que me intrometa em suas contendas; mas, a menos que me procurem com a devida autorização, nomeando-me oficialmente árbitro, recuso-me. Alexander Cruden deu-se a si próprio o nome de "o Corregedor", e nunca lhe invejei o título. Uma inspiração peculiar seria necessária para capacitar um homem a resolver todas as controvérsias; contudo os menos qualificados são os mais ávidos para tentar fazê-lo. Na maior parte, a interferência é um fracasso, por mais bem intencionada que seja. As dissensões internas em nossas igrejas são muito semelhantes às brigas de marido e mulher; quando o caso chega a um ponto em que eles têm que ir a vias de fato, quem interferir será vítima da fúria comum dos dois. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 212 Ninguém senão o Sr. Ingênuo Verde interferirá numa batalha doméstica, pois é claro que o marido não vai gostar disso, e a mulher, ainda que sofrendo por causa de muitos golpes recebidos, dirá: "Deixe em paz o meu marido; ele tem direito de me bater, se quiser." Por maior que seja a animosidade dos cônjuges briguentos, parece que fica esquecida no ressentimento contra os intrusos. Assim, entre os muito independentes membros da denominação batista, a pessoa de fora da igreja que interfira de algum modo, pode estar certa de que receberá o pior. Irmão, não se considere bispo de todas as igrejas da vizinhança, mas contente-se em olhar por Listra, Derbe, Tessalônica, ou qualquer que seja a igreja confiada aos seus cuidados, e deixe Filipos e Éfeso nas mãos do seus próprios pastores. Não anime as pessoas desleais que acham defeitos nos seus pastores, ou que lhe trazem notícias dos males que ocorrem noutras igrejas. Quando se encontrar com colegas de ministério, não se apresse a dar-lhes conselhos. Eles sabem qual é o dever deles tanto como você, e o seu juízo do programa de trabalho deles provavelmente se fundamenta em informação parcial fornecida por fontes maculadas pelo preconceito. Não ofenda o seu próximo com alguma intromissão. Temos bastante que fazer em casa, e é prudente ficar fora de todas as contendas que não nos pertencem. Um dos provérbios do mundo recomenda-nos que lavemos a nossa roupa suja em casa, e eu lhe acrescentarei uma linha, advertindo a que não chamemos os nossos vizinhos enquanto a roupa deles está ensaboada. Devemos isto aos nossos amigos, e será melhor para promover a paz. "Quem se mete em questão alheia é como aquele que toma pelas orelhas um cão que passa" – está sujeito a ser mordido, e poucos terão pena dele. Bridges sabiamente observa que "o nosso bendito Senhor transmitiu-nos uma lição de piedosa sabedoria. Ele sanava as contendas ocorridas em sua família, mas, quando chamado a interferir numa briga que não Lhe pertencia, respondeu "Quem me fez juiz ou partidor entre vós?" Os juízes que se constituem tais, ganham pouco respeito; se fossem mais aptos para censurar estariam menos Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 213 inclinados a fazê-lo. Muita diferença insignificante numa igreja tem sido soprada até virar um fogaréu por ministros de fora que não tinham idéia do mal que estavam causando; deram os seus veredictos baseados em declarações ex parte (de um lado), instigando assim adversários que se sentiam seguros quando podiam dizer que os pastores das igrejas próximas concordavam inteiramente com eles. Meu conselho é que nos juntemos aos "João-Não-Sei-Nada", e que nunca digamos uma palavra sobre uma questão qualquer enquanto não ouvirmos ambos os lados; e, além disso, que façamos tudo para evitar um lado e outro, se a questão não for da nossa conta. Não basta isto para explicar a minha declaração de que tenho um olho cego e um ouvido surdo, e de que são eles o melhor olho e o melhor ouvido que tenho? Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 214 CONVERSÃO COMO O NOSSO OBJETIVO O fim principal do ministério cristão é a glória de Deus. Quer se convertam as almas, quer não, se Jesus Cristo é fielmente pregado o ministro não trabalha em vão, pois é o bom cheiro para Deus, nos que se perdem e nos que se salvam. Contudo, em regra, Deus nos enviou para pregar a fim de que, mediante o evangelho, os filhos dos homens se reconciliem com Ele. Aqui e ali pode acontecer que um pregador da justiça, como Noé, trabalhe sem conseguir levar ninguém para dentro da arca da salvação, salvo as pessoas que pertençam ao círculo da sua família; e que outro, como Jeremias, chore em vão por uma nação impenitente; mas, na maior parte, a obra de pregação visa a salvar os ouvintes. Compete-nos semear mesmo em lugares pedregosos, onde nenhum fruto recompense o nosso labor; mas devemos sempre ter em vista uma colheita e lamentar se ela não aparecer no tempo devido. Sendo a glória de Deus o nosso objetivo principal, nós o alcançaremos procurando a edificação dos santos e a conversão dos pecadores, É nobre tarefa instruir o povo de Deus e edificá-lo em sua mui santa fé; de modo nenhum podemos negligenciar este dever. Com este fim, precisamos fazer claras exposições da doutrina do evangelho, de experiências vitais, e dos deveres cristãos, jamais deixando de declarar todo o conselho de Deus. Em muitos casos se mantêm em recesso sublimes verdades com o pretexto de que não são práticas, quando o simples fato de que foram reveladas prova que o Senhor as considera valiosas, e ai de nós se pretendemos ser mais sábios que Ele! Podemos dizer de toda e qualquer doutrina da Escritura: "É sábio dar-lhe uma língua o homem." Se se perder uma nota da harmonia divina da verdade, a música ficará tristemente desfigurada. O povo da sua igreja poderá enfermar Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 215 com graves moléstias espirituais pela falta de alguma modalidade de nutrição espiritual, falta que só pode ser suprida pelas doutrinas que você omitiu. No alimento que comemos há ingredientes que de início não parecem necessários à vida, mas a experiência mostra que são indispensáveis para a saúde e para as energias. O fósforo não cria carne, mas faz falta aos ossos. A mesma descrição cabe a muitas substâncias e condimentos na devida proporção, a economia humana necessita deles. Exatamente assim, certas verdades que parecem pouco adequadas à nutrição espiritual, são, todavia, muito benéficas, suprindo os crentes de espinha dorsal e de musculatura, e reparando os órgãos avariados da constituição humana do cristão. Temos que pregar "toda a verdade" para que o homem de Deus esteja perfeitamente habilitado para todas as boas obras. Contudo, o nosso grande objetivo de glorificar a Deus deve ser atingido principalmente pela conquista de almas. Precisamos ver almas nascidas para Deus. Se não as virmos, o nosso clamor será o de Raquel : "Dá-me filhos, ou se não morro." Se não ganharmos almas para Cristo, lamentaremos como o chefe da família que não vê colheita, como o pescador que volta para a sua cabana com a rede vazia, ou como o caçador que andou em vão por vales e montes. O nosso falar seria o de Isaías, com muitos suspiros e gemidos: "Quem deu crédito à nossa pregação? e a quem se manifestou o braço do Senhor?" Os embaixadores da paz não devem parar de chorar amargamente, enquanto os pecadores não chorarem por seus pecados. Se temos intenso desejo de ver os nossos ouvintes crerem no Senhor Jesus, como agir para sermos usados por Deus para a produção desse resultado? Este é o tema da presente preleção. Desde que a conversão é obra divina, precisamos ter o cuidado de depender inteiramente do Espírito de Deus e de buscar dEle poder sobre a mente dos homens. Como esta observação é repetida com freqüência, temo que bem poucos sintam a sua força, pois, se fôssemos mais verdadeiramente sensíveis à nossa necessidade do Espírito de Deus, não Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 216 estudaríamos com maior dependência do Seu ensino? Não oraríamos importunando-O mais para receber dEle a Sua santa unção? Em nossa pregação, não daríamos mais ampla liberdade para a Sua operação? Não fracassamos em muitos dos nossos esforços porque praticamente, conquanto não doutrinariamente, ignoramos o Espírito Santo? Seu lugar como Deus é o trono, e em todos os nossos empreendimentos Ele deve ocupar o principio, o meio e o fim; somos instrumentos nas Suas mãos, e nada mais. Admitido isso plenamente, que mais se deve fazer para que se vejam conversões? Por certo devemos ter o cuidado de pregar com maior proeminência as verdades que têm mais probabilidade de levar àquele fim. Que verdades são essas? Respondo que primeiro e acima de tudo devemos pregar a Cristo, e Este crucificado. Onde Jesus é exaltado, almas são atraídas. "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim." A pregação da cruz é para os que se salvam sabedoria de Deus e poder de Deus. O ministro cristão deve pregar todas as verdades que se agrupam em torno da pessoa e obra do Senhor Jesus, e, a partir daí, deve pôr às claras com muito ardor e de modo bem definido o mal do pecado, de que resulta a necessidade de um Salvador. Que trate de mostrar que o pecado é quebra da leí, que precisa ser castigado, e que a ira de Deus se manifesta contra ele. Que nunca trate o pecado como se fosse coisa de somenos importância, ou um contratempo, mas que o exponha como extremamente ofensivo a Deus. Que desça aos pontos particulares, não se restringindo a um superficial relancear de olhos a grosso modo, mas mencionando pormenorizadamente vários pecados, mormente os mais comuns na ocasião, como a devoradora e insaciável hidra do alcoolismo, que devasta a nossa terra; a mentira que, na forma de difamação, é farta por todo lado; e a licenciosidade, que deve ser mencionada com santa delicadeza e, contudo, precisa ser denunciada implacavelmente. Devemos reprovar especialmente aqueles males em que os nossos ouvintes caíram, ou estão prestes a cair. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 217 Explique os Dez Mandamentos e obedeça à injunção divina: "declara a meu povo as suas transgressões, e à casa de Jacó os seus pecados." Desvende a espiritualidade da leí, como fez o nosso Senhor, e mostre como ela é transgredida por pensamentos, intenções e imaginações. Deste modo, muitos pecadores serão aguilhoados no coração. O velho Robbie Flochart costumava dizer: "De nada valerá querer costurar com o fio de seda do evangelho, se não perfurarmos um orifício para ele com a aguda agulha da leí." A leí vai primeiro, como a agulha, e puxa o fio do evangelho após si; portanto, pregue sobre o pecado, a justiça e o juízo por vir. Explique freqüentemente linguagens como a do Salmo 51; mostre que Deus requer a verdade no íntimo, e que a purificação com sangue sacrificial é absolutamente necessária. Vise o coração. Sonde a ferida e toque as veras da alma. Não evite os temas severos, pois primeiro os homens precisam ser feridos para depois poderem ser curados, e mortos antes de poderem receber vida. Ninguém se vestirá com o manto da justiça enquanto não se despir das folhas de figueira, nem se lavará na fonte da misericórdia enquanto não perceber a sua imundície. Portanto, meus irmãos, é preciso que não cessemos de declarar a leí, suas exigências, suas ameaças, e as múltiplas transgressões que o pecador comete contra a leí. Ensinem a doutrina da depravação total da natureza humana. Mostrem aos homens que o pecado não é um acidente, mas o genuíno produto dos seus corações corruptos. Preguem a doutrina da depravação natural do homem. É doutrina que está fora de moda, pois hoje em dia podem-se achar ministros ótimos para falar sobre "a dignidade da natureza humana." O "lapso estado do homem" – esta é a frase – recebe alusão às vezes, mas a corrupção da nossa natureza e temas afins são cuidadosamente evitados. Os etíopes são informados de que podem embranquecer a sua pele, e se espera que os leopardos removerão as suas manchas. Irmãos, não caiam nessa ilusão ou, se caírem, podem esperar Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 218 poucas conversões. Vaticinar coisas brandas e atenuar o mal do nosso estado de perdidos não é o modo de levar homens a Jesus. Irmãos, a necessidade das operações do divino Espírito Santo segue-se naturalmente ao ensinamento anterior, pois, necessidade terrível requer interposição divina. É preciso dizer aos homens que eles estão mortos, e que somente o Espírito Santo pode vivificá-los; que o Espírito trabalha de acordo com o Seu bom prazer, e que homem nenhum pode reivindicar as Suas visitações ou merecer o Seu auxilio. Pensa-se que este ensino é muito desanimador, e assim é, mas os homens precisam ser desencorajados quando estão procurando a salvação de maneira errônea. Livrá-los da presunção de que têm capacidades próprias é um grande auxilio com vistas a levá-los a olhar para fora de si, para outro – precisamente para o Senhor Jesus. A doutrina da eleição e outras grandes verdades que declaram que a salvação decorre totalmente da graça, sendo, não direito da criatura, mas dádiva do Soberano Senhor, visam todas a expulsar do homem o orgulho e, assim, a prepará-lo para receber a misericórdia de Deus. Também devemos apresentar aos nossos ouvintes a justiça de Deus e a certeza de que toda transgressão será punida. "Ponha diante deles com ornato terrível a pompa daquele tão tremendo dia em que Jesus Cristo com as nuvens virá." Façam ressoar nos ouvidos deles a doutrina da segunda vinda de Cristo, não como curiosidade despertada pela profecia, mas como um fato solene e prático. É ocioso apresentar o nosso Senhor em termos de uma ruidosa valentia de um reino terrestre, à moda dos irmãos que crêem num judaísmo restaurado. Precisamos pregar o Senhor como Aquele que vem para julgar o mundo com justiça, para convocar as nações à barra do Seu tribunal, e para separá-las como o pastor aparta as ovelhas dos cabritos. Paulo pregou sobre a justiça, a temperança e o juízo vindouro, e fez tremer a Félix; estes temas continuam sendo igualmente poderosos. Furtaremos do evangelho o seu poder se deixarmos de lado as suas Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 219 ameaças de castigo. É de temer que as opiniões modernas sobre a aniquilação e a restauração que têm afligido a igreja nestes últimos tempos levaram muitos ministros a serem indolentes quanto a falar a respeito do juízo e seus resultados, e, conseqüentemente, os terrores do Senhor têm exercido pequena influência sobre pregadores e ouvintes. Se for assim, por mais pesar que sintamos não será suficiente, pois deste modo é posto de lado o uso de um dos principais meios de conversão. Diletos irmãos, acima de tudo temos que ser claros sobre a grande doutrina da salvação das almas – a doutrina da expiação. Precisamos pregar um real sacrifício substitutivo de bona fide (boa fé), e proclamar o perdão como seu resultado. Idéias obscuras sobre o sangue expiatório são em extremo perniciosas. As almas são retidas numa escravidão desnecessária e se privam os santos da serena confiança da fé porque não se lhes diz definidamente que "Aquele que não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus." Temos que pregar a doutrina da substituição honesta e inequivocamente, pois, se há uma doutrina ensinada com clareza na Escritura é esta – "O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos.sarados." "Ele próprio, Sua pessoa, levou os nossos pecados no madeira." Esta verdade dá repouso à consciência mostrando como Deus pode ser justo e o justificador daquele que crê. Esta é a principal rede do pescador de homens do evangelho. Os peixes são arrastados ou levados na direção certa por outras verdades, mas esta é a própria rede. Se os homens hão de ser salvos, temos que pregar nos mais claros termos a justificação pela fé como método pelo qual a expiação se torna efetiva na experiência da alma. Se somos salvos pela obra substitutiva de Cristo, não se requer de nós mérito nenhum, e tudo que os homens têm que fazer é aceitar com fé singela o que Cristo já fez. É agradável descansar na grande verdade de que "este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus" Oh visão gloriosa! – Cristo assentado no lugar de honra porque Sua obra Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 220 foi realizada. A alma pode muito bem repousar numa obra tão evidentemente completa. A justificação pela fé jamais deve ser obscurecida e, todavia, nem todos são claros sobre ela. Uma vez ouvi um sermão sobre "Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria", cuja transposição para o vernáculo foi: "Seja bom, muito bom, e, embora tenha que sofrer em conseqüência disso, Deus o recompensará no final." O pregador, sem dúvida, cria na justificação pela fé, mas, com toda a nitidez pregou a doutrina oposta. Muitos fazem isso quando se dirigem a crianças, e noto que geralmente falam aos pequeninos sobre amar a Jesus, e não sobre crer nEle. Isto só pode imprimir uma idéia prejudicial na mente dos jovens e afastá-los do verdadeiro caminho da paz. Preguem fervorosamente o amor de Deus em Cristo Jesus, e engrandeçam a abundante misericórdia do Senhor; preguem-no, porém, sempre em conexão com a Sua justiça. Não enalteçam isoladamente o atributo do amor segundo o método geralmente seguido, mas considerem o amor no elevado sentido teológico em que, como um círculo de ouro, mantêm no seu interior todos os atributos divinos, pois Deus não seria amor se não fosse justo, e se não odiasse tudo o que não é santo. Nunca exaltem um atributo às expensas de outro. Façam com que a misericórdia infinita se veja em calma coerência com a austera justiça e a soberania ilimitada. O verdadeiro caráter de Deus presta-se para intimidar, impressionar e humilhar o pecador; tomem cuidado para não falsificar o seu Senhor. Todas estas e outras verdades que completam o sistema evangélico têm em conta levar os homens à fé. Portanto, façam delas a matériaprima do seu ensino. Em segundo lugar, se anelamos intensamente que almas sejam salvas, devemos não somente pregar as doutrinas que mais provavelmente levam a esse fim, mas precisamos empregar modos de manejar aquelas verdades, modos que tenham probabilidade de conduzir àquele fim. Perguntam quais serão? Primeiro, devem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 221 empenhar-se muito no emprego da instrução. Os pecadores não são salvos nas trevas, mas das trevas; "não é bom que a alma fique sem conhecimento." É preciso ensinar os homens sobre si próprios, seu pecado, sua queda; sobre o seu Salvador, a redenção, a regeneração etc. Muitas almas despertas aceitariam alegremente o plano divino de salvação se tão somente o conhecessem; lembram aqueles de quem o apóstolo disse: "Agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância." Se vocês as instruírem, Deus as salvará. Não está escrito: "A exposição das tuas palavras dá luz"? Se o Espírito Santo abençoar o seu ensino, elas verão como estavam erradas e serão levadas ao arrependimento e à fé. Não acredito na pregação que consiste principalmente em gritar: "Crede! Crede! Crede!" Por uma questão de justiça comum, vocês têm a obrigação de dizer à pobre gente aquilo em que deve crer. É necessário haver instrução, ou, do contrário, a exortação a crer será ridícula e, na prática, frustrará a frutificação. Receio que alguns irmãos ortodoxos ficaram com preconceito contra os vivos apelos do evangelho por terem ouvido as imaturas e indigestas arengas de oradores avivalistas de cabeças mal ajustadas. A melhor maneira de levar os pecadores a Cristo é anunciar Cristo aos pecadores. Exortações, rogos, súplicas, não acompanhadas de instrução sadia, são como tiros de pólvora seca. Podem gritar, chorar e apelar, mas não conseguirão levar os homens a crerem naquilo de que não ouviram, nem a receberem a verdade que nunca lhes apresentaram. "E, quanto mais sábio foi o pregador, tanto mais sabedoria ao povo ensinou." Ao darmos instruções é sábio apelar para o entendimento. A verdadeira religião é tão lógica que, por assim dizer, não é emocional. Não sou admirador das idéias singulares do Sr. Finney mas não tenho dúvida de que ele beneficiou a muitos, e seu poder jazia no emprego de argumentos claros. Muitos que sabiam da fama dele ficavam decepcionados, a principio, ao ouvi-lo, porque empregava poucos recursos da arte de falar e era seco e calmo como um livro de Euclides. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 222 Mas, ajustava-se exatamente a certa ordem de intelectos, e estes ficavam convencidos e convictos com a sua poderosa argumentação. Não se deve procurar atender às pessoas dotadas de tipo mental lógico? Devemos ser tudo para todos, e, para esses homens precisamos fazer-nos argumentativos e apertá-los num canto com deduções claras e inferências necessárias. Dos argumentos carnais não queremos nenhum, mas, dos argumentos bons, honestos, que requerem ponderação e consideração, judiciosos, e que desafiam a mente, quanto mais, melhor. A classe que exige argumentos lógicos é pequena, comparada com o número daqueles pelos quais devemos lutar por meio da persuasão emocional. Requerem não tanto raciocínio, como argumento do coração – que é a lógica ardendo em chamas. Temos que pleitear com eles como a mãe o faz com o filho, rogando-lhe que não a magoe, ou como a amorosa irmã implora ao irmão que volte ao lar paterno e busque reconciliação; a argumentação tem que ser vitalizada, transformando-se em persuasão, pelo vivo valor do amor. A lógica fria tem a sua força, mas, quando a afeição a faz ficar rubra de calor, o poder do argumento da ternura é inconcebível. O poder que uma mente pode conseguir sobre outra é enorme, mas, muitas vezes se desenvolve melhor quando a mente condutora deixou de ter poder sobre si mesma. Quando o zelo apaixonado arrebata o homem, o seu falar transforma-se numa torrente irresistível, varrendo tudo diante de si. O homem reconhecidamente piedoso e devoto, e que é generoso e se sacrifica, tem poder em sua própria pessoa, e seu conselho e recomendação leva peso por causa do seu caráter; mas quando se põe a rogar e a persuadir até às lágrimas, sua influência é maravilhosa, e Deus o Espírito Santo o emparelha sob Seu jugo para o Seu serviço. Irmãos, precisamos empenhar-nos com rogos. Súplicas e rogos devem mesclar-se com as nossas instruções. Todo e qualquer apelo que atinja a consciência e mova os homens a se lançarem a Jesus temos que empregar perpetuamente, se por todos os meios havemos de salvar alguns. Às vezes ouço críticas a ministros que falam de si quando Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 223 apelam, mas a censura não deve ser levada muito a sério, visto que temos alto precedente no exemplo de Paulo. A uma igreja que o ama é perfeitamente admissível mencionar o seu pesar pelo fato de que muitos freqüentadores não são salvos, e o seu veemente desejo e incessante oração é pela conversão deles. Você age bem quando menciona a sua experiência pessoal da bondade de Deus em Cristo Jesus e insiste com os homens que venham e provem o mesmo. Não devemos ser abstrações ou simples oficiais para a nossa gente, mas devemos empenhar-nos com os homens como carne e sangue de verdade, se queremos vê-los convertidos. Quando você pode citar a sua própria pessoa como um exemplo vivo do que a graça realizou, o apelo é bastante poderoso para que seja omitido por temor da acusação de egotismo. Às vezes, também, devemos mudar de tom. Em vez de instruir, argumentar e persuadir, devemos passar a ameaçar, e a declarar a ira de Deus sobre as almas impenitentes. Devemos levantar a cortina e fazê-las ver o futuro. Mostremos o perigo que correm e tratemos de exortá-las a escapar da ira vindoura. Isto feito, devemos retornar ao convite, e expor diante da mente despertada as ricas provisões da graça infinita, provisões oferecidas de graça aos filhos dos homens. Em nome do nosso Senhor devemos fazer o convite, bradando: "Quem quiser tome de graça a água da vida." Não se deixem dissuadir disso, meus irmãos, por aqueles teólogos hiper-calvinistas que dizem: "Vocês podem instruir e exortar os ímpios, mas não devem convidá-los ou ameaçá-los." E por que Não? "Por que são pecadores mortos e, portanto, é absurdo convidá-los, visto que não podem vir." Por que motivo então podemos exortá-los ou instruí-los? O argumento é tão forte, se é que tem de fato alguma forca, que elimina todas as formas de apelo dirigido aos pecadores, de modo que somente agem com lógica aqueles que, tendo pregado aos santos, sentam-se, dizendo: "A eleição obteve este resultado; os demais foram deixados cegos." Com que base devemos afinal dirigir-nos aos ímpios? Se só devemos ordenar-lhes coisas que do capazes de fazer sem o Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 224 Espírito de Deus, ficamos reduzidos a simples moralistas. Se é absurdo ordenar ao pecador morto que creia e viva, é igualmente vão ordenar-lhe que considere o seu estado e reflita sobre o seu destino futuro. Na verdade seria completamente ocioso, se a verdadeira pregação não fosse um ato de fé adotado pelo Espírito Santo como meio de operar milagres espirituais. Se contássemos conosco mesmos e não esperássemos interferências divinas, deveríamos ter a prudência de manter-nos dentro dos limites da razão, e de persuadir os homens a fazerem somente aquilo que vissem que eram capazes de realizar. Deveríamos, então, ordenar aos vivos que vivam, exortar aos dotados de visão a que vejam, e persuadir os que querem a querer. A tarefa seria tão fácil, chegando mesmo a ser supérflua. Certamente não seria necessária nenhuma vocação especial do Espírito Santo para um empreendimento assim tão simples. Mas, irmãos, onde está o magnífico poder e a vitória da fé se o nosso ministério é isso e nada mais? Quem dentre os filhos dos homens acharia que é uma grande vocação ser enviado a uma sinagoga para dizer a um homem perfeitamente vigoroso: "Levanta-te e anda", ou a alguém que tem sadios os membros: "Estende a tua mão"? É um pobre Ezequiel aquele cujo maior feito é gritar: "Vós, almas que vivem, vivei!" Coloquem-se lado a lado os dois métodos, quanto a resultados práticos, e se verá que aqueles que nunca exortam os pecadores raramente são conquistadores de almas em grande medida, mas mantêm as suas igrejas com conversos oriundos de outros sistemas. Até já os ouvir dizer: "Oh, os metodistas e os avivalistas estão sendo batedores irreprimíveis, mas nós pegamos muitas das aves." Se eu abrigasse um pensamento baixo assim, teria vergonha de expressá-lo. Um sistema que não pode tocar no mundo exterior, mas tem que deixar a outros o labor de despertar e converter, labor que julga errôneo, lavra a sua própria condenação. Ainda, irmãos, se queremos ver almas salvas, temos que ser sábios quanto às ocasiões em que nos dirigimos aos inconversos. Gasta-se muito pouco bom senso nesta questão. Em certos ministérios, há um Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 225 tempo estabelecido para falar aos pecadores, e este vem tão regularmente como a chegada da hora do meio-dia. Umas poucas migalhas são lançadas aos cachorrinhos debaixo da mesa no fim do discurso, e eles tratam essas migalhas como vocês as tratam, isto é, com indiferença cortês. Por que a palavra de exortação há de estar sempre no extremo derradeiro do discurso, quando o mais provável é que os ouvintes estejam cansados? Por que avisar os homens que se curvem sobre o arreio, preparando-se para repelir o nosso ataque? Quando o interesse deles é despertado e eles estão menos na defensiva, façam voar uma seta aos relapsos, e freqüentemente essa seta única terá mais eficácia do que toda uma revoada de flechas lançadas de uma vez contra eles quando estão completamente encaixados em armaduras blindadas. A surpresa é um grande elemento para obter a atenção e fixar uma observação na memória, e as ocasiões para dirigir-nos aos indiferentes devem ser escolhidas tendo-se em mira esse fato. Talvez seja boa a regra de visar à edificação dos santos no sermão matutino, mas é prudente variar isso, e deixar que os inconversos às vezes recebam o seu principal trabalho de preparação e o melhor serviço do dia. Não concluam um só sermão sem dirigir-se aos descrentes, mas, ao mesmo tempo, estabeleçam ocasiões para um determinado e contínuo ataque a eles, e partam com toda a alma para o combate. Nessas ocasiões tenham como objetivo definido e imediato a conversão de pecadores. Lutem para remover preconceitos, para esclarecer dúvidas, para sobrepujar objeções, e para fazer com que o pecador saia de uma vez dos seus esconderijos. Convoquem os membros da igreja para orações especiais, roguem-lhes que falem pessoalmente com interessados e com indiferentes, e vocês mesmos estejam duplamente atentos para falar com as pessoas individualmente. Vimos que as nossas reuniões de fevereiro, no Tabernáculo, deram resultados notáveis, sendo que o mês todo foi dedicado a esforços especiais. Geralmente o inverno é o tempo de colheita do pregador, porque o povo pode reunir-se melhor nas noites Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 226 longas e fica impedido dos exercícios e diversões ao ar livre. Preparemse bem para a estação apropriada em que "os reis saem para a batalha." Entre os fatores importantes conducentes à conversão há a sua entonação, o seu temperamento e o seu estilo na pregação. Se você pregar a verdade num estilo opaco e monótono, Deus poderá abençoá-la, mas com toda a probabilidade não o fará. De qualquer forma, a tendência de um estilo assim é, não suscitar a atenção, mas impedi-la. Não muitas vezes acontece que os pecadores são despertados por ministros que estão, eles mesmos, dormindo. Deve-se também evitar o modo apático e pesado de falar; a falta de terno sentimento é lamentável, e repele em vez de atrair. O espírito de Elias pode fazer tremer, e quando é extremamente intenso, pode ir longe como preparativo para a recepção do evangelho; mas, para a verdadeira conversão necessita-se mais de João – o amor é a força que vence. Devemos amar os pecadores por Jesus. Grande coração é a principal qualidade do grande pregador, e devemos cultivar os nossos afetos com esse fim. Ao mesmo tempo, a nossa maneira de pregar não deve degenerar, transformando-se no calão macio e açucarado adotado por alguns que sempre simulam gostar de toda gente, e adulam as pessoas como que esperando engambelá-las suavemente, atraindo-as assim para a vida religiosa. Indivíduos varonis sentem-se mal e desconfiam de hipocrisia quando ouvem um pregador falando melaços. Sejamos ousados e francos, e nunca falemos aos ouvintes como se lhes estivéssemos pedindo um favor, ou como se eles estivessem condescendendo com o Redentor, permitindo-lhe que os salvasse. Temos a obrigação de ser humildes, mas o nosso oficio de embaixadores deve impedir que sejamos servis. Felizes seremos se pregarmos confiantemente, sempre na esperança de que Deus abençoe a Sua Palavra pregada. Isto nos comunicará serena confiança que impedirá a petulância, a irreflexão temerária e o desalento. Se nós mesmos duvidarmos do poder do evangelho, como poderemos pregá-lo com autoridade? Alimente o sentimento de que é um homem Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 227 favorecido por ter a permissão de proclamar as boas novas, e regozije-se com o fato de que a sua missão está carregada de benefícios para os que se acham diante de você. Faça com que as pessoas vejam quão alegre e confiante o evangelho o tornou, e isto contribuirá em muito para fazê-las ansiosas para participar das suas benditas influências. Pregue com muita solenidade, pois esta ocupação é deveras importante, mas faça com que a matéria de que trata seja vívida e agradável, pois isto impedirá que a solenidade se corrompa transformando-se em monotonia. Seja tão completamente solene que todas as suas faculdades se despertem e se empenhem, e depois, um jato de bom humor somente acrescentará mais intensa seriedade ao discurso, exatamente como a centelha de um relâmpago torna a escuridão da meianoite muitíssimo mais impressionante. Pregue fixando um ponto, concentrando todas as energias no objeto visado. É preciso que não haja rodeios com passatempos, nem introdução de elegâncias oratórias, nem suspeita de exibição pessoal, do contrário, você fracassará. Os pecadores são vivos e logo detectam o menor esforço de auto-glorificação. Renuncie a tudo por amor daqueles que você anela salvar. Seja louco em prol de Cristo, se isto os conquistar, ou seja um douto erudito, se isto tiver maior possibilidade de impressioná-los. Não poupe nem labor no gabinete, nem oração no quarto, nem zelo no púlpito. Se os homens não acharem que as suas almas valem um pensamento, leve-os a verem que o ministro deles é de opinião bem diversa. Tenha em vista conversões, espere por elas e prepare-se para elas. Resolva que, ou os seus ouvintes se renderão ao seu Senhor, ou ficarão sem desculpa, e que uma coisa ou outra há de ser o resultado imediato do sermão que você acaba de começar. Não deixe que os cristãos ao seu redor fiquem a indagar quando se salvarão almas, mas inste com eles que creiam no poder não enfraquecido das boas novas, e ensine-os a se espantarem se nenhum resultado salvador se seguir à transmissão do testemunho de Jesus. Não permita que os pecadores ouçam sermões como coisa natural, nem lhes permita jogarem com as afiadas Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 228 ferramentas da Escritura como se fossem simples brinquedos. Mas, uma e outra vez faça-os lembrar-se de que todo verdadeiro sermão evangélico os fará piores, se não os fizer melhores. A incredulidade deles é um pecado repetido todo dia, toda hora. Nunca permita que deduzam do seu ensino que merecem dó por continuarem fazendo de Deus um mentiroso, rejeitando o Seu Filho. Uma vez impressionados pelo senso do perigo que correm, não dê aos ímpios nenhum descanso em seus pecados. Bata repetidamente à porta dos seus corações, e bata para a vida ou para a morte. A sua solicitude, o seu fervor, a sua ansiedade, o seu trabalho de parto por eles, Deus abençoará com vistas ao despertamento deles. Deus age poderosamente mediante esta instrumentalidade. Mas a nossa agonia pelas almas deve ser real, não fingida, e, portanto, os nossos corações devem ser forjados de molde a terem o mesmo sentimento que Deus tem. Religiosidade de baixo nível significa pouco poder espiritual. Discursos extremamente penetrantes podem ser pronunciados por homens cujos corações não estão em ordem para com o Senhor, mas o resultado deles só terá que ser pequeno. Há algo no próprio tom do homem que tem estado com Jesus que tem mais poder de tocar o coração do que a oratória mais perfeita. Lembre-se disto e mantenha ininterrupto andar com Deus. Você precisará de muito trabalho feito em secreto, a desoras, se é que há de reunir muitas das ovelhas perdidas do seu Senhor. Somente pela oração e jejum você poderá obter poder para expulsar os piores demônios. Digam os homens o que quiserem da soberania, Deus liga o sucesso especial a especiais estados de coração, e se estes faltam, Ele não realizará muitas obras poderosas. Em acréscimo à pregação fervorosa, será prudente empregar outros meios. Se você quer ver resultados dos seus sermões, deve ser acessível aos interessados em fazer perguntas. Uma entrevista após cada serviço talvez não seja desejável, mas freqüentes oportunidades para entrar em contato com as pessoas da sua igreja devem ser procuradas, e Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 229 de algum modo devem ser criadas. É chocante pensar que há ministros destituídos de método para encontrar-se com os ansiosos, e se entrevistam um aqui, outro ali, deve-se à coragem de quem anda à busca disso, e não ao zelo do pastor. Desde o inicio você deve marcar ocasiões freqüentes e regulares para ver todos os que estão em busca de Cristo, e você deve convidá-los constantemente a virem falar-lhe. Demais disso, mantenha numerosas reuniões com os interessados, reuniões em que as alocuções visem todas a ajudar os que têm problemas e guiar os perplexos, interpondo-lhes fervorosas orações pelos indivíduos presentes e breves testemunhos de pessoas recém-convertidas e outras. Como a confissão pública é continuamente mencionada em conexão com a fé salvadora, você será sábio se facilitar aos crentes que ainda seguem Jesus de noite que venham para a frente e votem sua adesão a Ele. Não se deve persuadir outros a se decidirem, mas devem ser dadas todas as oportunidades para que o façam, e não se deve colocar nenhuma pedra de tropeço no caminho das pessoas esperançosas. Quanto aos que não estão adiantados o bastante para garantir qualquer idéia de batismo, você poderá ser-lhes em extremo benéfico mediante trato pessoal, e, portanto, deve procurar conseguí-lo. Uns poucos momentos de conversação podem bastar para esclarecer dúvidas, corrigir erros e eliminar pavores. Conheço casos em que foi dado fim a um infortúnio que durou a vida inteira, com uma simples explicação que poderia ter sido dada anos antes. Procure as ovelhas extraviadas, uma por uma, e quando vir que todos os seus pensamentos são necessários para um único indivíduo, não reclame do seu trabalho, pois o seu Senhor, em Sua parábola, retrata o bom pastor trazendo de volta para casa as ovelhas perdidas, não num bando, mas uma por vez, sobre os Seus ombros, e regozijando-se ao fazê-lo. Com tudo o que possa fazer, os seus desejos não se cumprirão, pois a conquista de almas é uma carreira que toma conta do homem. Quanto mais recompensado por conversões, mais ávido fica por ver gente em Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 230 maior número nascendo para Deus. Daí, logo você descobrirá que precisa de auxílio, se é que pretende persuadir a muitos. A rede fica pesada demais para ser arrastada até a praia por um par de mãos, quando está repleta de peixes, e você deve fazer sinais aos seus companheiros de trabalho, chamando-os para lhe prestarem ajuda. Grandes coisas são realizadas pelo Espírito Santo quando uma igreja inteira se ergue com santa energia. Neste caso, há centenas de testemunhos, em vez de um só, e estes se fortalecem uns aos outros; os advogados da causa de Cristo se sucedem uns aos outros e trabalham ombro a ombro, enquanto as súplicas ascendem ao céu com a força da importunação unida; assim os pecadores são cercados por um cordão de severas ameaças, e o próprio céu é chamado ao campo de batalha. Parece difícil salvar-se um pecador em certas igrejas, pois seja qual for o bem que receba do púlpito, fora deste fica enregelado pela atmosfera ártica circundante. Por outro lado, algumas igrejas tornam difícil aos homens permanecerem sem converter-se, pois com santo zelo acossam os indiferentes, levando-os à ansiedade espiritual. Deve constituir nossa ambição, no poder do Espírito Santo, trabalhar a igreja toda, dando-lhe excelente condição missionária, fazendo dela um vaso acumulador tipo Leyden, totalmente carregada de eletricidade divina, de modo que tudo que entre em contato com ela se encha do seu poder. Que pode fazer um homem só? Que não pode fazer, com um exército de entusiastas em torno dele? Medite logo no início na possibilidade de ter uma igreja de conquistadores de almas. Não sucumba à idéia generalizada de que só podemos reunir alguns obreiros prestativos, e que os elementos restantes da comunidade serão inevitavelmente um peso morto. Possivelmente acontecerá isso, mas não comece dominado por essa noção, ou do contrário ela se concretizará. O geral não tem necessidade de ser universal. É possível conseguir coisas melhores do que qualquer coisa já alcançada. Ponha bem alto o seu objetivo, e não poupe esforços para atingi-lo. Lute para formar uma igreja cheia de vida para Jesus, cada membro da igreja com o máximo de Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 231 energia, e todo o conjunto em atividade incessante pela salvação dos homens. Para atingir-se este fim, é mister haver o melhor tipo de pregação para alimentar e fortalecer a tropa, constante oração para fazer descer poder do alto, e o mais heróico exemplo da sua parte para ativar o fogo ao zelo dos demais. Então, sob a bênção divina, um comando de bom senso dirigindo o grosso das tropas não poderá deixar de produzir os mais desejáveis resultados. Qual de vocês pode captar esta idéia e fazê-la encarnar-se num fato real? Convidar um colega de vez em quanto para dirigir trabalhos de evangelização ver-se-á que é prática muito sábia e útil, pois há alguns peixes que nunca serão apanhados por sua rede, mas que certamente caberão por sorte a outro pescador. Vozes novas penetram onde o som costumeiro perdeu o efeito, e tendem a gerar interesse mais profundo naqueles que já são atentos. Evangelistas firmes e prudentes podem prestar ajuda até ao pastor mais eficiente, apanhando frutos que aquele não tem podido alcançar. Seja como for, isto rompe a continuidade dos serviços regulares e lhes dá menor probabilidade de ficarem monótonos. Nunca permita que a inveja o estorve nisso. Suponha que o brilho de outra lâmpada ofusque o da sua. Que importa, desde que traga luz para aqueles cujo bem-estar você está procurando? Diga com Moisés: "Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta!" Quem estiver livre da inveja egoística verá que não haverá ocasião para sugeri-la. Sua gente bem pode ter ciência de que o seu pastor é sobrepujado por outros quanto ao talento, mas estará pronta para afirmar que ele não é superado por ninguém quanto ao amor que vota às suas almas. Um filho amoroso não tem necessidade de acreditar que seu pai é o homem mais culto da comunidade. Ama-o pelo que ele é, não porque é superior a outros. Convide uma vez ou outra um irmão cheio de entusiasmo que more por perto; utilize os talentos da sua própria igreja; e procure os serviços de algum eminente conquistador de almas, e isto, nas mãos de Deus, pode romper para você o chão duro, e trazer-lhe dias de maior esplendor. Lições aos Meus Alunos (Vol. 1) 232 Terminando, amados irmãos, por quaisquer meios, por todos os meios, esforcem-se para glorificar a Deus mediante conversões, e não descansem enquanto não for cumprido o desejo do seu coração.