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Território E Contra Racionalidade Quilombola No Piemonte Da Diamantina - Ba: Identidade E Significados Da Permanência - Eng 2012/belo Horizonte - Brasil

Território e contra racionalidade quilombola no Piemonte da Diamantina - BA: identidade e significados da permanência - ENG 2012/BELO HORIZONTE - BRASIL

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  TERRITÓRIO E CONTRA RACIONALIDADE QUILOMBOLA NO PIEMONTE DADIAMANTINA -BA: IDENTIDADE E SIGNIFICADOS DA PERMANÊNCIA Fábio Nunes de Jesus¹Anelino Francisco da Silva²RESUMO: Este artigo foi fundamentado teoricamente no estudo da territorialidade negra na Bahia.O Piemonte da Diamantina caracteriza-se pela dimensão produtiva srcinada do ciclo doouro e mobilidade populacional recorrente na colonização e interiorização do Brasil.Representava ao mesmo tempo a área de fluxo do empreendimento da coroa em buscado ouro e também uma rede de comunicação conflituosa e estratégica da capitania daBahia com a região das Minas Gerais. A mobilidade social resultante estabeleciaconexões entre pontos aparentemente dispersos sobre o território baiano. Esses setransformaram em núcleos populacionais que refletiam os interesses e as contradiçõespresentes na ocupação destes espaços. Assim, importantes rotas foram definidascontribuindo para a legitimação e afirmação do povoamento das diversas regiões. Poresses caminhos, a projeção de uma materialidade sobre o espaço capitalista revelavamas estratégias de dominação, que no seu bojo tentava também eliminar traçosrecorrentes dos valores culturais dos povos afros. Para este intento, os objetosgeográficos dotados de simbologias presentes tornaram-se fundamentais ao contribuirpara reificação de uma sociedade com valores e referências predominantes naconsolidação do Estado-Nação brasileiro. Em meio a esta teia de relações materializadasno território, os povos africanos, movidos pela cosmogonia presente na interpretaçãocultural e geográfica de mundo criavam e reinterpretavam os sentidos estéticos eideológicos predominantes na América à luz de conhecimentos transoceânicos ediaspóricos, produzindo paralelamente espaços subalternos e de contra racionalidadescom fortes traços culturais e de auto-referência. Os parâmetros metodológicosdelineadores desta investigação terão como base inicial uma análise teórica propositivafundamentada em pesquisa bibliográfica e qualitativa indicativas de uma representaçãoda organização socioespacial quilombola presente na espacialidade negra na/da regiãodo Piemonte da Diamantina-BA objetivando assim entender a lógica e permanência dosespaços quilombolas frente ao caráter hegemônico capitalista e eurocêntrico daconfiguração territorial brasileira. Palavras-chave: TERRITÓRIO, QUILOMBOS,SUBALTERNIDADE,IDENTIDADE ¹ Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte  –  UFRN² Professor Orientador Dr. Anelino Francisco da Silva  –  Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN ]  INTRODUÇÃOEste estudo com enfoque territorial no movimento quilombola que ora ocorre noPiemonte da Diamantina-BA constitui-se um desafio e ao mesmo tempo umaconstatação, ainda se apresenta de forma tímida na geografia as pesquisas sobre osespaços de vivência e socialização negra, aqui representada territorialmente pelascomunidades quilombolas reconhecida ou com processos em andamento.As primeiras incursões geográficas no âmbito da discussão sobre a africanidadeno sertão atualmente foram geradas com o reconhecimento das delimitações espaciaisdas comunidades quilombolas em curso, provocando novas abordagens e interpretaçãodos acontecimentos. O caráter legalista do reconhecimento causou impacto nos diversosmunicípios intensificando o jogo de relações políticas e manipulação cultural e espacialdas comunidades referentes. Este acontecimento, cujo sentido marca também a srcemda propriedade no território brasileiro contribui por expor as contradições presentes nadelimitação destes espaços e a permanência das comunidades sobre os mesmos. Decerta forma, a construção territorial brasileira diversa e inclusiva é um tema tratado “emsuspensão” pelo estado com forte tradição co nservadora e autoritária presentes ao longode sua formação histórica.Logo, os parâmetros metodológicos delineadores desta investigação terão comobase inicial uma análise teórica propositiva fundamentada em pesquisa bibliográfica equalitativa indicativas de uma representação da organização socioespacial quilombolapresente na espacialidade negra no Piemonte da Diamantina-Ba.Esta análise considera dois momentos importantes para a compreensão daterritorialidade negra no Piemonte da Diamantina. No primeiro, à luz do pensamento deautores como Haesbaert (2011), Moraes (2009), Campos (2005) Carril (2006) eRaffestin (1993) o território brasileiro e seu sentido institucional é questionado aonegligenciar a prática socioespacial dos grupos marginalizados ao longo de suaformação. Consequentemente espaços de resistências surgem revelando o espaço dooutro (Quijano:2011), do diferente (Said:1990) da contra racionalidade (Santos: 1997)cuja lugaridade dialeticamente se estabelecia nos meandros de um território conservadore funcionalista através do agenciamento (Spivak:2010) político e social do estadocapitalista. No segundo destacamos a partir da teoria social pós-colonialista o papel dasidentidades na configuração territorial na América. É justamente entre conformações  espaciais, entre disputas e legalismos instauradores de uma pretensa ordem social quegrupos sociais marginalizados do processo estabelecerão mecanismos de resistência ealteridade fundamentados em elementos culturais próprios e ressignificados naespacialidade diaspórica (Bhabha:2010) em andamento, recorrendo ao elementoidentitário (Hall:2005) como recurso e potencializador de uma apropriação legítima dosespaços apropriados.A compreensão desta territorialidade negra no Brasil e seu caráterpermanentemente duradouro estabelecido sobre uma base espacial contraditória esistematicamente funcionalizada nos conduz ao questionamento dos sentidos e usosestabelecidos sobre a reificação e apropriação material e imaterial valorizados naformação territorial brasileira. Este processo seguramente nos levará a um retornoepistêmico que poderá nos revelar as escolhas, orientações e definições dos padrões depensamento em que a racionalidade vigente está amparada. Também nos indicará comoa definição concreta de espaço, através de uma materialidade e técnica crescenteganhará uma dimensão de totalidade que justificará a configuração atual dos estadosmodernos. É neste entre conformações espaciais, entre disputas e legalismosinstauradores de uma pretensa ordem social que grupos sociais marginalizados doprocesso estabelecerão mecanismos de resistência e alteridade fundamentados emelementos culturais próprios e ressignificados na espacialidade diaspórica emandamento. DO TERRITÓRIO RELACIONAL E CONTRA RACIONAL QUILOMBOLA O território é o lócus das projeções e ações humanas sobre o espaço. Elecontribui por refletir os diversos tipos de mediações estabelecidas pela sociedade na suaprodução. Por conseguinte, a herança, materialidade e produção presentes acabam porfundamentar o projeto de sociedade vislumbrado pelos grupos sociais que lhe constitui.A invenção da América e a representação geográfica consequente permitiu quecategoricamente a delimitação dos espaços e sua aparência historicamente amparada nossímbolos e discursos com forte viés cultural e ideológico sedimentassem as bases para aperpetuação do poder hegemonicamente europeu sobre uma parte do globo. É nestecenário que o espaço técnico-científico e produtivo promove através de sua escalaprincipal, o território, as bases jurídicas, econômicas, culturais e sociais fundamentaispara manutenção deste sistema.  O território seria assim, um outro modo de discutir a dominação estatal e aafirmação da soberania, sendo um conceito que induz diretamente umaabordagem geopolítica, para também entender a instalação do mundomoderno, a ocidentalização do planeta, a dinâmica da modernidade, aestrutura e o funcionamento da economia -mundo , a delimitação dos países,etc. (MORAES,2009:28) A modernização tornou-se então, uma exigência e motor de um ideal desociedade que proliferava a partir de centros difusores e controladores amparados nosprincípios da racionalidade científica e que instituiu modelos e regras abstratasvalidadas na pretensa representação de uma totalidade social.É neste contexto que o território brasileiro na sua concepção clássica, do Estadomoderno, surge como catalisador e propulsor de uma fragmentação espacial e social queconsolida através do capital, estilos de vida e modelos de comportamento (Carril, 2006).Logo, diante desta configuração socioespacial, os lugares ao mesmo temporepresentavam a consolidação, fusão ou negação dos modelos operatórios sobre oespaço, como também, o palco de relações conflituosas e disputas pelo direito aoterritório.Campos (2005) identifica uma forte segregação socioespacial negra no processode formação do Estado brasileiro (do Império à República) demonstrando que a tradiçãopatrimonialista de propriedade está relacionada com exclusão, violência e preconceito.Na realidade, os conflitos e embates sempre fizeram parte do processo de organizaçãoespacial brasileiro dos pobres e negros, que sem o apoio do poder público institucional econservador (eminentemente atendia sempre aos propósitos de uma elite dominante)produziu uma espacialidade marcada por estratégias de sobrevivência, inclusive aointerligar a lógica espacial dentro de uma rede solidária de afirmação e permanência naurbe. Portanto, admitir que o espaço quilombola fora transmutado em espaçofavelado é incluí-los no processo maior, ou seja, é admitir que as populaçõespobres, através de suas apropriações dos espaços periurbanos, ilegais à luz dopoder público, participaram da construção do espaço urbano das cidades.(CAMPOS,2005:24) Neste sentido, a ilegalidade e criminalização destes espaços de vivência peloEstado representavam a possiblidade institucional de controle e eliminação das áreasincorporadas por estes grupos sociais e/ou comunidades.  A estruturação do território brasileiro cuja estatização evidenciaria um acordo deelites, pautado no viés meritocrático estabelecido pelo próprio grupo e marcadamentecapitalista representava um ideal de nação cuja normatização e legalismo atenderia aosrequisitos de um projeto de inserção no sistema-mundo. Ao mesmo tempo econtraditoriamente, no interior deste mesmo território havia uma busca incessante daselites regionais pela afirmação e alteridade do processo, gerando disputas e reafirmaçõesde papéis. Se a construção e legitimação de um território uno com identidade forjada nadiversidade e ilustração regional parece atender um quadro nacional, na prática, acabavapor deslocar economicamente a força política e econômica para centros regionais degrande apelo desenvolvimentista.Esta autoridade é deslocada e tensa por assumir diferentes configurações eposturas cuja costura política presente no interior da unidade federativa manifestava-seatravés de escalas pontuais de representação, onde num mesmo território, os outros sãoos mesmos de uma nacionalidade e diferentes dentro desta mesma conjuntura espacial esócio-política.Peixoto (2011) identifica na formação territorial brasileira uma complexarepresentação envolvendo identidades, escalas geográficas e políticas onde os atoressociais buscavam seu lugar na ordem espacial em construção. Contudo, essa inscrição não deve ser compreendida como tendo sido feita docentro do espaço contra sua periferia, mas pela recepção da periferia nocentro do espaço e pela coadunação de interesses e demandas. A inscrição daregião e de seus habitantes no espaço nacional se deu, portanto, em meio deuma operação que também os instituía como operadores junto a umasimbolização das representações já constituídas. (PEIXOTO, 2011:132) O território nacional torna-se assim um espaço marcado por interesses epretensões políticas cuja validação das práticas necessariamente deveria passar pelocrivo das elites regionais. Consequentemente, a unidade nacional estabelecia seuspróprios limites indicando uma negociação e tensão presentes.Para Haesbaert (2011, p.54) "O território, de qualquer forma, define-se antes detudo com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) em que estámergulhado, relações estas que são sempre, também relações de poder ” e   “justamente por ser relacional, o território inclui também o movimento, a fluidez, as conexões”  (p.56).