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Trabalho Assalariado E Estratégias De Sobrevivência E Reprodução De Famílias Em Luanda

Trabalho assalariado e estratégias de sobrevivência e reprodução de famílias em Luanda

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  INTRODUÇÃO.................................................................................................1   PARTE I: Enquadramento Teórico e Metodológico....................................10   CAPÍTULO I: Tradição e Modernidade.......................................................10   1. Tradição africana....................................................................................16   2. Modernidade...........................................................................................23   3. Urbanização e Urbanidade.....................................................................29   4. Transições e Mestiçagens......................................................................33   CAPÍTULO II: Trabalho Assalariado...........................................................38   1. Perspectivas económicas.......................................................................39   2. Perspectivas antropológicas...................................................................46   2.1. Antropologia, Empresas, Trabalhadores e Empresários......................52   3. Trabalho em África..................................................................................61   4. Formal e informal....................................................................................81   CAPÍTULO III: Estratégias de Sobrevivência e Reprodução....................93   1. Estratégias e Família............................................................................104   2. Dispersão de actividades económicas..................................................117   3. Redes de solidariedade e individualização...........................................121   CAPÍTULO IV: Metodologia.......................................................................130   1. Perspectiva e metodologia alargadas...................................................130   2. Métodos e fontes de informação...........................................................134   3. Trabalho de terreno..............................................................................139   4. Limitações do trabalho de terreno e estratégias de controlo................151   PARTE II: Trabalho e Família em Luanda................................................157   CAPÍTULO I: Crescimento Urbano e Transformações Económicas.....157   1. Crescimento da cidade e da população................................................159   2. Implicações socioeconómicas do crescimento.....................................184   CAPÍTULO II: Transformações Sociais em Luanda................................196   1. Recomposição Social...........................................................................197   2. Modernidade e urbanidade...................................................................208   CAPÍTULO III: Estratégias de Famílias em Luanda.................................230   Caracterização dos bairros.......................................................................233   1. Famílias em Luanda.............................................................................240   2. Estratégias económicas........................................................................255   3. Solidariedades......................................................................................274   CAPÍTULO IV: Trabalho Assalariado em Luanda....................................279   Caracterização das empresas..................................................................291   1. Rendimentos fixos e seguros................................................................304   2. Rendimentos complementares.............................................................319   3. Valorização do trabalho assalariado.....................................................328   CAPÍTULO V: O Trabalho Assalariado e as Estratégias das Famílias..338   CONCLUSÃO..............................................................................................349   BIBLIOGRAFIA...........................................................................................355   ANEXOS   INTRODUÇÃO 1  O trabalho assalariado em Angola é, de uma forma geral, uma realidade quehistoricamente encontra correspondência com o período da colonizaçãoportuguesa, prolongando-se até à actualidade. Ao longo deste períodoabrangente, registam-se diferenças significativas no que diz respeito àsrelações laborais, sendo possível identificar fases predominantementeesclavagistas, fases em que predomina o trabalho forçado, fases em que étendencialmente predominante o assalariamento, fases em que, embora oassalariamento seja a relação laboral primordialmente considerada ao nívelmacroeconómico, ele é ultrapassado e sobreposto por múltiplas e variadasformas de desempenho e desenvolvimento das actividades económicas.Durante quatro séculos, o tráfico de escravos constituiu a actividade económicado estado colonial e quase até ao final do século XIX a presença portuguesa,que praticamente se limitou à permanência em alguns pontos do litoral 2 , tornounestes locais mais acentuado o predomínio das relações laborais “desiguais”.Com a implantação do sistema colonial, diversos mecanismos são impostos nosentido de garantir o seu próprio desenvolvimento como a apropriação deterras, a implantação de um sistema de recrutamento da força de trabalho queevolui do sistema de trabalho forçado para outros mais formais (no sentido daopção pela assimilação e integração que entretanto não se revelaramsignificativas), a imposição de culturas obrigatórias, a introdução de impostosgeneralizados à população, o desmembramento das redes comerciais locais(RELA, 1992:27-28). No global, estes mecanismos impulsionaram atransformação das estruturas sociais e económicas que constituem a base dasrelações de trabalho. 1 As fotografias e mapas contidos neste estudo foram gentilmente cedidos pela Arq. CristinaSalvador, a quem muito agradeço. Ao longo do texto, a referência às empresas ondedecorreu o estudo são abreviadas, existindo a referência completa sobre cada uma delas nocapítulo IV da Parte II. As entrevistas a famílias e a trabalhadores são igualmente abreviadascom siglas: no caso das famílias a sigla contém a referência ao bairro (11N: 11 deNovembro; BE: Boa Esperança; RP: Rocha Pinto). 2 Entre os quais Luanda e Benguela seriam os únicos significativos (RELA, 1992:23). 1   Nos últimos anos do período colonial a economia dava mostras de umcrescimento muito elevado em simultâneo com o desenvolvimento da lutaarmada, o que pressionou a concretização de algumas medidas passíveis demelhorar o nível de vida da população 3 que por sua vez imprimiram umcarácter diferente ao tipo de relações laborais até aí predominantes. É nestafase que se acentua o carácter “assalariado” (no sentido clássico) das relaçõesde trabalho e é durante estes anos que é possível considerar que este tipo delógica e prática adquire contornos tendencialmente predominantes, em especialnos meios urbanos e particularmente na capital.Este cenário sofre contudo alterações com a transformação do sistemaeconómico que a independência do país e a implantação da I República 4  concretizaram. Mantendo-se a lógica e as políticas económicas que têm comobase o assalariamento, este é todavia sujeito a reconfigurações moldadas pelaevolução da economia e da sociedade angolanas. Com a independência e coma saída dos proprietários e quadros gestores da maioria das empresas 5 ,assistindo-se a uma estatização generalizada da economia (através deconfiscos e nacionalizações, FERREIRA, 1999:335) e à implantação de umsistema de planificação centralizada de desenvolvimento económico e social,não é posta em causa a herdada relação assalariada, muito embora semultipliquem as reivindicações de igualdade e atenuação das diferenças sociaise económicas que constituem a base das ideologias políticas adoptadas. Otrabalho mantém-se no centro das lógicas da reprodução social e a troca detrabalho por um salário constitui a forma de “calcular” as prestações individuaispara a economia.Mas o sistema centralizado desde cedo evidenciou a sua desadequação àsociedade e às estruturas económicas realmente existentes (RELA, 1992:55) 3 Nomeadamente o IV Plano de Fomento (1974-1979) que prevê a generalização do ensino, ofomento da produção agrícola, a implantação de infraestruturas, entre outras (RELA, 1992:43). 4 República Popular de Angola (1975-1992) (FERREIRA, 1999:14). 5 Que “em muitos casos só não paralisaram completamente porque os trabalhadores se forammantendo a laborar, embora a níveis muito baixos” (RELA, 1992:50). 2  permitindo e impulsionando o desenvolvimento dos “esquemas” e da economiaparalela. Ao nível social, estas “adaptações” socioeconómicas permitiram oalargamento da burguesia nacional e o aparecimento de novas burguesias(RELA, 1992:57), grande parte destas últimas resultado da fusão entre asantigas elites de assimilados e os “novos crioulos” (BIRMINGHAM, 1995) queocupam grande parte das posições de relevo políticas e do sistemaadministrativo, controlam as empresas estatais e a economia planificada(HODGES, 2002). Assim, desde a sua implantação com o sistema colonial eatravessando as diversas fases económicas e sociais, o assalariamentoconstitui uma referência no que diz respeito às relações laborais, moldando-sea adaptando-se às contingências sociais e económicas e articulando-se com asrestantes práticas e racionalidades relativas ao económico que se situam paraalém deste tipo de relação. Mas ao longo deste período abrangente e até àactualidade, apenas uma minoria da população urbana consolidoueventualmente a consciência de uma real condição de assalariado (RELA,1992:452) e os discursos e políticas económicas e sociais revelamsistematicamente uma dissonância relativamente às racionalidades e práticaseconómicas realmente existentes. Esta dissonância, quando apreendida eanalisada, aparece frequentemente como resultado da oposição entre umacultura (racionalidade) africana ou angolana e o espírito individualista e decompetitividade característico das sociedades capitalistas desenvolvidas(ROCHA, 1997:24). Mais do que isso, ela é o resultado da introdução superficialdas lógicas e práticas do assalariamento ao longo dos vários períodos e faseseconómicas, superficialidade esta que permite a manutenção de lógicas epráticas relativas às actividades económicas que não se fixam no modelo.Na actual República de Angola 6 , a questão da adequação do aumentopopulacional (que em termos económicos se traduz num potencial dedesenvolvimento) às oportunidades de emprego geradas pela economiarevelam ser preocupante o baixo nível de emprego no sector formal (10%,ROCHA, 1997: 116). Por outro lado, é também preocupante a reprodução 6 Lei Constitucional (Lei nº 23/92 de 16 de Setembro). 3  destas condições relativamente ao trabalho e deste tipo de racionalidadeeconómica, não se conhecendo as consequências e não sendo possível preveras configurações futuras relativas à integração económica da população numprojecto de desenvolvimento económico, empresarial, industrial previsto eidealizado.Constitui o objecto de estudo da tese de doutoramento sobre trabalhoassalariado e estratégias de sobrevivência e reprodução de famílias em Luandaa análise das relações entre o trabalho e as estratégias. Os objectivos geraissão a demonstração da importância, a diversos níveis, das actividadesassalariadas no conjunto das actividades económicas implicadas nasestratégias das famílias, a importância do trabalho assalariado na construçãode identidades sociais, a compreensão das dinâmicas urbanas associadas aoassalariamento.Na sequência da realização da tese de mestrado “Empresa e Reprodução:contributos de um caso angolano” (RODRIGUES, 1997) cujo enfoque incidiusobre a articulação das estratégias dos trabalhadores (e famílias) com asestratégias da produção próprias da empresa, os temas aqui a desenvolvidosultrapassam esta questão e expandem-se até ao nível das famílias em Luanda,aprofundando-se as questões relativas às racionalidades e identificando-se aspráticas económicas em termos mais abrangentes. Ao mesmo tempo, otrabalho assalariado é analisado de forma integrada na sociedade e nasestruturas sociais, na tentativa de entender o seu papel a um nível mais vasto.Uma das principais questões despoletadoras do interesse pelo tema estárelacionada com a constatação de que, na maior parte das vezes, os saláriosauferidos pelos trabalhadores através de uma actividade assalariada não sãosuficientes para garantir a sobrevivência e a reprodução das famílias. Estaconstatação levou a que fosse explorada, por um lado, a forma como asfamílias geram e gerem os recursos a que têm acesso e, por outro, as 4