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Vida E Morte Da Imagem

Vida e Morte Da Imagem

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  Vida e Morte da Imagem Regis Debray Régis Debray, em Vie et mort de l’image, debruça-se sobre a imagem e o seu papel nas nossas sociedades desde a antiguidade, analisando a sua evolução e os seus efeitos. É uma obra do incio da década de ! #$!!%&, 'ue abre camin(o ao desenvolvimento de uma nova disciplina, a da mediologia, noção entendida como uma forma de an)lise das mediaç*es e dos seus suportes, referida neste trabal(o. + recensão atentar) de forma  particular sobre o pref)cio do livro e uma espécie de posf)cio, denominado de “Douzes thèses sur l’ordre nouveau et une ultime question” .Debray demonstra nestas p)ginas 'ue somos contemporneos de uma visão do mundo 'ue est) mergul(ada no visvel, o 'ual se arroga o eclusivo da verdade e da realidade. sto é, vivemos numa época em 'ue apenas é dado como certo e factual o 'ue se v/. + confiança do ol(ar moderno não est) pois no invisvel, 'ue é entendido como falso e irreal. 0is o domnio da videosfera, uma nova ordem 'ue d) a supremacia 1 contemplação da imagem, desconfiando da'uilo 'ue não o é. +parece a crise da metafsica como  propulsora deste  status quo, 'ue se consubstancia no desaparecimento dos invisveis. 2ra, face 1 imposição do visual, o autor coloca uma pergunta-c(ave3 como perceber o invisvel, a bem di4er, os c5digos invisveis do visvel6 7ois são eles os definidores do estado do mundo, em cada época. É central para Debray, nas suas palavras, perceber “comment le monde se donne à voir à ceux qui le regardent sans y penser”  #Debray, $!!%3 $8&. 2u se9a, não se p*e s5 a 'uestão de saber discernir o 'ue não se v/, numa esfera em 'ue s5 o 'ue se v/ conta, mas também os papéis desempen(ados pelo visvel e pelo invisvel. 0sta é a  preocupação central 'ue ressalta desta escrita de Debray.:om efeito, cada esfera especfica de mediaç*es, cada mediasfera , como l(e c(ama o autor, age em conformidade com o 'ue identifica como o seu sistema de crenças, a partir da sua pr5pria visão do mundo. +través dos ;5culos< com os 'uais v/ o mundo, define os seus critérios de acreditação do real, dividindo-o de uma forma necessariamente bin)ria, demarcando-se do irreal. =uma outra obra de sua autoria, Régis Debray clarifica a mediasfera  como sendo “un milieu de transmission et de transport des messages et des hommes, avec les méthodes d’élaoration et de diffusion intelectuelles qui lui correspondent!” #Debray, $!!$3 %%!&. =ão é de um contrato social 'ue advém este entendimento, de um acordo infundado entre su9eitos, mas sim de uma (erança. >) todo um legado do passado, envolto em mitos especficos e lugares comuns transmitidos ao longo de geraç*es, 'ue vai constituir cada era. + cultura é resultado deste esp5lio, e outrossim do meio técnico-cientfico em 'ue se insere. :ada mediasfera fa4-se então na base de um compromisso entre o ad'uirido do passado e as condiç*es presentes da técnica e do estado da ci/ncia. =a logosfera , é o invisvel 'ue tem o papel principal? é pelas ideias inteligveis 'ue se compreende o mundo. @alamos de culturas como a egpcia, a grega ou a medieval, nas 'uais a suspeita recai sobre o visvel e em 'ue o ausente corresponde ao verdadeiro ser. A) na  grafosfera , com o surgimento da imprensa, o visvel gan(a um novo desta'ue, apesar  de diludo entre outros elementos. É na videosfera 'ue a visuali4ação da imagem técnica se torna dominante? é nela 'ue se cr/ e é dela 'ue provém a compreensão do mundo. Debray afirma mesmo 'ue ver se tem confundido nesta era com o eplicar, pelo 'ue o primeiro se tem substitudo ao Bltimo C “ u#ourd’hui$ %#’y ai cru, puisque #e l’ai vu à la télé!’” #Debray, $!!%3 !%&. 2 acto de ver por si mesmo eplica, descurando um en'uadramento te5rico mais ou menos eaustivo, uma compreensão contetual do visuali4ado C o invisvel. + cultura torna então incontest)vel o lugar para onde a sua visão est) direccionada. 2 ponto de enfo'ue do ol(ar da ideologia é tomado como irrefut)vel. 0ste é vari)vel, é certo. Ee nas teocracias, se descurava a apar/ncia visvel em favor de uma abstracção espiritual C o 'ue na economia religiosa de tradição cat5lica cedo se revelou insuficiente, resvalando para a necessidade da presencificação de dolos e transcend/ncias, por meio da iconografia C, nas ideocracias a verdade era vista como central, e decifrada de forma concreta no mundo. =o regime visual por ecel/ncia, tudo pode ser posto em causa, eceptuando o valor da imagem. + fé no 5ptico, o ol(ar individual 'ue colocamos nas coisas 'ue representam outras, submete-se então a um ol(ar colectivo, a esse “inconscient partagé”  #Debray, $!!%3 $8&, variando de cultura para cultura C “chaque médiasphère suscite un espace&temps  particulier, c’est&à&dire un realisme différent” #Debray, $!!$3 %%!&. É o nosso ol(ar 'ue se transforma, 'ue se deslocali4a, o 'ue fa4 com 'ue, sendo outras as imagens 'ue nos captam a atenção, se9am outros os efeitos a 'ue estamos su9eitos. 7ercebemos a'ui a variabilidade temporal do ol(ar (umano.:om maior ou menor intensidade, não deia, porém, de (aver sempre algo na imagem 'ue nos incomoda e não nos deia ficar indiferentes. Debray conta a (ist5ria de um imperador c(in/s 'ue pediu ao pintor-mor do seu reino para apagar uma cascata 'ue este  pintara no muro da pal)cio, pelo facto de a'uela não o deiar dormir. 0ste conto, um bom eemplar do tipo de eposição sintomatol5gica por 'ue o autor opta, eacerba esta ideia de 'ue a imagem reprodu4 efeitos sobre a'uele 'ue a ol(a? a sua simples presença é  perturbadora. +ssim aconteceu com o monarca oriental, cu9a pintura de uma cascata era como se a mesma ali estivesse de facto. 2uvia o rudo da )gua a cair, como se fosse real, o 'ue não o deiava adormecer. + imagem aparece então como e'uvoco, de uma nature4a ligada ao espectro, ao duplo. 2 imperador ol(ava para a pintura como se esta, ou se9a, a reprodução de uma realidade, fosse a pr5pria realidade. Desta feita, reagia como se estivesse a ol(ar para uma cascata verdadeira , 'uando, na verdade, estava apenas perante uma representação, uma simulação. + rai4 etimol5gica do termo ;imagem< tem por base esta mesma l5gica de espectro, de espécie de fantasma, concreti4ada na palavra grega ;eidFlon<, ou dolo. =a cultura cl)ssica grega, em 'ue “vivre, pour un ancien 'rec ce n’est  pas, comme pour nous, respirer, mais voir, et mourir, perdre la vue” #Debray, $!!% 3 %8&, o eid(lon designava a sombra da alma 'ue saa do cad)ver. + pr5pria cermica ateniense cristali4ou esta definição de imagem, sendo mBltiplas as representaç*es de guerreiros-miniatura a se soltarem dos corpos de guerreiros mortos em combate. + srcem de magem est) então intimamente ligada 1 morte, também tematicamente, pois todo o imagin)rio  pl)stico da antiguidade est) preso a um ambiente lBgubre. Gogo, o referido poder de representação vinculado 1 imagem tem a'ui as suas srcens. =a Roma mperial, a'uando da morte dos altos monarcas procedia-se 1 construção de uma efgie eactamente semel(ante ao corpo do soberano, para a 'ual se transferia a atenção durante as cerim5nias fBnebres. 0sta pr)tica inspirou mais tarde a corte francesa, 'ue também recorria a um substituto eacto e presente do corpo do governante morto, vestido a preceito e dotado das insgnias. 2 'ue interessava era a figura simb5lica do poder, a sua eposição, a sua  contemplação, pelo 'ue se tornava acess5rio ser ou não real C estar vivo ou não - o elemento fsico 'ue a representava. 0ra a c5pia do verdadeiro rei 'ue presidia 1s formalidades fBnebres e 'ue recebia a rever/ncia. “)ette %imago’ est un hypercorps, actif,  pulic”  #Debray, $!!%3 H$&, sublin(a. + s5sia do rei funciona em pleno, na sua aus/ncia C é um duplo recepcionado como srcinal? uma imagem  interpretada como o genuno. 2bserva o autor 'ue é esta ;reserva de poder< atribuda 1 imagem arcaica, portadora da ma9estade de indivduos, 'ue a fe4 resistir, permanecer.+ imagem funciona então como um simulacro, entendido por Deleu4e como uma ;pot/ncia positiva<, no sentido de ser uma força recalcada, por reali4ar, 'ue pretende ao ser e 1 verdade. 0ntre a dissemel(ança total e o demasiado semel(ante, o simulacro vive num  9ogo dBbio, movendo-se numa relação de presençaI aus/ncia. Eer muito parecido #como o é o simulacro-fantasma&, lança uma confusão nesta l5gica do dois, provocando uma aparição 'ue não surge como c5pia, mas 'ue nos parece ser a pr5pria presença. É, pois, este estatuto incerto da imagem 'ue causa o seu efeito performativo, 'ue não permite 'ue l(e se9amos al(eios, 'ue não deiou o monarca c(in/s dormir descansado. 2 espectro e o refleo, ou o duplo e a s5sia, são elementos do e'uvoco, 'ue fa4em vacilar as nossas certe4as. >) uma aura, “prestige ou rayonnement” #Debray, $!!%3 $8&, como l(e c(ama o autor, 'ue envolve a imagem e dela procede, operando uma mediação efectiva entre a'uele 'ue v/ e o visto. 0 esta caracterstica é imut)vel, não importa de 'ue regimes ou eras este9amos a falar. + 'uestão ainda se torna mais fundamental, ao acrescentar o facto de 'ue as imagens t/m um acesso universal. sto é, não () fronteiras de 'ual'uer tipo 'ue impeçam o ol(ar uma imagem, não (avendo necessidade de pré-compet/ncias pedag5gicas 1'uele 'ue v/. 2 mesmo 9) não acontece com as palavras, nota Debray. =este mbito, é preciso deter um con9unto de recursos #nomeadamente, dominar um determinado c5digo lingustico&, para aceder 1s palavras. 7orém, ol(ar uma imagem não é sin5nimo de a compreender. 7ercebe-se a estratégia do autor em sublin(ar este dado3 nas suas palavras, “il n’y a pas de dictionnaire du visile” #Debray, $!!%3 !&. + interpretação do 'ue se v/ não decorre do simples ol(ar. Denuncia 'ue se tem feito do recurso 5ptico um instrumento simultaneamente de percepção e de compreensão do mundo. 2 'ue se v/ tem-se eplicado  por si mesmo C é o 'ue Debray denomina de terrorismo da evidência. + videosfera em 'ue vivemos tem sido respons)vel por proceder a uma contracção da imagem e do seu referente. +'uilo para a 'ual a imagem indicia, est) nela pr5pria, abdicando de elementos eplicativos eteriores. + imagem visuali4ada aparece assim com uma auto-sufici/ncia arrogante, 'ue não permite outras (ip5teses eplicativas ou outras fontes de entendimento. Judo o 'ue um contemporneo precisa de saber, encontra-se na'uilo 'ue v/ C da retira a sua visão do mundo. Jodas as outras possibilidades ou alternativas ficam assim sufocadas  por este esmagamento da relevncia do visual nos nossos dias. Gogo, o visvel não deia margem nem 1 nuance, nem se'uer 1 contraposição. Kma tirania da evid/ncia visual leva a uma “réduction d*s liertés de déviance, d’opposition et d’invention” #Debray, $!!%3 L &. >), pois, nesta l5gica um binarismo tirnico entre o 'ue é, e o 'ue não é C a'uilo a 'ue o autor c(ama de teorema +ptico da exist*ncia , em 'ue a realidade é entendida como ser, se visvel, ou como não-ser, 'uando invisvel. Da concluir-se 'ue a videosfera, de 'ue estamos a tratar, emerge como das eras menos dialogantes da (umanidade, não admitindo desvios. =ão é de estran(ar pois 'ue, (o9e, a luta pela imaginação passe cada ve4 mais por uma luta contra a pr5pria imagem. É Debray 'ue o recon(ece C se o mundo apenas é a'uilo 'ue est) diante do ol(ar, então para (aver criação e invenção, () 'ue, não s5 se proceder a um afastamento dessa l5gica, como combat/-la, pelo facto de não o salvaguardar.  2 estudioso franc/s afere assim a emerg/ncia de uma nova ordem, 'ue se eprime numa cegueira simb5lica. De tanto 'uerer ol(ar, o mundo cegou. Deiou de conseguir admitir a  possibilidade de visuali4ar para l) do pr5prio visto, 'uanto mais fa4/-lo de facto. 2 mundo da videosfera passou a ignorar o imperceptvel pelo sentido visual, o 'ue não 'uer di4er 'ue a'uele l) não este9a. +penas 9) não o conseguimos ver, eactamente pela obsessão de 'uerer ver. Debray 'uestiona-se então3 “)omment voir ce qui nos aveugle” #Debray, $!!% 3 !H& C como ver a'uilo 'ue nos cega, se o 'ue nos fa4 ver o mundo, é o mesmo 'ue nos fa4 ficar cegos em relação a ele6 Mais 'ue problemati4ar a 'uestão, sente-se 'ue Debray, ao traçar este 'uadro, não a considera a mel(or proposta de futuro. 7ercebe-se 'ue esta nova e'uação da era visual, em 'ue se colocam a visibilidade, a realidade e a verdade como sin5nimos entre si #Visvel N Real N Verdadeiro&, não deia antever o mel(or dos cen)rios. 2 autor observa 'ue, ao alin(ar o valor de verdade com o de informação, se coloca a primeira numa l5gica de mercado, ou se9a, de oferta e procura. É verdadeiro apenas a'uilo 'ue tem um mercado? por conseguinte, o 'ue é invendvel, é irreal, falso, sem valor. nstaura-se desta maneira um tr)fico do real, 'ue o autor compara como funcionando como o tr)fico de 5rgãos, em 'ue a realidade sensvel é concebida como uma mercadoria. É o “pay for vie-”  ao bom estilo do mercantilismo televisivo. =esta l5gica de raciocnio, apenas aos ricos pertencer) o monop5lio do mundo sensvel, pois apenas estes poderão  pagar para ver. Desabafa o autor, de forma ir5nica, 'ue s5 nos resta, perante este cen)rio, gan(ar o totolotoO 7ercebemos assim, como a nossa margem de liberdade est) cada ve4 mais ameaçada.+ isso se 9untam os novos recursos 5pticos, a multiplicação de redes e a compleificação de circuitos, cu9a interposição medi)tica entre o ol(o e o visto ainda agudi4a mais a 'uestão. 2 ense9o maior pela visão tem levado ao desenvolvimento de toda uma tecnologia do fa4er-crer, em 'ue, como 9) referido, a imagem é sempre tomada como uma prova por si s5. 2s novos dispositivos do ol(ar auiliam a uma visão crescentemente omnisc5pica, através de pr5teses 'ue desmultiplicam a nossa informação e, acima de tudo, incrementam a faculdade (umana de intervenção no meio. nBmeros novos mecanismos t/m a9udado o >omem a apurar o sentido de visão tanto de si mesmo, como do universo, em geral. 7ara além dos raios-, dos infravermel(os ou dos raios gama, eiste também a optr5nica e as suas cmaras térmicas 'ue permitem locali4ar corpos em movimento 1 noite, sem se ser detectado. De igual modo, foram feitos avanços no diagn5stico médico, pelo advento da ecografia, dos ultra-sons e mesmo da ressonncia magnética. Judo isto tem  permitido ao ol(o (umano camin(ar no sentido de nada deiar por perscrutar, não s5 no corpo a 'ue pertence, mas igualmente nos oceanos, nos outros planetas, etc. É um novo ol(ar este, sem dBvida, mais tecnici4ado. Debray constata mesmo 'ue o entremetimento das novas pr5teses 5pticas é determinante nesta nova postura do ol(ar. Di43 “.ais au#ourd’hui, la larynx collectif comande la parole pulique < #Debray, $!!%3 !P&. sto é, assim como a laringe é o orgão do corpo através do 'ual saem os sons 'ue permitem a fala, também os novos dispositivos 5pticos passam a impor a visuali4ação do mundo. Metafori4ando, o autor eplica como a perspectiva de realidade 'ue temos é crescentemente mediada, interposta, encamin(ada. 2 'ue as pr5teses do ol(ar ocasionam é uma deslocali4ação 5ptica dos ob9ectos, através, por eemplo, da montagem cinematogr)fica ou do  zoom  televisivo, fragmentando o real e fa4endo proliferar as refer/ncias visuais. Debray d) alguns eemplos. :onsidera 'ue a desmateriali4ação dos suportes possibilitado pelo registo electromagnético leva a uma ;desreali4ação< do real eterior, ou 'ue os aparel(os tornados mais e mais em miniatura apenas contribuem para um encol(imento dos discursos l5gicos em ;micro-