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Análise de Sistemas de Potência (ASP) Introdução ao estudo do fluxo de carga – Sérgio Haffner Versão: 2/4/2009 Página 1 de 12 III – Introdução ao estudo do fluxo de carga A avaliação do desempenho das redes de energia elétrica em condições de regime permanente senoidal é de grande importância tanto na operação em tempo real do sistema quanto no planejamento de sua operação e expansão . Entre as informações a serem determinadas para uma condição definida de carga e geração se destacam as seguintes: • o carregamento das linhas de transmissão e transformadores; • o carregamento dos geradores; • a magnitude da tensão nas barras; • as perdas de transmissão; • o carregamento dos equipamentos de compensação de reativos (síncronos e estáticos).. A partir destas informações, é possível definir propostas de alterações a serem implementadas no sistema, com objetivo de tornar a sua operação mais segura e econômica. Entre as alterações possíveis na operação do sistema se destacam: • ajuste no despacho dos geradores; • ajustes nos dispositivos de controle de tensão (injeções de potência reativa, posição dos taps dos transformadores e status dos bancos de capacitores e reatores); • ajustes no intercâmbio com os sistemas vizinhos; • mudanças na topologia (ligar ou desligar alguma linha de transmissão ou transformador). Por outro lado, entre as alterações possíveis no planejamento da expansão do sistema se destacam: • instalação de novas plantas de geração; • instalação de novas linhas de transmissão e transformadores; • instalação de dispositivos de controle do fluxo de potência (FACTS 1 ); • interconexão com outros sistemas. III.1 – Definição do problema do fluxo de carga O problema do fluxo de carga ( load flow em inglês) ou fluxo de potência ( power flow em inglês) consiste na obtenção das condições de operação (magnitude e ângulo de fase dos fasores tensão nodal, a partir dos quais podem ser determinados os fluxos de potência ativa e reativa) em regime permanente de uma rede de energia elétrica com topologia e níveis de geração e consumo conhecidos. Na formulação básica do problema do fluxo de carga em sistemas elétricos são associadas quatro variáveis a cada barra da rede (que representa um nó do circuito elétrico equivalente): k V – magnitude do fasor tensão nodal da barra k ; k θ – ângulo de fase do fasor tensão nodal da barra k ; k P – injeção líquida (geração menos carga) de potência ativa da barra k ; k Q – injeção líquida de potência reativa da barra k . Por outro lado, aos ramos da rede (cujas barras extremas são k e m ) associam-se as seguintes variáveis: km I – fasor da corrente que sai da barra k em direção à barra m ; km P – fluxo de potência ativa que sai da barra k em direção à barra m ; km Q – fluxo de potência reativa que sai da barra k em direção à barra m . No fluxo de carga convencional, definem-se três tipos de barras , em função das variáveis que são conhecidas (dados do problema) e incógnitas, conforme mostra a Tabela III.1. 1 Flexible AC Transmission System . Análise de Sistemas de Potência (ASP) Introdução ao estudo do fluxo de carga – Sérgio Haffner Versão: 2/4/2009 Página 2 de 12 Tabela III.1 – Tipos de barra no fluxo de carga convencional. Tipo de barra Notação Dados Incógnitas Barra de carga PQ k P e k Q k V e k θ Tensão controlada PV k P e k V k θ e k Q Referência V θ k V e k θ k P e k Q De forma geral, as barras de carga aparecem em maior número e representam as subestações de energia elétrica nas quais estão conectadas as cargas do sistema elétrico; em segundo lugar, as barras de tensão controlada representam as instalações que possuem geradores que podem realizar o controle da sua tensão terminal (por intermédio do seu controle de excitação) e também as barras cuja tensão pode ser controlada por intermédio do ajuste do tap de algum transformador. A barra de referência é única e imprescindível na formulação do problema em função de dois fatores: • necessidade matemática de estipular um ângulo de referência (geralmente igualado a zero); • para fechar o balanço de potência da rede pois as perdas de transmissão não são conhecidas a priori, ou seja, não é possível definir todas as injeções de potência do sistema antes de conhecer as perdas que são função dos fluxos de potência na rede. Exemplo III.1 – Considere o sistema elétrico composto por duas barras e uma linha de transmissão ilustrado na Figura III.1. Para este sistema, são conhecidos o fasor tensão na Barra 1 (utilizada como referência angular pois 0 1 = θ ), 1 V , e a demanda de potência da Barra 2 (que constitui uma barra de carga ), 2 S . Deseja-se determinar o fasor tensão na Barra 2, 2 V , e a injeção líquida de potência da Barra 1, 1 S . pu 01 1 = V 1 2 ( ) pu 4,08,0 2 jS += 222 θ V V = ( ) pu 1,001,0 j Z LT += 1 S 12 I Figura III.1 – Sistema elétrico de potência. Solução Exemplo III.1: Embora o sistema elétrico da Figura III.1 seja extremamente simples, a determinação do fasor tensão da Barra 2 não é imediata. De acordo com os tipos de barra definidos na Tabela III.1, a Barra 1 é a referência, pois seu fasor tensão é conhecido, e a Barra 2 uma barra de carga, pois sua a injeção de potência é conhecida. Da análise do circuito elétrico, observa-se que a tensão na Barra 2 está vinculada com a corrente 12 I que percorre a linha de transmissão pois: 1212 I Z V V LT −= e, por outro lado, a corrente que circula na linha de transmissão 12 I é função da tensão da Barra 2 pois a grandeza conhecida nesta barra é a potência demandada, assim *2212 = V S I Substituindo a expressão da corrente 12 I na expressão da tensão na Barra 2 tem-se: 12 *2212 I LT V S Z V V −= *2 V × ⇒ *2*22*21*22 V V S Z V V V V LT −= *2*2122 S Z V V V LT −= Análise de Sistemas de Potência (ASP) Introdução ao estudo do fluxo de carga – Sérgio Haffner Versão: 2/4/2009 Página 3 de 12 Solução Exemplo III.1 (continuação): Substituindo os valores conhecidos, chega-se a: ( )( ) ( ) 076,0048,0sencos4,08,01,001,001 22222 22 j jV j jV V −−−=−+−−= θ θ θ 076,0048,0sencos 222222 jV jV V ++=− θ θ Esta é uma equação a números complexos que pode ser resolvida separando-se as partes real e imaginária, de forma a obter duas equações a números reais: 048,0cos 2222 += V V θ 076,0sen 22 −= θ V A solução analítica para 2 V deste sistema não linear de equações pode ser obtida somando-se o quadrado das duas expressões 2 e eliminando-se, assim, a variável 2 θ . ( ) ( ) 002304,0096,0048,0048,02048,0cos 224222242222222 ++=+×+=+= V V V V V V θ + ( ) ( ) 005776,0076,0sen 2222 =−= θ V = ( ) ( ) ( ) ( ) 222222 sencos2242222222 005776,0002304,0096,0sencos θ θ θ θ V V V V V V +++=+ ( ) ( ) [ ] 00808,0096,0sencos 22421222222 ++=+ = V V V θ θ ⇒ ( ) 000808,01096,0 2242 =+−+ V V 000808,0904,0 2242 =+− V V As soluções da equação biquadrada são dadas por: 4430,04520,0 1200808,014904,0904,0 222 ±≈×××−± = V 4430,04520,0 2 ±±= V Têm-se, assim, 4 soluções para o sistema de equações: { } 0949,0;0949,0;9460,0;9460,0 2 −+−+= V Os valores negativos não têm significado, pois 2 V representa o módulo da tensão. Como o sistema elétrico não pode operar com valores muito baixos para a tensão (0,0949 pu, por exemplo) a única solução válida é dada por pu 9460,0 2 = V . Conhecido o valor de 2 V , o valor de 2 θ pode ser obtido através da expressão: 076,0sen 22 −= θ V ⇒ ( ) 0803,0sen 9460,0076,0sen076,0sen 11212 −≈ −= −= −−− V θ 61,4rad 0804,0 2 −=−= θ Após a determinação do fasor 2 V , a injeção de potência da Barra 1 pode ser obtida diretamente: pu 18,319455,04894,08089,0 61,49460,0 4,08,0 **2212 −=−= −+= = j jV S I ( ) **1211 18,319455,001 −== I V S pu 18,319455,04894,08089,0 1 =+= jS 3 Conhecido o valor de todas as injeções, podem-se determinar as perdas no sistema de transmissão: pu 31,840898,00894,00089,04,08,04894,08089,0 21perdas =+=−−+=−= j j jS S S 2 Desta forma, aparece a soma dos quadrados de um cosseno e um seno de mesmo argumento que é igual a 1 e que permite eliminar o ângulo de fase. Lembrar que 1sencos 22 =+ α α . 3 Observar que como o sistema possui perdas, o valor da injeção da Barra 1 é diferente do valor demandado na Barra 2. Análise de Sistemas de Potência (ASP) Introdução ao estudo do fluxo de carga – Sérgio Haffner Versão: 2/4/2009 Página 4 de 12 Solução alternativa Exemplo III.1 : A partir das equações da corrente 12 I e da tensão 2 V é possível construir um procedimento iterativo rudimentar para determinar o valor da tensão na Barra 2. O procedimento compreende os seguintes passos: i. Fazer 0 = ν e estipular um valor inicial para 2 V , por exemplo: pu 01 102 == V V . ii. Em função do valor atual de ν 2 V , calcular o valor da corrente 12 I : *2212 = ν ν V S I iii. Se 11212 − ≈ ν ν I I , então o processo convergiu e a solução é dada por ν 22 V V = . Caso contrário prosseguir. iv. Calcular o novo valor para ν 2 V , em função do valor calculado anteriormente: ν ν 12112 I Z V V LT −= + v. Fazer 1 += ν ν e retornar para o Passo (ii). Aplicando este procedimento para o problema são obtidos os resultados mostrados na Tabela III.2. Tabela III.2 – Resultados do procedimento iterativo. Iteração ν ν 2 V [pu] ν 12 I [pu] 0 01 57,268944,0 − 1 56,49550,0 − 13,319365,0 − 2 56,49466,0 − 13,319449,0 − 3 61,49461,0 − 17,319454,0 − 4 61,49460,0 − 17,319454,0 − Os resultados mostrados na Tabela III.2, foram obtidos executando-se a seguinte rotina em M ATLAB 4 . % disponivel em: http://slhaffner.phpnet.us/sistemas_de_energia_1/exemplo_VI_1.m clear all saida=fopen('saida.txt','w'); v1=1+0i; z=0.01+0.1i; v2=1+0i; for k=1:10, i12=conj((0.8+0.4i)/v2); y=[k abs(v2) angle(v2)*180/pi abs(i12) angle(i12)*180/pi]; fprintf(saida,'%2.0f %6.4f %6.2f %6.4f %6.2f\n',y); v2=v1-z*i12; end fclose(saida); Para sistemas elétricos de maior dimensão, a solução analítica se torna impraticável, restando apenas os métodos numéricos. Exercício III.1 – Refazer o Exemplo III.1 considerando que a carga na Barra 2 é do tipo: a) Impedância constante, sendo ( ) 2 10,5pu Z j = + ; b) Corrente constante, sendo ( ) 2 0,80,4pu I j = − . Exercício III.2 – Determinar os dados e as incógnitas do problema de fluxo de carga convencional de um sistema composto por 4 barras ( ) 4,,1,,,, ⋯ = iV QP iiii θ , sabendo que a Barra 1 é a referência (V θ ), a Barra 3 é de tensão controlada (PV) e as demais barras são de carga (PQ). 4 M ATLAB é marca registrada pertencente à The MathWorks, Inc. Análise de Sistemas de Potência (ASP) Introdução ao estudo do fluxo de carga – Sérgio Haffner Versão: 2/4/2009 Página 5 de 12 Como conseqüência da imposição da Primeira Lei de Kirchhoff para uma barra qualquer do sistema elétrico da Figura III.2 tem-se que a potência líquida (geração menos carga) injetada nesta barra é igual à soma dos fluxos de potência que deixam esta barra, ou seja, têm-se duas equações : ( ) ∑ Ω∈ = k mmk mk kmk V V PP θ θ ,,, (III.1) ( ) ( ) ∑ Ω∈ =+ k mmk mk kmk shk k V V QV QQ θ θ ,,, (III.2) sendo: NBk ,,2,1 ⋯ = – índice de todas as barras do sistema, sendo NB o número de barras do sistema; k Ω – conjunto de barras vizinhas da barra k ; mk V V , – magnitude dos fasores das tensões terminais do ramo k-m ; mk θ θ , – ângulo de fase dos fasores das tensões terminais do ramo k-m ; kmkm QP , – fluxo de potência ativa e reativa no ramo k-m ; shk Q – componente da injeção de potência reativa devido ao elemento em derivação ( shunt ) da barra k ( ) 2 k shk shk V bQ = . k shk jQm 11 k k jQP + 12 22 k k jQP + kmkm jQP + k k jQP + Figura III.2 – Sistema elétrico de potência. Nas expressões (III.1) e (III.2), os fluxos de potência ativa e reativa nos ramos (linhas de transmissão, transformadores em fase, defasadores puros e defasadores), obedecem às seguintes expressões gerais 5 : ( ) ( ) ( ) ( ) [ ] kmkmkmkmkmkmmk kmkmk kmkm bgV V agV aP ϕ θ ϕ θ +++−= sencos 2 (III.3) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) [ ] kmkmkmkmkmkmmk km shkmkmk kmkm bgV V abbV aQ ϕ θ ϕ θ +−+−+−= cossen 2 (III.4) De acordo com o tipo de equipamento, os parâmetros km a , km ϕ e shkm b assumem valores particulares, mostradas na Tabela III.3. Tabela III.3 – Parâmetros para os diferentes equipamentos nas expressões gerais dos fluxos. Equipamento km a km ϕ shkm b Linha de transmissão 1 0 Transformador em fase 0 0 Transformador defasador puro 1 0 Transformador defasador 0 Assim, o problema do fluxo de carga consiste em resolver o sistema de equações (III.1) e (III.2) tendo como dados e incógnitas as variáveis descritas na Tabela III.1. 5 Para mais detalhes, vide Capítulo II, Seção II.7.