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Capítulo V Melancolia,utopia E Ilusão Destrutiva: Marcuse E

CAPÍTULO V MELANCOLIA,UTOPIA E ILUSÃO DESTRUTIVA: MARCUSE E

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  CAPÍTULO VMELANCOLIA,UTOPIA E ILUSÃO DESTRUTIVA: MARCUSE E REICH  “Na realidade, há mais fantasia entre eles doque entre nós. Podem organizar-se para a justiça, mas, tendo repudiado o Cristo,acaar!o por inundar o mundo de sangue,porque o sangue chama o sangue e o querandir a espada perecerá pela espada." #$alado staretz   %ózimo sore a utopia dosre&olucionários ateus, em Os   IrmãosKaramazov  , de 'ostoi(&s)i* 1. Introdução. +topia significa, quanto  srcem grega do termo # topos *, o quen!o eiste em qualquer lugar, o que falta, mas tam(m o que n!oestá em ordenado, indicando insatisfaç!o, inconformidade e, emuma sociedade dada, conscincia cr/tica que cont(m uma atitudepol/tica de rejeiç!o, mas, ao mesmo tempo, de esperança em lograr oque falta ou de concertar o que está desconcertado, ainda que possaocultar a d0&ida quanto  possiilidade de faz-lo.'e qualquer modo, a utopia define-se, assim, por suaperspecti&a cr/tica positi&a, construti&a e feliz, como o oposto da realpolitik  , termo que foi conceido para designar, mais do que umaconcepç!o conser&adora da mudança sociopol/tica, um curso dedecis!o pol/tica que, suscitando ojeç1es morais, justifica-se comoimposta por uma realidade ineorá&el, que n!o admite qualquer outraalternati&a.Contudo, 2ar e 3ngels recorreram ao termo socialismo utópico para desqualificar 4 por oposiç!o ao marismo, que identificaramcomo socialismo científico 4 a ora dos socialistas precedentes, emcomo dos socialistas contempor5neos que n!o assumiam a identidademarista, emora se ti&essem apropriado de muitos conceitos ecategorias daqueles que assim desqualifica&am. 6l(m da usurpaç!o,há outra per&ersidade na atitude dos fundadores do marismo7 o 173  socialismo ( um projeto pol/tico entre outros, como o lieralismo ou ademocracia social, e nenhum projeto pol/tico pode in&ocar a cinciapara afastar projetos pol/ticos alternati&os.8 necessário considerar um outro e importante tipo de utopia7aquela que contrap1e a um momento sociopol/tico presente,identificado pela etrema pri&aç!o e infelicidade do gnero humano aum futuro distante, de reapropriaç!o pelo homem de sua natureza ede realizaç!o de sua felicidade definiti&a. 6 per&ersidade desta utopiaconsiste em ela trazer consigo uma ética de fins últimos , quereduzem todos os outros elementos da eistncia presente a meiosque, destitu/dos de natureza moral em si mesmos, de&em ser julgados apenas por sua suordinaç!o queles fins, necessariamenteantecipados e imaginários7 encontra-se aqui a essncia dototalitarismo 4 especialmente o marista e comunista 4 no qual aosess!o pela felicidade do homem astrato do futuro se con&erte em rationale  para justificar a consideraç!o do indi&/duo humano concretocomo supérfluo .3nfim, há uma utopia que ( capaz de produzir a mais s0itadestruti&idade re&olucionária7 trata-se daquela que no s(culo 9:9 foisintetizada por ;a)unine na di&isa “ Sede realistas, demandai oimpossível”   que, con&ertida em pala&ra de ordem e profusamenteeiida em cartazes nos muros de Paris, catapultou suitamente areeli!o uni&ersitária de maio de <=>? na @oronne e em Nanterre,atemorizando, segundo o depoimento de AaBmond 6ron, o ra&oeneral 'e aulle, e epandindo-se pela 3uropa, pela 6m(rica Datinae pelo mundo.3m <?>E, 6lphonse de Damartine escre&eu uma cr/tica calorosaao romance Os Miserveis , de Fictor Gugo, com o qual possu/a umaestreita amizade, na qual fez uma oser&aç!o que re&ela o segredoda estraté!ia do impossível"  “6 mais homicida e mais terr/&el das pai1esque se pode infundir s massas ( a pai!o do 174  impossível H...I e a primeira dessasimpossiilidades ( o desaparecimento detodas as nossas mis(rias."  < Damartine era um lieral-conser&ador militante, fora l/der domo&imento que depusera Du/s $elipe em fe&ereiro de <?J? eparticipara do Conselho de o&erno que em junho dera poderesetraordinários ao eneral Ca&aignac para reprimir o le&ante popularde Paris.K mesmo depoimento a respeito das consequncias pol/ticasdestruti&as da moilizaç!o, pela esquerda, na direç!o do imposs/&el,encontrar-se-ia em Melancolia da #s$uerda , ensaio escrito em <=LEpelo filósofo radical alem!o Malter ;enjamin7 “...este radicalismo da esquerda...n!o se situa esquerda desta ou daquela orientaç!o, massimplesmente, de modo asoluto, % es$uerdado    possível   enquanto tal."  E 6 caracter/stica mais importante e difundida dos mo&imentosradicais re&olucionários consiste precisamente em franquear oslimites do poss/&el.Possu/do por uma pai!o monoide/sta e osessi&a pela história,2ar elaorou uma teoria e uma estrat(gia pol/ticasetraordinariamente preocupadas com os limites e mesmo com aimpossiilidade deri&ados de cada fase do desen&ol&imento histórico-social, isto (, com o &oluntarismo pol/tico que &iola aquelas quedenomina&a leis &istórico'naturais . 2as, ignorou completamente astens1es, os limites e as impossiilidades da natureza humana, quedissol&era na historicidade pura. 1  Em meio às minhas reflexões sobre a promessa da passagem de uma infelicidade presente,ilusoriamente absoluta, para uma felicidade absoluta futura, que constituiu em todos os tempos econstitui ainda hoje a base dos processos de mobiliza!o re"olucion#rio$totalit#ria da ordem social % apareceu$me surpreendentemente a cr&tica de 'amartine ao romance de (ictor )ugo, graas aomagn&fico li"ro de *ario (argas 'losa,  A Tentação do Impossível: Victor Hugo e Os Miseráveis ,recentemente editado no +rasil, no qual se encontra a cita!o acima -a incompreens!o ing.nua ou nainaceita!o paranoide dos limites da natureza humana encontra$se o substrato sobre o qual os personagens e as organizaões sinistras que operam pelo alto a difus!o da doena totalit#ria 2  / cita!o encontra$se na Ep&grafe de Ernildo 0tein ao seu excelente li"ro Órfãos de topia: a Melancolia da !s"uerda  orto /legre, Editora da 2ni"ersidade ederal do io 5rande do 0ul, 1663, p  17  Pois, se s!o os homens que fazem a história 4 e essa ( umafrase que, desde 2ar at( Ple)háno&, cada marista repetiu mais deuma &ez 4 ent!o a natureza humana tem precedncia ontológicasore a história humana e só ela dita constrangimentos, limites ouimpossiilidades uni&ersais e asolutos. ;arreiras históricas podem e,com alguma saedoria, tal&ez at( de&am ser franqueadas.ransgredir alguma impossiilidade da natureza humana ( loucura,para a qual 3ur/pides ad&ertira, ()upiter primeiro enlou$uece a$uelesaos $uais $uer punir”  .6s citaç1es de Damartine e de ;enjamin, e o slogan a)uninistada reeli!o estudantil parisiense de <=>? alertam para asconsequncias per&ersas deri&adas do esquecimento daqueles limitese do apelo emocional mal&ado ao po&o comum para franqueá-los. . M!"#n$o"%# d# E&'u!rd#. 3ntre os gregos e os medie&ais fazia-se a distinç!o entreindi&/duos nos quais os elementos da psique encontra&am-se emequil/rio entre si 4 o que 'emócrito denominara eut&*mia , ou omhumor 4 e os indi&/duos nos quais aqueles elementos encontra&am-semal distriu/dos7 a melan   k&olé , melancolia , identificada pela +ílisne!ra . K termo perpetuou-se, idealizado pelos homens de letras,especialmente pelos poetas. 6penas entre o fim do s(culo 9:9 e oin/cio do s(culo 99, a melancolia integrou-se  nosografia psiquiátricacomo resultado da ora cuidadosa de seu fundador, 3mil Oraepelin,que a incluiu no quadro geral da  psicose maníaco'depressiva .K filósofo e psicanalista 3rnildo @tein, em seu li&ro iluminado, rfãos de -topia" a Melancolia da #s$uerda , faz re&elaç1essugesti&as a esse respeito, entre as quais a de que já 'emócrito,conhecido por seus contempor5neos por sua filosofia cr/tica econtestatória, retirando-se do con&/&io da  polis  fora considerado loucomesmo por seus disc/pulos mas, depois de eaminá-lo, Gipócrates 178  chegou  conclus!o de que n!o era louco, mas apenas representa&aum risco para a  polis . L :nclu/da ou n!o na nosologia psiquiátrica, o que parece certo (a eistncia de uma associaç!o consistente entre a melancolia 4 oupsicose man/aco-depressi&a 4 e a fiaç!o ou mesmo a monomaniare&olucionária, a puls!o destruti&a em relaç!o ao amiente eternomais amplo.6s heresias crist!s imanentistas, gnósticas e quiliásticas, quedesafiaram, na 3uropa, entre os s(culos 9: e 9F:, com energiare&olucionária e &iolncia armada, a feudalidade, o :mp(rio e a:greja, eram mo&idas n!o apenas pelo senso da opress!o e dainjustiça mas por crenças utópicas difundidas por profetas queeiiam claros traços de melancolia.Contudo, ( importante distinguir entre si duas &ariedadesfundamentais de utopia .6 primeira ( aquela cujos autores pretendem que de&a serentendida segundo o sentido estrito da etimologia grega, isto (, comoa descriç!o de uma   sociedade $ue não e.iste em lu!ar al!um , umasociedade ideal, por$ue e.iste apenas na mente , mas poderia eistirem sua plenitude se a natureza humana, emora perfect/&el, n!oconti&esse imperfeiç!o e inclinaç!o ao mal moral e se, por outrolado, no mundo e na história, n!o hou&esse contin!/ncia . 3nfim, estetipo de utopia ( erguido sore uma conjetura, mas n!o sore a ideiade necessidade causal ou teleológica, ou de amas, ou mesmo sorea ideia de possiilidade.6s utopias clássicas da (poca do Aenascimento e da Aeforma 4  0 -topia , de homas 2ore,  0 1idade do Sol  , de ommaso Campanela,e  0 2ova 0tl3ntida , de $rancis ;acon 4 pertencem a essa primeira&ariedade7 s!o realmente ensaios de cr/tica sociopol/tica sensata masprofunda, emora sutilmente dissimulada, com perspicaz sentido de 3  Ernildo 0tein Órfãos de topia: a Melancolia da !s"uerda  orto /legre, Editora da2ni"ersidade ederal do io 5rande do 0ul 1663 177