Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Livro Reportagem Abinoan Santiago

1 2 3 Abinoan Santiago Inquérito 681 Operação Mãos Limpas Os bastidores da investigação que trans- formou o cenário político do Amapá Macapá 2016 4…

   EMBED


Share

Transcript

1 2 3 Abinoan Santiago Inquérito 681 Operação Mãos Limpas Os bastidores da investigação que trans- formou o cenário político do Amapá Macapá 2016 4 SANTIAGO, Abinoan Inquérito 681 - Operação Mãos Limpas: Os bastidores do maior escândalo político do Amapá. 1ª Ed. - Macapá, AP - 2016. FICHA TÉCNICA Autor: Abinoan Santiago dos Santos Orientador: Prof. Msc. Antônio Sardinha Capa: Remilton Silva Diagramação: Abinoan Santiago Produto elaborado como trabalho de conclu- são de curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Amapá 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 6 CAPÍTULO I 12 10 de setembro de 2010, o dia que ainda não terminou CAPÍTULO II 63 O embrião da Mãos Limpas e a lenda urbana Marba CAPÍTULO III 84 Discípulos italianos CAPÍTULO IV 106 A queda CAPÍTULO V 134 O feitiço contra o feiticeiro CAPÍTULO VI 160 O renascimento 6 AGRADECIMENTOS Não tenho religião, mas acredito na necessi- dade de as pessoas terem um ser espiritu- al como refúgio. Sendo assim, agradeço a Deus pela vida. Também sou grato à Babi Cantuária, pela complicidade e compreensão; ao professor orientador Antônio Carlos Sardinha pela paciên- cia e sempre ter acreditado neste trabalho; aos amigos de uma forma geral e; as instituições pú- blicas que auxiliaram na investigação dos fatos apurados em relação a Mãos Limpas. 7 SOBRE O AUTOR Abinoan Santiago dos Santos, 23 anos e gra- duando em Jornalismo pela Universidade Federal do Amapá. Com passagens pelas reda- ções do Tribuna Amapaense, Diário do Amapá, Portal Cotidiano, Café com Notícia e assessoria de comunicação, atualmente sou editor do por- tal G1 no Amapá, lugar onde comecei como es- tagiário. 8 INTRODUÇÃO Era 9 de novembro de 2013. Após uma via- gem cansativa de Macapá para o Rio de Janeiro, um senhor que aparentava ter cerca de 60 anos me esperava no saguão do aeroporto do Tom Jobim, o Galeão, para me levar ao hotel, na Rua Alice, em Laranjeiras, bairro tradicional ca- rioca, onde fica a sede do Fluminense, clube de coração do meu pai. Fui assistir a um show de rock de uma das mi- nhas bandas preferidas. O percurso do aeroporto Galeão ao hotel durou cerca de meia hora, o tem- po suficiente para conversar com o motorista. Ele puxou assunto perguntando de onde eu era. Nascido em Macapá, disse ser amapaense. Ao saber da minha origem, o taxista questionou em tom de ironia se era o estado onde o governa- dor havia sido preso. Não pude esconder, é claro, e apenas confirmei, sem entrar muito no mérito 9 do fato. Pois bem, a prisão citada pelo taxista se refere a uma das maiores operações de combate a cor- rupção realizada até então no país, a Mãos Lim- pas, deflagrada em 2010 no Amapá. O questionamento do motorista sobre a prisão das maiores autoridades públicas do Amapá pa- recia ser apenas mais uma pergunta de um ta- xista que busca conversar com os clientes. Mas para mim, não. O que me deixou intrigado nessa viagem foi uma constatação feita em outras an- teriores e demais realizadas depois: a curiosida- de das pessoas de outros estados pela política do Amapá. Quando digo que sou do Amapá em outros es- tados fora da região Norte - que é muito parecida entre si - causa inquietação e as perguntas come- çam aparecer. Entre os mais diversos questiona- mentos que poderiam ser feitos, sempre tem um da política local. Não é para menos. Um dos motivos para o con- 10 texto político amapaense chamar tanta atenção é relacionado diretamente com a reviravolta que o pleito eleitoral de 2010 teve devido a maior ope- ração feita na história da Polícia Federal (PF) até então, sendo superada somente anos mais tarde pela “Lava Jato”, que fez uma devassa na Petro- brás, com prisões de políticos e empresários das maiores empreiteiras do país. Chamada de “Mãos Limpas”, a operação parou o Amapá em uma sexta-feira, 10 de setembro de 2010. Nunca antes a Polícia Federal montou um esquema como aquele orquestrado no Amapá. A estratégia tinha a proposta de prender uma suposta quadrilha. O bando, no entanto, não era de roubos a bancos ou tráfico de drogas do quila- te de “El Chapo” ou “Pablo Escobar”. Era de au- toridades públicas até então protegidas pela sen- sação de harmonia entre os poderes, que fingiam fiscalizar e ao mesmo tempo simulavam estarem sendo fiscalizadas. Foram 18 presos naquela manhã de verão du- 11 rante a Mãos Limpas. Foram encarcerados o en- tão governador do Amapá, Pedro Paulo Dias de Carvalho; o seu antecessor e à época candidato ao Senado, Waldez Góes; a ex-primeira dama Marília Góes; o presidente do Tribunal de Con- tas do Estado (TCE), Júlio Miranda e; o secre- tário de Educação, Adauto Bittencourt; além de servidores e empresários. Com estratégias consideradas cinematográfi- cas às vésperas das eleições daquele ano, a Mãos Limpas desperta interesse até os dias de hoje. Não apenas em amapaenses, mas em pessoas que nunca pisaram no estado. Essa curiosidade é causada pela relação direta de investigações com as autoridades públicas locais, fazendo o Amapá ter casos de corrupção como referências nacio- nais negativas além dos nossos potenciais, como a linha do equador e a Fortaleza de São José de Macapá. A curiosidade causada nas pessoas sobre a operação também fez acender a luz da minha, 12 existente no sangue dos jornalistas por vocação pelo fato de a cobertura da imprensa local à épo- ca ter deixado de responder várias perguntas. Por que a Mãos Limpas chama tanta atenção? Por que ela foi deflagrada? As pessoas presas foram condenadas ou respondem a algum pro- cesso? Quais foram os esquemas descobertos na operação? Qual a influência da operação nas dis- putas pelo poder político local? Para buscar essas e outras respostas foram meses de pesquisas, com leituras de pilhas de inquéritos compostos por vastos conteúdos comprobatórios por meio físico e digital, além de horas de escutas de áudios de interceptações telefônicas, dias de entrevistas com pessoas rela- cionadas com a operação Mãos Limpas e madru- gadas escrevendo este livro. Mais que uma obra, o livro-reportagem traz à tona os bastidores sobre a Mãos Limpas, outra ótica sobre a até então a maior operação feita pela Polícia Federal e uma interpretação de como 13 os fatos policiais afetaram políticos e mudaram o rumo de um estado brasileiro. Além disso, o livro mostra como o comporta- mento de forças oligárquicas em uma unidade da federação ainda em amadurecimento políti- co de suas instituições de controle e sensação de impunidade contribuiram para explodir um dos maiores escândalos de corrupção no Brasil. 14 CAPÍTULO I 10 de setembro de 2010, o dia que ainda não terminou Quem compareceu na noite de 9 de se- tembro de 2010 na Rua João Almeida do Nascimento, no bairro Pantanal, na Zona Norte de Macapá, pôde acompanhar um dos últimos atos em liberdade do então governador amapaense Pedro Paulo Dias de Carvalho, do ex-governador Waldez Góes e da esposa, Marí- lia Góes. O palanque era enorme, como de praxe nas campanhas do PDT e PP naquele ano. Com mi- lhares pessoas em volta da estrutura montada na única praça do bairro, Pedro Paulo mostrava empolgação devido a última pesquisa de inten- ções de votos para governador divulgada pelo Ibope. Pedro Paulo tentava a reeleição. Ele assumiu 15 em maio daquele ano após Góes deixar o gover- no para concorrer ao Senado. Com a coligação “O trabalho precisa continuar”, o progressista tinha com ele uma das maiores bases políticas. Apoiavam a sua reeleição o PRB, PDT, PSL, PR, DEM, PHS, PC do B e PT do B. Apesar de ter oito siglas nas mãos, a campa- nha não começou bem. O uso da máquina públi- ca, no entanto, fez Pedro Paulo ganhar força e o sentimento de “podemos vencer” ficou cada vez mais forte ao longo da campanha. Outro motivo para a campanha de Pedro Pau- lo ter sido turbinada foi a eleição quase garanti- da de Waldez Góes, que à época estava com mais da metade das intenções de votos para o Senado, conforme as duas primeiras pesquisas divulga- das pelo Ibope. Aquele showmício do dia 9 de setembro pare- cia ser um marco na campanha de Pedro Paulo e Waldez Góes. E foi. Um fato, inclusive, chamou atenção. 16 - Existia um homem bêbado logo a frente, per- to do palanque, que ao longo do showmício fi- cou falando várias coisas. Algo que ele disse na- quele dia chamou atenção depois da operação. Ele apontou para o palanque e gritou que todos eram ladrões e estariam presos no dia seguinte – lembrou Pedro Da Lua, deputado estadual, que à época apoiava a reeleição de Pedro Paulo. Coincidência, profecia ou apenas palavras lançadas ao vento por ‘bebum’? Ninguém sabe. Mas a frase dita pelo bêbado se concretizou na maior ação policial realizada contra autoridades suspeitas de atos de corrupção, desde a fundação da Polícia Federal em 28 de março de 1944. Ali, no dia 10 de setembro de 2014, era deflagrada a operação Mãos Limpas. Enquanto Pedro Paulo, Waldez e Marília Góes bradavam gritos de ordem, lançavam promessas e conduziam a empolgação da militância naque- la noite do dia 9 de setembro, a operação Mãos Limpas já havia começado. 17 Foram cerca de 700 pessoas envolvidas, entre agentes da PF, servidores da Controladoria Ge- ral da União e Receita Federal. O contingente era tão grande que não coube em um avião. A discrição da operação tinha que ser total. A cidade, que à época, era de cerca de 400 mil habitantes, vivia rodeada de boatos sobre ações da Polícia Federal. Afinal, antes da Mãos Lim- pas, outras seis foram deflagradas no governo do PDT, entre 2003 e 2010. O Amapá virou alvo fá- cil para a Polícia Federal? Talvez não, mas com certeza os políticos tornaram-se presas constan- tes. Com um efetivo tão grande de pessoas envol- vidas, qual seria a alternativa para eles chega- rem ao Amapá? Pelo ar, o desembarque dos ho- mens de preto poderia ser facilmente notado por curiosos e a falta de vias terrestres interestaduais impossibilitava trazê-los em veículos. A saída encontrada pelos policiais foi o trans- porte fluvial. Agentes de Macapá e demais esta- 18 dos foram deslocados para Belém, no Pará, e de lá embarcaram no tradicional navio Comandan- te Solon, que ironicamente pertencia ao governo do Amapá, mas que na ocasião estava sob posse de uma empresa que fazia linha entre a capital paraense e o município de Breves. Devido a ocasião especial, o Comandante So- lon tomou outra rota. O curioso é que uma atitu- de do governo do Amapá anos antes poderia ter evitado a Polícia Federal de utilizá-lo. A embarcação é de propriedade do poder exe- cutivo desde 1983 e ficou administrada pela ex- tinta Superintendência Estadual de Navegação do Amapá (Senava) até 1998, quando foi transfe- rida por meio de concessão para a empresa Bom Jesus, que explorou a rota Macapá/Belém/Ma- capá por cinco anos. Mesmo após o encerramento do contrato de concessão em 2003, a empresa mudou de rota e continuou usando o navio sem pagar aluguel e o governo fez vistas grossas para a exploração da 19 embarcação. Somente quase uma década depois, em 2012, o Comandante Solon voltou para a ad- ministração do estado, após decisão da Justiça. Bom para a Polícia Federal. Com 64 metros de comprimento e 12 de lar- gura, o Comandante Solon tem capacidade para transportar 955 passageiros, número mais que suficiente para ser escolhido pela PF para em- barcar os seus agentes de Belém até Macapá. O navio saiu da capital paraense na madruga- da do dia 9 de setembro e chegou 24 horas de- pois, no porto de Santana, a 17 quilômetros de Macapá. - Eu trabalhava no Amapá e tive que ir para Belém e embarcar no Comandante Solon. Não sabia o motivo da operação nem os alvos. Não sabíamos de nada – contou um agente da Polí- cia Federal que preferiu manter a identidade não revelada. E ninguém realmente sabia sobre a operação Mãos Limpas. Durante a viagem entre as capi- 20 tais, os agentes se debruçavam em hipóteses sobre o que aconteceria no Amapá após o de- sembarque da multidão de servidores da Polícia Federal. Apesar do mistério, todos tinham certe- za de algo: não era qualquer operação. O desembarque em Santana ocorreu entre 3h e 4h da madruga de 10 de setembro. O tempo estava contra a maré dos policiais. Como a maio- ria dos agentes não morava no Amapá, coube aos servidores locais da Superintendência da Polícia Federal indicar os alvos. E não eram poucos. Foram expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça 18 mandados de prisão temporária, 87 de condução coercitiva e 94 de busca e apreen- são em diversos endereços de Macapá. A opera- ção ganhava ares cinematográficos característi- cos da ação homônima de grande envergadura ocorrida na Itália, nos anos 1990, que também rendeu prisão de autoridades por crimes de cor- rupção e se chamava Mãos Limpas. Ao saírem do Comandante Solón, o dia para 21 os agentes federais estava apenas começando. Quem dormiu ou descansou na viagem se deu bem, afinal, a proporção da operação amapaen- se renderia um desgaste físico, ocasionado não apenas pela maratona de cumprimento de man- dados, mas também pelo conflito psicológico da responsabilidade de colocar algemas nas maiores autoridades públicas de um estado brasileiro. Pouco mais de cem veículos foram alugados em Macapá horas antes de as locadoras fecha- rem o expediente da quinta-feira, 9 de setembro de 2010. Eram tantos carros que as empresas quase não deram conta de prestar serviço para a operação. Na madrugada do dia seguinte, todos estavam a postos para atuarem na Mãos Limpas. Os agen- tes federais entraram nos carros somente após receberem instruções da equipe que comandava a operação. Mapas e fotos das casas dos alvos da Mãos Limpas foram usados. Os mandados foram dis- 22 tribuídos nas mãos de equipes subdivididas, co- mandadas por um agente federal, cada. Apesar de todas as instruções de endereço e localização, os motoristas dos carros alugados eram todos do Amapá e não sabiam para qual finalidade foram contratados. Próximo das 6h de 10 de setembro, o “start” foi dado pela equipe que comandava a operação Mãos Limpas. Os veículos saíram todos juntos de Santana rumo a Macapá. Por causa do horá- rio, poucas pessoas puderam presenciar os veí- culos atravessando os municípios vizinhos e os que viram jamais poderiam imaginar o destino daqueles carros. - Foi algo que me surpreendeu bastante. Eu peguei meu plantão às 7h e tive que sair antes das 6h de casa para poder chegar no meu tra- balho. Vi aquela imensidão de carros passando por mim e fiquei até um pouco assustado por- que consegui enxergar policiais armados. Pensei logo em ser uma operação, mas uma que pudesse 23 prender o governador do estado – lembrou o téc- nico em enfermagem Caleb Figueiredo Montei- ro, um dos únicos moradores na região portuária de Santana, que presenciou a frota de veículos. O depoimento dele para o livro é inédito. A distância entre o segundo maior município do Amapá e Macapá pode levar entre 30 minutos e uma hora, dependendo do trânsito nas rodo- vias Duca Serra e JK, que ligam as duas cidades amapaenses. Mas como o tempo era o principal desafio da operação, o percurso entre as duas maiores cida- des do Amapá foi realizado em pouco menos de 20 minutos pelas rodovias e avenidas da Região Metropolitana de Macapá e Santana. Os policiais foram para as ruas sob a posse de 18 mandados de prisão temporária, 87 de condu- ção coercitiva e 94 de busca e apreensão. A quan- tidade expedida pela Justiça assustou até quem estava acostumado a fazer o trabalho. - Fiquei surpreso quando nos informaram os 24 números dos mandados. Pensei logo se iríamos realmente conseguir cumprir todos porque sa- bemos que um mandado não é apenas chegar a casa do suspeito, tirá-lo de lá e ir embora. Envol- ve muito mais que isso. A gente faz buscas den- tro, vasculha atrás de provas em caso de man- dados de busca no mesmo local, resguardamos a segurança ao redor e ainda temos que fazer campanas em determinados casos. Então imagi- nei que esses mandados não seriam cumpridos, mas depois que soube da quantidade de policiais naquele navio e da frota imensa de carros, me dei conta de que eu estava simplesmente parti- cipando da maior operação com êxito da Polícia Federal – narrou um agente da PF, lotado à épo- ca no Amapá, atualmente em Goiânia, terra na natal dele. - O grande número de investigados e de órgãos envolvidos na corrupção realmente surpreendeu a todos que estavam a frente da apuração dos fatos – acrescenta Jorvel Veronese, delegado da Polícia Federal, que comandou as investigações. 25 Um dos primeiros alvos da Policia Federal foi o então governador amapaense, Pedro Paulo Dias de Carvalho, sexto governador depois da trans- formação do então Território Federal do Amapá em uma unidade da federação. De família tradicional do Amapá, Pedro Paulo nasceu em 29 de junho, no mesmo dia de ani- versário de Roberto Shuman, político luxem- burguês erradicado na França e conhecido como “pai da Europa” por ter sido o intermediador dos principais tratados depois da II Guerra Mundial, a exemplo do Conselho da Europa e Pacto do Atlântico Norte. Qual a relação entre ambos além da data de nascimento? Para se ter noção do que a opera- ção Mãos Limpas representou à época, o proces- so de beatificação de Shuman - aberto em 1990 pelo Vaticano – contou com meia tonelada de materiais. Na ação que prendeu Pedro Paulo, a Polícia Federal recolheu mais de duas toneladas de documentos, o que seria suficiente para uma 26 coletânea de livros da operação. A grandiosidade também deixou surpreso quem estava acostumando a trabalhar no outro lado do balcão, como foi o caso do advogado Cí- cero Bordalo, um dos mais renomados crimina- listas do Amapá. Bordalo era advogado de Pedro Paulo e en- contrava-se em viagem no dia da operação. Ele passou o feriado de 7 de setembro em São Paulo e depois se deslocou para Brasília, onde os filhos estudavam e trabalhavam na Representação do Governo do Amapá na capital federal. A família dele morava naquele ano no bair- ro Asa Sul, área nobre de Brasília, com um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e considerado o sexto lugar mais cobiçado para morar no Brasil. O conforto do lugar, no entanto, ficou em se- gundo plano. A operação Mãos Limpas fez o ad- vogado ser uma visita constante na sede da su- perintendência da Polícia Federal, em Brasília. 27 O apartamento na Asa Sul virou apenas um lu- gar para descanso depois de dias inteiros entre gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Polícia Federal e o escritório onde as peças de defesa eram feitas. Logo nos primeiros cumprimentos de man- dados de prisão no Amapá, o celular de Bordalo começava a ser acionado. A primeira ligação foi às 6h15. Na terceira chamada, Cícero Bordalo atendeu. Era o filho, também advogado, Cícero Bordalo Neto. - Pai, a maior operação da história do estado do Amapá está acontecendo agora. Prenderam o governador, ex-governador, o secretário de Justiça e pegaram R$ 1 milhão dentro do gabi- nete dele, além de empresários – disse Neto. Com viagem marcada para 11 de setembro, Bordalo teve que cancelar o retorno para Maca- pá. - Irei ao aeroporto desmarcar o meu voo e 28 vou ficar por aqui porque pela magnitude, com pessoas indo para o Exército, irei aproveitar esse momento pela possibilidade de os voos fi- carem lotados de Macapá para Brasília, ainda mais que é logo após o feriadão de 7 de setembro – respondeu Cícero Bordalo ao filho, que acom- panhava a operação em Macapá. Antes de encerrarem a chamada, Bordalo Neto citou que o caso estava gerando uma comoção na cidade jamais vista. E ele tinha razão. O ineditismo praticado naquele dia pela Polícia Federal deixou a população assustada em Maca- pá. Um ônibus com quarenta lugares chegou a ser alugado para levar parte dos presos, conduzi- dos e materiais apreendidos na casa deles. Durante as batidas dos agentes, um caso cha- mou atenção de um dos coordenadores ação na- quele dia. - Quando se fala do dia da operação, vem na minha cabeça uma cena, que não cabe dizer o nome do envolvido. Ao entrarmos na casa, essa 29 pessoa, não se intimidou com os policiais e co- meçou a esconder dinheiro na nossa frente. Para mim, foi uma cena