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Löwy - A Teoria Do Desenvolvimento Desigual E Combinado

Löwy - A Teoria Do Desenvolvimento Desigual e Combinado

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  ou t ub r o - 73ou t ub r o - 73ou t ub r o - 73ou t ub r o - 73ou t ub r o - 73 Teoria do desenvolvimento desigual e combinado A teoria do desenvolvimento desigual e combinado é interessante nãoapenas por sua contribuição à reflexão sobre o imperialismo, mas tambémcomo uma das tentativas mais significativas de romper com o evolucionismo,a ideologia do progresso linear e o euro-centrismo. Segundo Ernst Mandel,trata-se provavelmente da maior contribuição de Trotsky à teoria marxista.Escrevendo antes da era imperialista, Marx não podia dar conta deum problema diretamente ligado à expansão mundial do capital. Pode-seencontrar, no entanto, em alguns de seus escritos, pistas interessantes so-bre a maneira pela qual uma forma de produção dominante exerce a suahegemonia sobre as outras. É o caso, notadamente, de uma célebre passa-gem da  Introdução à crítica da economia política (1857): “Em todas asformas de sociedade, é uma produção específica que determina todas asoutras, são as relações engendradas por ela que atribuem a todas as outras oseu lugar e a sua importância. É uma luz universal onde são mergulhadastodas as outras cores e que as modifica no seio de sua particularidade. É uméter particular que determina o peso específico de toda a existência que aí semanifesta”. 2  Neste texto não se trata de formas pertencentes a modos deprodução diferentes, mas de ramos distintos da produção: a indústria e aagricultura, o capital e a renda fundiária. Mas pode-se facilmente alargar oalcance desta formulação e utilizá-la para compreender o tipo de dominaçãoque o capital exerce nas formações sociais onde subsistem relações pré-capitalistas: ele é a “luz universal” que modifica todas as outras “cores”econômicas e sociais.A teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky —que não se refere ao texto de Marx — é uma tentativa de explicar estas“modificações” e, por conseqüência, de dar conta da lógica das contradi-ções econômicas e sociais dos países do capitalismo periférico ou domina- A t eo r i a dode s envo l v i men t ode s i gua l  e c omb i nado 1  Michael Löwy Pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques(CNRS), Paris, França 1 A r t i go   pub li c ado   na   r ev i s t a   A c  t  ue  l    M  a  r  x  ,  18 ,  1995 .   T r adu ç ão   de   H en r i que   C a r ne i r o . 2 K a r l   M a r x ,   C  on  t  r  i  bu  i  t  i  on    à    l  a    c  r  i  t  i  que    de    l  ’     e  c  ono  m  i  e    po  li  t  i  que  ,   P a r i s ,   E d i t i ons   S o c i a l es ,  1977 ,   p .  172 .   A l t husse r hav i a   i n t e r p r e t ado   es t a   passage m   c o m o   o   p r i m e i r o   esbo ç o   do   c on c e i t o   de   “ sob r ede t e r m i na ç ão ” .   C f.   L i  r  e    l  e    c  ap  i  t  a  l  , P a r i s ,   M aspe r o ,  1965 ,   vo l .   II ,   p .  169 .  74 - ou t ub r o74 - ou t ub r o74 - ou t ub r o74 - ou t ub r o74 - ou t ub r o  Michael Löwy dos pelo imperialismo. A sua primeira formulação encontra-se no ensaio  Balanço e perspectivas (1906), um texto do qual Isaac Deutscher sublinha-va o alcance profético: “Que sua mensagem suscite o horror ou a esperança(...) não se pode deixar de se impressionar pela amplitude e audácia davisão. Ele abraçava o futuro como, do pico de uma alta montanha, desco-bre-se um imenso território desconhecido do qual se distinguem, na distân-cia, os grandes eixos de orientação”. 3  A expressão “desenvolvimento desi-gual e combinado” ainda não aparece, mas os temas centrais da teoria estão já esboçados.O que distingue, do ponto de vista metodológico, o marxismo deTrotsky daquele dominante na Segunda Internacional é, antes de tudo, acategoria da totalidade — segundo Lukács, o princípio revolucionáriopor excelência no domínio do conhecimento. O seu ponto de partida, jásugerido num escrito de junho de 1905, era este: “Ligando todos ospaíses entre si pelo seu modo de produção e seu comércio, o capitalismofez do mundo inteiro um só organismo econômico e político”. 4  Contra-riamente a Lenin que examinava o desenvolvimento do capitalismo naRússia sobretudo a partir das contradições internas da agricultura, Trotskyo aborda sob o ângulo da inserção da economia russa no sistema capita-lista. A formação social russa era tomada como um subconjunto perifé-rico do capitalismo mundial, que formava, de forma determinante, suaestrutura econômica e social: “O capitalismo não se desenvolveu na Rússiaa partir do sistema artesanal. Ele realizou a conquista da Rússia tendo,atrás de si, o desenvolvimento econômica de toda a Europa (...) Redu-zindo à escravidão econômica este país atrasado, o capital europeu libe-rava aos seus principais ramos da produção e aos seus principais meiosde comunicação toda uma série de etapas técnicas e econômicas inter-mediárias, pelas quais eles tinham tido que passar nos seus países desrcem.” Esta srcem estrangeira e moderna dos elementos dominantesdo capital industrial russo no começo do século XX era, segundo Trotsky,a causa ao mesmo tempo da fraqueza da burguesia nativa russa (assimcomo das camadas artesanais e pequeno-burguesas que teriam podidoservir-lhe de apoio), e do peso social e político relativamente grande doproletariado urbano russo, concentrado em grandes unidades industriaismodernas. São conhecidas as conclusões políticas que ele vai tirar destaanálise: o papel dirigente da classe operária na futura revolução russa...Se a idéia do desenvolvimento desigual e combinado é esboçada 3 I saa c   D eu t s c he r ,   T  r  o  t  s  k   y  .   L e    p  r  ophè  t  e    a  r  m  é  ,   P a r i s ,   J u lli a r d ,  1962 ,   pp .  222 - 223 . 4 L eon   T r o t s k y ,   p r e f á c i o   de    j unho   de  1905 à   ed i ç ão   r ussa   dos   d i s c u r sos   de   F e r d i nand   L assa l e ,   c i t ado   e m   “ B ill ane t   pe r spe c t i ves ” ,   i n   1905  ,   P a r i s ,   M i nu i t,  1969 ,   p .  456 .  ou t ub r o - 75ou t ub r o - 75ou t ub r o - 75ou t ub r o - 75ou t ub r o - 75 Teoria do desenvolvimento desigual e combinado neste primeiro texto de 1906, ela será sustentada por um estudo maisdetalhado e sistemático do desenvolvimento do capitalismo russo no li-vro 1905 , publicado por Trotsky em 1909. A análise não é somenteeconômica, mas também social e cultural: sobre o imenso espaço daRússia, observa ele, encontram-se “todos os estágios da civilização: desdea selvageria primitiva das florestas setentrionais onde alimentavam-se depeixe cru e faziam suas preces diante de um pedaço de madeira, até asnovas condições sociais da vida capitalista, onde o operário socialista seconsidera como participante ativo da política mundial e segue atenta-mente... os debates do  Reichstag . A indústria mais concentrada da Eu-ropa sobre a base da agricultura mais primitiva”. Estes diferentes estági-os não estão simplesmente um ao lado do outro, numa espécie de coe-xistência congelada, mas se articulam, se combinam, “se amalgamam”:o processo do desenvolvimento capitalista, criado pela união das condi-ções locais (atrasadas) com as condições gerais (avançadas) “umamálgama social cuja natureza não pode ser definida pela busca de luga-res comuns históricos, mas somente por meio de uma análise com basematerialista”. Nesta combinação, as relações engendradas pelo capitalis-mo determinam, segundo a fórmula de Marx em seu texto de 1857, atodas as outras o seu lugar e a sua importância. 5 Para compreender esta configuração singular, é preciso partir docapital financeiro europeu — isto é, do imperialismo, termo que Trotskyainda não utiliza — que é o principal vetor do desenvolvimento do capi-talismo na Rússia: “A nova Rússia tomou um caráter todo particular emconseqüência do fato de que ela recebeu o batismo capitalista, na segun-da metade do século XIX, do capital europeu que se apresentou sob suaforma mais concentrada e mais abstrata, como capital financeiro”. So-bre este território novo, o capital inglês ou francês, quintessência daobra histórica dos séculos”, não pode repetir o seu itinerário anterior: ele“salta”, por assim dizer, as etapas intermediárias do seu crescimento“normal” e “orgânico” (oeste-europeu), como o pequeno ofício e a ma-nufatura, e se manifesta imediatamente em sua figura mais moderna eavançada: a grande indústria. Isto se manifesta também no processo deurbanização: “Da mesma forma que a indústria russa não conheceu aépoca medieval do pequeno ofício, as cidades russas não conheceram olevantar progressivo de um terceiro estado nas corporações, as guildas,as comunas e as municipalidades. O capital europeu criou a indústriarussa em algumas dezenas de anos, e esta por sua vez criou as cidadesmodernas, no interior das quais as funções essenciais da produção são 5 L eon   T r o t s k y ,   1905  ,   pp .  43 e  54 ,   sub li nhado   po r   m i m ,   M L .  76 - ou t ub r o76 - ou t ub r o76 - ou t ub r o76 - ou t ub r o76 - ou t ub r o  Michael Löwy asseguradas pelo proletariado”. 6 Um dos paradoxos deste tipo de desenvolvimento do capitalismoperiférico é que o capital europeu implantado na Rússia toma formas,neste país, em certos aspectos mais avançadas do que nas metrópolesocidentais: Trotsky cita estatísticas comparativas mostrando que nocomeço do século a porcentagem de operários trabalhando em grandesfábricas (mais de mil empregados) era de 38,5% na Rússia, em com-paração com apenas 10% na Alemanha. 7 Desta análise da combinação de traços pré-capitalistas (notadamenteno campo) e capitalistas modernos (na grande indústria das cidades) Trotskyconcluía a possibilidade de uma revolução russa combinando as “tarefasdemocráticas” (derrubada do czarismo, partilha das terras, democratizaçãodo Estado) e as medidas socialistas (expropriação do grande capital), numprocesso de revolução permanente.Elaborada no contexto russo, esta análise estava implicitamente car-regada de uma significação muito mais abrangente, aplicável ao conjuntodas formações sociais situadas na periferia do sistema capitalista.Curiosamente, enquanto Trotsky formula no seu livro  A revolução permanente (1928) sua teoria geral da revolução nos países capitalistas de-pendentes — “coloniais e semi-coloniais” na linguagem da época —, ele nãose refere a suas análises do desenvolvimento desigual e combinado. Umabreve passagem do prefácio à edição francesa refere-se, numa polêmicacom Stalin, à lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, mas é unica-mente para constatar que “a srcinalidade de um tipo social nacional não émais do que a cristalização das desigualdades de sua formação”. 8 Apenas dois anos mais tarde, no primeiro capítulo de sua  História da Revolução Russa  (1930), que encontramos enfim uma apresentação explí-cita e coerente — apesar de sua brevidade — da teoria do desenvolvimentodesigual e combinado, como proposição de alcance universal. A hipóteseque funda esta teoria pode ser formulada aproximadamente nos seguintestermos: com a ascenção do capitalismo a um sistema mundial, a históriamundial torna-se uma totalidade concreta (contraditória) e as condições dodesenvolvimento social e econômico conhecem uma mudança qualitativa:“O capitalismo (...) preparou e, num certo sentido, realizou a universalidadee a permanência do desenvolvimento da humanidade. Por isto está excluídaa possibilidade de uma repetição das formas de desenvolvimento de diversasnações. Forçado a se colocar a reboque dos países avançados, um país 6 L eon   T r o t s k y ,   1905  ,   pp .  45 ,  54 - 55 . 7 I b i d .   p .  31 . 8 L eon   T r o t s k y ,   D  e    l  a    r  évo  l  u  t  i  on  ,   P a r i s ,   M i nu i t,  1963 ,   p .  250 .