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Os Canais De Segunda Tela Como Mecanismo De Reinserção Dos Seriados Cult

Os Canais de Segunda Tela Como Mecanismo de Reinserção dos Seriados Cult

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    May 2018
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  Os Canais de Segunda Tela como Mecanismo de Reinser•‹o dos Seriados Cult AndrŽ Em’lio Sanches 1  Hellen Camara 2   Resumo  Nos œltimos anos, o aumento do nœmero de servi•os de disponibiliza•‹o de conteœdos audiovisuais sob demanda, tais como  Netflix ,  Hulu , Crunchyroll, You Tube , entre outros,  promoveu n‹o apenas a mudan•a de parte dos h‡bitos de se assistir filmes e seriados, como tambŽm criou um novo mercado para produtos audiovisuais mais antigos que, muito embora j‡ contassem com um grande contingente de f‹s, dado a exibi•‹o em diversos canais, inclusive em m’dias f’sicas como VHS e DVD, n‹o dispunham mais de espa•o nas atuais grades de  programa•‹o. Dessa forma, esses novos canais de veicula•‹o funcionam n‹o apenas como reposit—rios de produ•›es j‡ cultuadas para seus antigos f‹s, como tambŽm geram sua reinser•‹o no mercado, trazendo reconhecimento por uma nova audincia, que, de outro modo n‹o as conheceria. Palavras-chave Seriado; Televis‹o; Cult; sob demanda; segunda tela. Introdu•‹o  No decorrer dos œltimos anos, a melhora na qualidade das conex›es de banda larga de internet, bem como a implanta•‹o dos novos servi•os de internet m—vel de alta velocidade 3  ocasionaram um aumento significativo do nœmero de servi•os de disponibiliza•‹o de conteœdos audiovisuais sob demanda 4 . Aonde anteriormente existiam apenas sites espec’ficos para conteœdos curtos como o Youtube  ou o Vimeo , inœmeras outras op•›es surgiram, oferecendo desde filmes e seriados recentes, como o  Netflix  atŽ conteœdos de nicho como os seriados de anima•‹o japonesa presentes no Crunchyroll  . Seguindo a mesma tendncia, a profus‹o de dispositivos m—veis com alta capacidade de  processamento e capacidade de mem—ria, ou seja, os  smartphones  e os tablets , fez surgir um 1  Especialista em Redes de Computadores pela Universidade Federal de S‹o Carlos (UFSCar). Mestrando pelo Programa de P—s-Gradua•‹o em Imagem e Som (PPGIS) da UFSCar. Membro do Grupo de Estudos sobre M’dias Interativas em Imagem e Som (GEMInIS) 2  Mestranda pelo Programa de P—s-Gradua•‹o em Imagem e Som (PPGIS) da UFSCar. 3  Telefonia m—vel de terceira (3G) e quarta (4G) gera•›es. 4  Video on Demand (VoD) no idioma srcinal.  novo nicho de mercado no que diz respeito a aplica•›es de cunho social para compartilhamento de informa•›es e, especialmente, a intera•‹o social entre aficionados dos mais diversos assuntos, desde aplicativos para amantes de viagens compartilharem seus pontos tur’sticos atŽ, o que realmente nos interessa, aplicativos para os aficionados por filmes e seriados compartilharem, e atŽ certo ponto divulgarem, aquilo que est‹o assistindo e trocarem informa•›es entre si sobre esses assuntos. Desta maneira, a presen•a dessas outras telas alŽm da j‡ conhecida tela da televis‹o no  processo de media•‹o entre a transmiss‹o e recep•‹o de um produto audiovisual faz surgir um novo tipo de audincia consumidora, uma que alŽm de poder assistir suas produ•›es favoritas fora do fluxo tradicional da televis‹o, tambŽm trabalha de maneira social para alŽm dos grupos e clubes fechados de f‹, de tal sorte promovendo tanto um resgate do material discursivo de  produ•›es j‡ consagradas porŽm esquecidas como tambŽm uma inclus‹o de poss’veis novos f‹s que, sem essa mentoria, talvez nunca viessem a conhecer tais produ•›es. Narrativa Ficcional Seriada A narrativa seriada Ž das formas televisivas mais tradicionais. Machado (2000) define como serialidade a apresenta•‹o descont’nua e fragmentada de narrativas televisivas, na qual Òo enredo Ž geralmente estruturado sob a forma de cap’tulos ou epis—dios, cada um deles apresentados em dia ou hor‡rio diferente e subdividido, por sua vez, em blocos menores, separados um dos outros por breacksÓ. A l—gica da assistncia destas mesmas sŽries a partir de servi•os disponibilizados pela web funciona de maneira similar, contudo n‹o h‡ a necessidade de separar um epis—dio em blocos, pois esta atividade online pressup›e a inexistncia de intervalos para comerciais. Caso o expectador queira, ele mesmo pausa o programa onde quiser e depois volta a assistir de onde parou. Ainda segundo o autor, existem trs tipos principais de narrativas seriadas. O primeiro  pressup›e a existncia de uma œnica narrativa Ð ou v‡rias entrela•adas e paralelas Ð que v‹o se desenvolvendo mais ou menos linearmente no decorrer de todos os cap’tulos. ƒ o caso t’pico das telenovelas, e cada segmento deste tipo Ž chamado cap’tulo. Na segunda estrutura, cada exibi•‹o Ž uma hist—ria completa e aut™noma, com come•o, meio e fim, Òe o que se repete no epis—dio seguinte s‹o apenas os mesmos personagens principais e uma situa•‹o narrativaÓ, sendo que um epis—dio, normalmente, n‹o interfere no outro. Est‹o formatados nessa estrutura, os sitcons e cada segmento Ž chamado epis—dio seriado. Por fim, temos a serializa•‹o em que Òa œnica coisa que se preserva nos v‡rios epis—dios Ž o esp’rito geral das hist—rias, ou a tem‡tica;   porŽm, em cada unidadeÓ. Neste caso, n‹o apenas a hist—ria Ž diferente, mas tambŽm os  personagens, cen‡rios, e, ˆs vezes, os atores, roteiristas e diretores. Nesse tipo cada segmento Ž chamado epis—dio unit‡rio. O Cult  , a reassistncia e o capital cultural Desde o princ’pio do audiovisual a fic•‹o sempre ocupou um espa•o especial na admira•‹o dos espectadores, fosse com rela•‹o ˆ identifica•‹o por estes das hist—rias contadas, fosse pela admira•‹o de alguma realidade fant‡stica ali proposta que trazia ˆ imagem e ao som algo que de outro modo era restrito ˆs divaga•›es imagin‡rias de cada um. Com as evolu•›es da tŽcnica, o refinamento da estŽtica e o consequente aumento do nœmero de produ•›es, determinadas obras conseguiam atingir seu pœblico de tal forma, que ao invŽs de gerar apenas identifica•‹o e admira•‹o, ocasionavam tal apego emocional, que eram elevadas, por essa audincia, ˆ condi•‹o de verdadeiros objetos de culto. Conforme Jancovich et al.  (2003), o cult   Ž um fen™meno que, com o passar dos anos, se relaciona com a concep•‹o de subcultura que se identifica mais a uma estratŽgia de leitura associada ˆ vanguarda que a um estilo espec’fico. Desta forma, pode ser chamado de cult  , uma obra que desperta em seus f‹s o desejo constante de consumir intensamente tudo que lhe diz respeito, desde os produtos midi‡ticos ˆ objetos f’sicos, livros, miniaturas de personagens, etc. O cult   tornou-se sin™nimo da din‰mica existente entre consumidores e produ•›es, observada, tambŽm, em obras que j‡ foram produzidas e exibidas, pela primeira, vez h‡ algumas dŽcadas atr‡s. Ainda assim, n‹o se trata apenas de uma quest‹o de qualidade visual ou narrativa, mas, sim, de uma sensa•‹o de completude que se alcan•a ao fru’-la, ou, como define Umberto Eco (1986), a obra precisa ser amada, porŽm isso n‹o Ž o bastante. ÒEla precisa prover um mundo completamente povoado, de modo que seus f‹s possam citar personagens e epis—dios como se estes fossem aspectos do pr—prio universo privado do f‹, um universo sobre o qual pode-se fazer perguntas e criar jogos de adivinha•›es, de forma que os adeptos dessa seita reconhe•am em si pr—prios um conhecimento comumÓ (ECO, p.198, 1986) 5 . Aplicando essa defini•‹o ao seriado televisivo, podemos dizer ent‹o que um seriado cult   seria aquele que, ao passo que desperta uma componente emocional em seu espectador, tambŽm o convida a aventurar-se por um universo novo, alternativo ˆ sua realidade cotidiana, e que este 5  Tradu•‹o do autor  ato o aproxima socialmente de outros f‹s, em maior ou menor grau, criando assim n‹o apenas um senso de comunidade, mas tambŽm infundindo-os de um conhecimento, atŽ certo ponto oculto, que s— pode ser compartilhado com os j‡ iniciados. Relacionado diretamente ao consumo de obras, consideradas cults , est‡ o fenomeno da reassistibilidade, definido, por Mittell (2011) como um conjunto de pr‡ticas ligadas ˆs novas condi•›es tecnol—gicas de distribui•‹o de conteœdo, tais quais os canais da TV paga, as  possibilidades de grava•‹o digital, como o TIVO , a comercializa•‹o das obras em DVD, alŽm da possibilidade de realizar o download   de arquivos digitais, por meio da internet, ou de assistir em sites, como o  Netflix  e o Youtube . Diferente da reprise, procedimento realizado pelos canais de televis‹o ao reexibir uma obra j‡ apresentada em momento anterior, caracterizada como uma a•‹o unilateral do emissor e n‹o tendo como inten•‹o propor informa•›es adicionais a leitura do conteœdo, a pr‡tica da reassistibilidade parte da a•‹o do receptor, que Ž motivado a assistir novamente a obra, n‹o  buscando apenas reexperimentar a experincia primeira, mas tambŽm obter uma nova leitura e experincia, que complemente, amplie ou mude as anteriores. A reassistibilidade tem sua base apoiada em diversas camadas de leituras (MITTELL, 2011). Cada visualiza•‹o permite uma leitura diferente do texto, buscando-se elementos n‹o apreendidos anteriormente, ampliando-se as informa•›es a respeito da hist—ria apresentada e seus desdobramentos, alŽm de possibilitar um Òassistir anal’ticoÓ (MITTELL, 2011) que contempla, n‹o o enunciado em si, mas o processo de enuncia•‹o, no qual s‹o observados as estruturas estraordin‡rias criadas por roteiristas e equipe de produ•‹o para compor as as tramas que se entrecruzam e todos os recursos da narrativa denominados, por Mittell (2006), efeitos especiais narrativos. Entretanto, os mesmos fatores que aproximam socialmente os f‹s desses seriados afastam outros potenciais espectadores que, por alguma restri•‹o, n‹o puderam conhec-lo ou acompanha-lo, n‹o possuindo, portanto, o Òcapital culturalÓ (BOURDIEU, 2002) necess‡rio  para adentrar aquele grupo, eventualmente dificultando a perpetua•‹o desses grupos, e levando ˆ perda do conhecimento acumulado, uma vez que o conhecimento da obra Ž necess‡rio, mas esta encontra-se inacess’vel. Bordieu (2002) coloca em segundo plano a posse de bens materiais e aponta a propriedade de capital simb—lico (cultural) como o principal elemento de diferencia•‹o social. Segundo esta vis‹o, o consumo desempenha, portanto, uma fun•‹o central nas din‰micas de rela•›es sociais. S‹o identificadas trs formas de capital (BORDIEU, 2002): em primeiro est‡ o capital econ™mico tal qual Ž conhecido, a partir das opera•›es financeiras e aquisi•‹o de bens materiais.  A segunda Ž o capital social, que se constitui nas rela•›es sociais mantidas pelo indiv’duo, formada por pessoas com quem convive e seus c’rculos sociais. Por fim, est‡ o capital cultural, composto pelos saberes acumulados, tanto acadmicos, quanto culturais ou sociais, adquiridos no decorrer de toda a vida. Por compreender toda a  bagagem intelectual adquirida por uma pessoa, este tipo de capital age como o mais competente delimitador de grupos sociais. ƒ importante observar que, mesmo que o capital cultural esteja diretamente relacionado com o capital econ™mico, a posse de bens materiais, sozinha, n‹o assegura a aquisi•‹o do mesmo. (BORDIEU, 2002) A cultura, portanto, Ž percebida como um capital a ser acumulado e no qual se investe, no qual alguns bens possuem mais valor e incide na obten•‹o de prest’gio no conv’vio social pelos grupos que os possuem. Meios de reassistncia Uma das plataformas mais usadas para a reassistncia gratuita de seriados que n‹o s‹o exibidos na televis‹o Ž o Youtube 6 , criado em 2006. Um site mundial aberto a toda comunidade web que hospeda v’deos disponibilizados via streaming, permitindo a postagem e compartilhamento de v’deos. O surgimento do Youtube  agravou o esfacelamento da  programa•‹o televisiva e motivou as apropria•›es dos espectadores em rela•‹o ao seu conteœdo. Burgess e Green (2009) apontam como uma das causas do sucesso do Youtube,  e o  primeiro viral do site, um quadro c™mico do Saturday Night Live  que apresentava dois nova-iorquinos nerds estereotipados cantando um rap sobre comprar bolinhos e assistir  Lazzy Sunday  (Ò  Domingo de Pregui•aÓ).  Ao todo, a esquete de dois minutos e meio foi vista 1,2 milh‹o de vezes em seus dez primeiros dias on-line, e mais de 5 milh›es de vezes em fevereiro de 2006. Podendo ser considerado um grande reposit—rio de v’deos vindos da televis‹o e postados  pelo pœblico em geral, principalmente por f‹s, o YouTube  vem contribuindo para a dissemina•‹o de sŽries televisivas que fizeram sucesso nas dŽcadas de 70, 80 e 90. O  Netflix  por sua vez, Ž um servi•o pago, por meio de assinatura mensal, e que permite ao usu‡rio acessar pela internet sua biblioteca completa de filmes e seriados, para assisti-los de maneira ilimitada nos mais diversos suportes de m’dia, seja ela o computador, a smart tv ou o smartphone. Com um cat‡logo de produ•›es que varia de acordo com o pa’s em que o usu‡rio 6  http://www.youtube.com/