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RECONHECIMENTO ÉTNICO EM EXAME dois estudos sobre os Caxixó

“Em 1994, por solicitação da FUNAI, Maria Hilda Baqueiro Paraíso, então mestre em Ciências Sociais e professora de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, elaborou o “Laudo antropológico sobre a comunidade denominada Kaxixó”, no qual concluiu que os assim denominados Caxixó naquele momento não formavam “uma comunidade indígena como é pensada jurídica e antropológicamente” (Paraíso 1994a: 20). Em 1999, em cumprimento à demanda da Procuradoria Geral da República no estado de Minas Gerais, Ana Flávia Moreira Santos, antropóloga, da 6ª. Câmara do MPF/MG e mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, em seu trabalho de um ano e meio, reconheceu nos autodenominados Caxixó as características socioculturais para sua classificação como “comunidade indígena”. (Santos, 2003: 141)

Ana Flávia Moreira Santos João Pacheco de Oliveira

Para desempatar do primeiro laudo da Paraíso que não reconheceu a identidade étnica dos Caxixós, e o segundo da Ana Flávia que reconheceu, a FUNAI solicitou à ABA um antrópologo que pudesse fornecer um outro laudo a partir dos dois trabalhos anteriores. Foi então nomeado João Pacheco de Oliveira, que em um ano de trabalho reconheceu que aquelas pessoas possuíam traços sócioculturais da etnia Caxixó.

feito por um especialista através da etnografia e da pesquisa bibliográfica. os estudos e as conclusões de seu trabalho de investigação e análise.” (Carreira. onde o autor buscou as explicações a partir de investigação antropológica e histórica. Assim a perícia. os laudos... é todo o trabalho científico propriamente dito. 2008: 54). João Pacheco de Oliveira  O ponto de partida para o trabalho de João Pacheco foi o conjunto de dados e interpretações antagônicas.  . e os produtos delas derivado.Os Caxixós do Capão do Zezinho: Uma comunidade indígena distante das imagens da primitividade e do índio genérico.. são “a peça escrita onde o perito expõe as observações.

mas de remanscentes de quilombos. E isso coincidiu com a ampliação do quadro técnico de antropólogos do MPF e a extensão da requisição de laudos não apenas de terras indígenas. uma autoridade jurídica e um perito (especialista independente e altamente qualificado). indicando um novo gênero administrativo centrado na articulação entre solicitante. Pacheco de Oliveira aponta que só em 1995 os antropólogos puderam conduzir e ter um relativo consenso sobre a natureza de um laudo. .A expressão: “Laudo antropológico”  Começou a ser utilizado a partir de 1985.

antes desse a autora fez três trabalhos diferentes. implicando assim em processos de proteção e assistência a saúde e educação. 2003: 145). esse foi destinado a uma instância administrativa e não jurídica. mas o que foi realizado sobre os Caxixós apresenta características distintas dos anteriores. (Santos.O trabalho elaborado por paraíso  O trabalho de Maria Hilda Paraíso é de novembro de 1994. regularização de terras. . etc. Tratava de subsidiar a FUNAI na tomada de decisões ao reconhecimento ou não dessa coletividade como indígena.

número de casas que integravam a comunidade. mapa da aldeia. manteve contatos institucionais. pois atribuia uma “falta de credibilidade” o uso de fontes orais. 152). onde a entrevista com a comunidade Caxixó se limitou a algumas horas. e também faltou o censo da população.O tempo das atividades de Paraíso    O tempo de trabalho da Paraíso foi de dois dias ( 2 e 3 de junho de 1994). nem as relações que essas pessoas possuem entre si e com localidades vizinhas. onde ela visitou três cidades. informações de atores variados. . busca de documentos. privilegiando os documentos escritos como fonte de verdade (Santos. 2003: 150. Maria Hilda baseou-se na documentação histórica tentando contextualizar com os dados reais. uma antiga Fazenda. Não apresentou número de famílias.

e como eles pensavam sobre o seu passado e a si mesmos (Santos.   . no laudo elaborado por Ana Flávia foram utilizados conceitos e métodos da antropologia para subsídiar as decisões das autoridades jurídicas ou administrativas.O tempo das atividades de Ana Flávia dos Santos  Em oposição ao tempo ao modo de trabalho da Paraíso. implicando contatos expandidos e regulares com a grande maioria das famílias integrantes da comunidade. Ao iniciar a análise acerca do passado caxixó. A investigação foi realizada por meio de um maior número de visitas ao campo. 2003: 157). Santos enfatizou a lógica de articulação interna e os sentidos atribuídos às categorias que os conformam.

a uma equipe interdisciplinar (Grupos de Trabalhos da FUNAI . constituindo-se em erros na pesquisa. O tempo de trabalho não é o de uma pesquisa antropológica que requer um período maior de contato. afetando assim na condução da investigação onde os profissionais passam a privilegiar os dados fornecidos pelas lideranças políticas que apresentam-se como portavoz da comunidade. INCRA.. na identificação de terras indígenas estão sempre associadas: . MPF. faz com que o tempo em campo se apresente limitado e insuficiente. ou de um levantamento fundiário. . pois o ideal é ouvir diferentes moradores.). Pacheco de Oliveira diz que o trabalho compartilhado com profissionais de outras formações. constituidos por diferentes profissionais) e a instâncias múltiplas. mas é igual ao tempo técnico de uma cartografia.As atividades na identificação de terras indígenas  Diferentemente do trabalho de campo onde as atividades são desenvolvidas só pelo antropólogo.... (FUNAI.

2003: 147). (Santos. Não é correto operar com uma totalidade desprovida de conteúdos concretos.. dos interesses e valores que perseguem. das interações que realizam. limitando-se a enquadrá-la (ou recusá-la) como mero exemplar de uma noção genérica de “comunidade indígena” (Santos. dos nexos que os unem. do estabelecimento de critérios de legitimação de uma história produzida a partir de uma memória coletiva e individual”. 2003: 155)  . “O reconhecimento dos direitos de pessoas que pertencem a coletividades necessariamente dependerá..João Pacheco diz que:  “Uma comunidade deve ser construída pelo pesquisador por meio da observação positiva das pessoas que as integram.

ela está falando de uma versão de um passado local. tanto as narrativas orais. quanto as escritas devem ser entendidas como verdadeiras e não tentar verificar nos documentos escritos a veracidade contida na tradição oral. mas antes ressaltar que embora expressem uma experiência histórica particular. A intenção não é procurar “provas históricas” que permitam “confirmar” os referidos relatos.A crítica das fontes e o uso diferenciado da história  Para Ana Flávia.  .

que requer a existência de documentação escrita para comprovar a tradição oral. Pois os sítios arqueológicos não podem sevir de “prova” de ocupação tradicional. O autor recomenda cautela ao papel de investigação arqueológica em laudos relativos a terras indígenas.O lugar da arqueologia nos laudos antropológicos  A utilização de vestígios arqueológicos no laudo de Paraíso apenas repetem o paradigma criticado. do mesmo modo que sua ausência não pode ser utilizada como “prova” da inexistência de ocupação tradicional indígena. Para Oliveira buscar legitimar a posse dos grupos indígenas sobre determinados territórios apelando para a antiguidade dessa ocupação constituem-se incoerente frente aos termos da Carta Constitucional 1988 que conceitua “terra indígena” a partir da noção de “ocupação tradicional”. e não da idéia de imemorialidade.   .

Maria Hilda comentou em uma conversa com Zezinho sobre as “perseguições dos fazendeiros”. Djalma disse: “.O relato dos caxixós sobre a visita de Paraíso:      O Sr. agravado pela dificuldade na comunicação o que acabou gerando tensões dentro da própria comunidade. e essa preocupação transpareceu no laudo sobre os caxixós.ela chegou aqui como quem está procurando um ladrão” (Santos. 2003: 162) Marilda comentou: “Ela chegou aqui muito braba. Era uma brabeza só!” Os interlocutores reclamaram da asimetria no diálogo com a antropóloga que parecia não entender o que eles diziam.. pois ela perguntou ao Djalma e ele não sabia direito o que era uma tribo e uma aldeia e então os outros acharam que ele botou tudo a perder. . Comentaram que ela interrogava muito rápido. “ela estava com medo de ser morta”. No entanto os caxixós disseram que sabiam o motivo do comportamento da antropóloga..

contendo mapas. informando como vivem e pensam os Caxixós. informações sobre a vida econômica e as múltiplas esferas da vida social. um censo por casas e famílias.O resultado dos dois últimos laudos  Os laudos de Santos e Oliveira expressam um apanhado da história. bem como a transcrição de narrativas orais e descrição de algumas situações sociais. . genealogia.

Batista da Silva (Silva. o mato e o rio (as bacias hidrográficas constituem locais privilegiados para a localização das aldeias) e a falta de um desses espaços dificultará o desenvolvimento do modo de ser indígena. e Pantaleón (2002).   . então Delma Peçanha (2008).Outras contribuições da antropologia:  Paul Little (2002) explica que cada grupo possui sua própria cosmografia. A mobilidade que lhes é própria também dificulta nas reivindicações territoriais. a roça. então devemos observar as interligações que ocorrem entre as espacialidades circuladas. 2010). 2010). irão falar da contribuição da cosmologia do grupo para explicar esse modo de viver. e então devemos observar que no caso dos indígenas ela é composta pela aldeia. Pradella e Batista da Silva (Silva. vão dizer que os territórios se expandem para além da aldeia.

2005: 38)   . simbólica e cosmológica”. “as categorias sociais de identidade étnica apresentam uma concomitante territorial. por meio das suas categorias de representação e formas organizacionais próprias. entre algumas observações Boaventura diz que: “entende-se como grupo etnicamente diferenciado toda coletividade que. se concebe e se afirma como tal”. definida por referências compartilhadas de ordem física.Sobre relatórios de identificação étnica:  Na Carta de Ponta das Canas. (Boaventura.

entre alguns itens observados Boaventura diz que: “as concepções próprias às formas de auto-definição sociocultural do grupo devem ser identificadas. os usos e valores”. observando-se os parâmetros constitucionais e legais vigentes”. 2005: 39)   . (Boaventura. ou sobre a impossibilidade de definir tais limites no momento. “promover ampla discussão com o grupo para definir uma posição clara sobre os limites do território em questão. bem como a sua percepção do espaço.Laudos sobre territórios tradicionais:  Também na Carta de Ponta das Canas.

.Em relação aos impasses teóricos e éticos na elaboração dos laudos períciais:  O termo “Terra indígena” não é uma categoria antropológica. mas sim jurídica. esperam do antropólogo objetividade.. procuradores. Na antropologia trabalhamos com o conceito de territorialidade e no jurídico não há uma hermenêutica consensual do que vem a ser “terras tradicionalmente ocupadas” (Carreira. Os advogados. juizes. no entanto nós trabalhamos com as subjetividades dos pesquisados. rigor metodológico e adequação teórica.   . Entre outros impasses.. 2008: 57)..

A questão cosmológica do grupo que é pertinente a antropologia é desconhecida pelos ambientalistas. acham que os indígenas irão destruir a área. 1 geógrafo e 4 ambientalistas. Morro dos Cocos e Ponta da Formiga (Batista. proximidades de Porto Alegre. tamanho das áreas. mas isso se tornava quase impossível pois nem mesmo o grupo de trabalho sabia quantas pessoas iriam morar no local.Experiência do prof. A FUNAI solicitava que deveria constar no relatório o número de pessoas que iriam ocupar a área. . Pois os ambientalistas analisam a área sem a presença humana. tamanho das roças. Muitas dessas áreas são ocupadas por fazendas. empresas madeireiras ou de celulose... Mártin fez parte do grupo de trabalho e nos contou sobres os vários impasses que viveu. O prof. 3 antropólogos. para os processos de identificação das terras indígenas Itapuã. 2010). Mártin Tempass num GT da FUNAI:     A FUNAI montou um GT com 8 profissionais. Nestes relatórios a questão da interdisciplinariedade também foi um complicador.

e chegando lá os técnicos podem não aceitá-lo. Além de todos estes entraves. deve ser apresentado aos indígenas para saber se eles aceitam o tamanho da área. caso não houvesse cooperação. tipo o fazendeiro está viajando. Mártin Tempass num GT da FUNAI:    Muitas dessas fazendas e empresas mostram resistência. seria demarcado a revelia. precisando o GT acionar o MPF e a polícia. Após todo o processo de levantamento de dados o grupo de profissionais produzem um relatório o qual após consenso de todos. mas mesmo assim o GT só irá vistoriar as áreas com a presença dos donos ou profissionais indicados. Então. Isso dificultou em muito. mandando de volta para as modificações e após passar por análise de todos novamente. até chegar o ponto do MPF intimar a parte que está dificultando. chegando o prazo da portaria vencer e a FUNAI precisar emitir outra. pois sempre tinham uma desculpa. onde tentando intimidar disseram para o Mártin: “Eu sei onde tú mora.Experiência do prof. sem a presença do fazendeiro ou do empresário.” . o relatório é encaminhado à Brasília. ainda tem as ameaças.

2003. João Pacheco de. Reconhecimento étnico em exame: dois estudos sobre os Caxixó. 2008. Revista Amazônica.br/index. . Brasília: Universidade de Brasília. LITTLE.). Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / LACED. NEVES. FLÁVIA MOREIRA SANTOS. 2010. Disponível em: http://www. Mediação social e mediadores políticos. v. Ana. P. D. OLIVEIRA. (org. p. Mártin César. 2012. In: NEVES. Reflexões sobre as especificidades Mbyá-Guarani nos processos de identificação de terras indígenas a partir dos casos de Itapuã. Sérgio. Paul E. PPGR. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por uma antropologia da territorialidade.periodicos. D. Desenvolvimento social e mediadores políticos. 10-26. 2. Belém. Morro do Coco e Ponta da Formiga. Porto Alegre: Editora da UFRGS.Referências bibliográficas: BATISTA DA SILVA. P. COMANDULLI.php/amazonica/article/view/348/800. Acesso em: 10 fev. 2002. 1. n. Carolina Schneider. TEMPLASS.ufpa.

Antropologia.br . impérios e estados nacionais.com.br/EspacoAmerindio/article/view/8059/6834.Referências bibliográficas: PANTALÉON. n. 2. NEIBURG.seer. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Porto Alegre.. Texto disponível em : www. In: LÉSTOILE. jul/dez.antropologiasocial. 2012. 2009. v. 3. p. Antropologia. Jeguetá: o caminhar entre os Guarani. F. de. Faperj. Acesso em: 21 fev. SIGAUD. desenvolvimento e organizações não governamentais na América Latina. Disponível em: http://www. B. Luiz Gustavo Souza. L. 99-120. 2002. Espaço Ameríndio. J. PRADELLA.ufrgs.